Expansão
descontrolada de parques renováveis sem infraestrutura de transmissão adequada
gera paradoxo: Brasil tem energia, mas não consegue aproveitá-la
O
“curtailment” e o licenciamento ambiental
A
participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial é cerca de
82%, mas na matriz elétrica, o percentual é menor, cerca de 60%. No Brasil, o
uso de fontes renováveis, solar e eólica, tem crescido exponencialmente,
ocupando hoje um papel de relevo na matriz elétrica nacional, o que nos
distingue de outros países, cuja dependência dos recursos fósseis é mais
elevada.
A
eletricidade dos ventos e do Sol representa 38% da matriz elétrica, que somada
à hidroeletricidade chega a cerca de 88%. Uma posição privilegiada, acima da
média mundial, mesmo no caso da matriz energética, onde nossa dependência por
combustíveis fósseis, é da ordem de 51%.
Ainda
assim, temos biomassa abundante e diversificada, com oportunidades estratégicas
em agro combustíveis, produção de hidrogênio, entre outras alternativas que se
complementam, garantindo a segurança energética.
Tal
crescimento exponencial mostra o viés ofertista, da política energética
errática adotada, ao longo dos anos, pelo Ministério de Minas e Energia (MME),
responsável pela formulação de diretrizes e implementação de políticas
relacionadas ao setor de energia, incluindo a exploração, produção e
comercialização.
Produzir
energia, como qualquer outra atividade econômica, gera impactos
socioambientais, independentes de ser fonte renovável ou não. Não existe
energia limpa.
Tais
diretrizes deveriam estar alinhadas com o compromisso de combater as mudanças
climáticas, reduzindo e mesmo abandonando os combustíveis fósseis (petróleo,
carvão mineral e gás natural), principais responsáveis pelas emissões de gases
de efeito estufa.
Este
esforço global é a essência do Acordo de Paris, cujas metas de cada país
apontam a ambição na redução das emissões, e estão contidas na “Contribuição
Nacionalmente Determinada” (em inglês, NDC) revisada a cada 5 anos.
Atualmente,
chegamos ao ponto de, mesmo tendo disponibilidade, o Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS), uma entidade privada, ter limitado, e até cortado parte
da energia gerada por fontes renováveis, porque a expansão da rede de
transmissão e a demanda não acompanharam o ritmo de instalação de novos parques
de geração, que cresce a taxas mais aceleradas.
Ou
seja, temos energia, mas não temos linhas de transmissão para seu
aproveitamento pelo sistema elétrico nacional. Isto tem acontecido com
frequência no Nordeste, maior produtora de energia elétrica a partir do Sol e
dos ventos. Esta irracionalidade do planejamento, levou as empresas geradores a
exigirem ressarcimento, pois produziram, mas não faturaram.

Em
meio à esbórnia vigente no sistema elétrico, o ONS lançou no dia 8 deste mês, o
Planejamento da Operação Energética (PEN2025), que fala do agravamento do
déficit de potência no Brasil, ou seja, há falta de capacidade de geração de
energia.
Como
solução, o operador recomenda a volta do indesejado horário de verão, além de
convocar o acionamento de usinas térmicas, que têm um custo maior de geração e
emitem gases de efeito estufa. O ONS justifica a adoção desta opção pelo baixo
volume nos reservatórios das hidroelétricas na região Sul, o que elevará mais
ainda a conta de energia do consumidor.
Vai
entender, ou não é para entender e simplesmente aceitar?
Segundo
a ONS “ampliar o uso das térmicas, ainda que temporariamente, reforça a
importância de se manter uma matriz energética equilibrada e capaz de responder
às adversidades climáticas e operacionais”. Argumentos que desmerecem a
inteligência alheia diante das atuais propostas do MME, que insiste na
exploração do petróleo, “até a última gota”, afirma o próprio ministro.
Há
ainda outras propostas insanas que se distanciam da sustentabilidade energética
e socioambiental, como disseminar pequenas centrais nucleares na região
amazônica, e concluir a central nuclear de Angra 3, abrindo a porteira para a
nuclearização do país. Mais nucleoeletricidade implica aderir a uma fonte de
energia insustentável, cara, suja e perigosa.

Curtailment:
o fenômeno que ameaça a transição energética no Brasil
A
monocracia no setor energético, provoca a repetição de problemas, devido aos
interesses lobistas que dominam o MME, em proveito de alguns, contrários à
maioria da população, que vive o drama de ver suas contas de energia
aumentarem, ano a ano. Além de ignorar, e mesmo impedir, a participação da
sociedade civil nas decisões. Assim, problemas antigos ressurgem.
Por
exemplo, em 2014, a antiga estatal Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco
(CHESF) teve atrasos na infraestrutura de transmissão de energia, que teriam
impactado o escoamento da energia gerada por parques eólicos.
O
não cumprimento dos contratos de projetos, vitais para a segurança energética,
especialmente o atraso na implantação de linhas de transmissão associadas às
centrais de geração para conexão compartilhada (ICG), levou a própria Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a desabilitar a Companhia, impedindo que a
empresa participasse de leilões de linhas de transmissão.
Mais
recentemente, um termo técnico em inglês curtailment começou a ser usado com
frequência para designar cortes determinados pelo ONS. Em junho de 2025, no
Nordeste, os cortes na geração de projetos de grande porte – solar e eólico –
não injetados na rede, chegaram ao valor de 27,3% do total produzido, sendo
19,6% por razões energéticas.
Mas
o que tem a ver o curtailment e o licenciamento ambiental?
O
curtailment é a redução intencional da geração de energia, especialmente em
usinas de fontes renováveis como eólica e solar, quando a produção excede a
capacidade de consumo ou transmissão do sistema. Ocorre quando a geração de
energia é reduzida ou cortada, seja por razões elétricas, como a capacidade
limitada de transmissão; ou energéticas, com excesso de oferta do sistema em
relação à demanda.
Isto
ocorre pela falta de planejamento estratégico, que privilegia a oferta
descolada da demanda, pelos atrasos na conexão de projetos à rede, pela demora
em adotar o armazenamento por baterias, e de diretrizes claras nos marcos
legais construídos com a presença e participação perniciosa dos lobbies,
defendendo interesses corporativos, em detrimento dos interesses da maioria da
população.

Desperdício
da energia eólica e solar.
“Curtailment
é a redução intencional da geração de energia renovável quando a produção
excede a capacidade de transmissão”
O
licenciamento ambiental é um procedimento administrativo que licencia uma
atividade utilizadora de recursos naturais, sendo instrumento crucial para
garantir que a geração seja feita de forma sustentável e com o mínimo impacto
ambiental.
No
contexto do curtailment, o licenciamento pode influenciar a forma como a
energia é gerada e como as restrições são gerenciadas. Bem feito, e com um
planejamento adequado do sistema elétrico, ajudaria a mitigar o problema de
“corte de energia”, garantindo que haja infraestrutura suficiente para escoar a
energia gerada e que as usinas possam operar de forma eficiente.
Ao
considerar erroneamente a energia solar e eólica fontes de geração “limpas”, as
exigências para o licenciamento de grandes projetos com geração centralizada,
foram amenizadas, e somente um Relatório Ambiental Simplificado (RAS) é
suficiente para análise do licenciamento. Assim, por considerar estas fontes
energéticas de baixo impacto os empreendedores se eximem de apresentar estudos
mais aprofundados, o EIA/RIMA.
Por
outro lado, a flexibilização das regras de licenciamento tem levado a um
aumento do risco ambiental, comprometendo a sustentabilidade da geração de
energia, o que pode agravar o problema do curtailment. Os órgãos ambientais
estaduais possuem normativas e regramentos definindo critérios específicos que,
para atrair os projetos de geração de energia renovável flexibilizaram a
legislação.
Assim,
subdimensionam os impactos, invisibilizando a população atingida, além de
desprezar os mecanismos de participação social, com falhas ou limitações no
sistema elétrico, agravadas pela falta de licenciamento adequado de projetos de
infraestrutura, como linhas de transmissão.
Em
resumo, o licenciamento ambiental e o curtailment estão interligados, e um bom
licenciamento pode contribuir para sua redução, além de outras medidas. Já a
flexibilização das regras de licenciamento pode aumentar os riscos ambientais e
agravar o problema da redução e corte da energia gerada.

A
importância do licenciamento ambiental é inegável e necessária. Todavia, diante
de um Congresso de 5ª categoria, dominado pelas elites retrógradas e por uma
extrema direita fascista, foi proposto o Projeto de Lei 2.159/2021 (PL da
Devastação), que flexibiliza ainda mais as regras para o licenciamento,
permitindo que empreendimentos obtenham licenças de forma automática só com
base no auto declaração do empreendedor, sem as análises técnicas prévias
pertinentes e necessárias. Caso aprovada caminhamos para um retrocesso danoso
que colocará em risco a segurança ambiental e social do país. (ecodebate)