terça-feira, 30 de março de 2010

Energia solar movimenta barcos na Amazônia

Foto 1 - Voadeira tradicional
Atualmente, uma das melhores soluções para a exploração racional de bens e recursos naturais é o manejo sustentável, técnica que impede a degradação do meio ambiente a partir da exploração de recursos renováveis.Sabendo disso, a empresa K2C Serviço de Consultoria desenvolveu o projeto “Voadeira solar: alternativa energética para a movimentação de pequenas embarcações na Amazônia”. O projeto é realizado através do Programa Amazonas de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação em Micro e Pequenas Empresas na Modalidade Subvenção Econômica (Pappe Subvenção), desenvolvido com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Foto 2 - Painéis solares
Para o engenheiro florestal da empresa, Carlos Gabriel Koury, o apoio conseguido foi essencial para a realização do modelo de voadeira. “O Pappe foi fundamental, pois estávamos com esse projeto engavetado há anos, sem perspectiva de encontrar parceiros que investissem na ideia”, afirmou.
Investimentos
Com recursos financeiros na ordem de R$ 128, 542 mil, o modelo de embarcação utiliza a energia vinda do sol como combustível, por meio de painéis fotovoltaicos (dispositivos utilizados para converter a energia da luz do sol em energia elétrica) que ficam localizados na cobertura da embarcação. O propósito do projeto também é avaliar como e para que fins esse modelo de transporte fluvial pode ser aplicado na Amazônia.
“Em primeira escala, visamos atender atividades que são de uso cotidiano no campo e normalmente executados por moradores do interior com ‘rabetas’ (canos com motores de popa), como deslocamento de agentes de saúde, professores, agentes de defesa ambiental, agentes de praia que preservam a desova de quelônios (tabuleiros). Todos passariam a se movimentar sem o consumo de combustível e, consequentemente, sem emissão de poluentes”, exemplificou o engenheiro.
Como a empresa destaca a preservação da floresta pela gestão e manejo florestal sustentável e busca valorizar os serviços e produtos que a floresta amazônica promove para o mundo, o modelo utiliza as ferramentas de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), de Estudos para Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e Redução de Emissão de Poluentes por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).
O projeto também conta com o apoio do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), da empresa de embarcações Alegra e do Instituto de Soluções Energéticas Sustentáveis (Ises).
“As placas solares também tornarão o passeio mais agradável, pois possibilitará que os tripulantes se desloquem protegidos do sol e sem o elevado ruído do motor próximo a eles. Avaliaremos também se o modelo proposto pode servir para passeios turísticos mais silenciosos e sem fumaça, pois, quem já se deparou com rabetas, sabe que a fumaça emitida pelos motores incomoda”, ressaltou Carlos.

Foto 3 – Transporte de passageiros
Pensando no futuro
De acordo com Koury, o próximo passo do projeto é apresentá-lo às secretarias de Estado, prefeituras e empresas de turismo, procurando realizar parcerias para uma produção em maior escala.
Parte da renda da comercialização das “Voadeiras Solares” será convertida em apoio para as ações de campo do Idesam na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, localizada abaixo da hidrelétrica de Balbina, nos municípios de Itapiranga e São Sebastião do Uatumã, o que contribuirá para o fortalecimento comunitário e preservação das riquezas naturais para a geração futura.

domingo, 28 de março de 2010

Unica contesta relatório da Comissão Europeia

A Unica, associação que representa os produtores de etanol, contesta os dados da União Europeia. "Seria ótimo se fosse verdade, mas os erros são grosseiros", afirma a assessora internacional, Geraldine Kutas.
Se a projeção do documento fosse correta, a Europa poderia passar a importar 4,5 milhões de toneladas de etanol a mais por ano. Isso significa cerca de 10% da produção do Brasil.
O relatório indica que a produção aumentaria em torno de 15% para atender o mercado europeu. Para chegar a essa conclusão o relatório cita dados que a Unica contesta. O volume de importação de etanol pelo Brasil e todas as projeções de exportações do País são contestadas. A Unica também duvida dos cenários. "Vai ser muito difícil que a Europa elimine totalmente os subsídios", afirma Geraldine Kutas.

UE vê etanol brasileiro como solução

Estudo diz que europeus terão de importar produto do Brasil para cumprir a meta de ter 5,6% dos carros movidos por biocombustíveis.
A União Europeia (UE) terá de importar etanol do Brasil se quiser atingir a meta de ter 5,6% de sua frota de veículos movida por biocombustíveis até 2020. A conclusão é da Comissão Europeia, que, em seu mais completo estudo sobre o tema, divulgado ontem, concluiu que a Europa não tem como produzir etanol suficiente para atingir a meta.
Além disso, se a UE tentar a autossuficiência, o impacto ambiental será grave. A estimativa dos europeus é que, até 2020, a produção de etanol no Brasil dará um salto de quase 140%.
Não se trata de uma decisão para começar a importar imediatamente. Mas observadores apontam que o documento é o aval que faltava para se avançar na abertura do mercado europeu ao etanol brasileiro.
Segundo o estudo, a melhor opção que a UE tem hoje para se abastecer é abrir seu mercado para o Brasil. A decisão resultaria num incremento de 4 milhões de toneladas para a produção brasileira até 2020, equivalente a 15%. E, se a liberação das tarifas de importação europeias for adotada, a produção brasileira terá um aumento de 5,8 milhões de toneladas (20%).
Em 2008, os 27 países do bloco chegaram a um acordo para garantir que, em 2020, 10% do combustível seja renovável na Europa. Desse total, 5,6% viria do etanol. Isso significa que a Europa terá de consumir 17,8 milhões de toneladas a mais de etanol em dez anos.
Ambientalistas. A proposta foi atacada por ambientalistas, que acusaram Bruxelas de estar estimulando a degradação ambiental e o aumento nos preços dos alimentos. Por isso, UE decidiu fazer um levantamento.
A conclusão é que um consumo europeu acima da taxa de 5,6% em 2020 de fato afetaria o equilíbrio ecológico no mundo. Mas não haveria risco para um volume até o teto de 5,6%.
O estudo técnico da União Europeia também conclui que a abertura de seu mercado será a melhor forma de lidar com o aumento da demanda. Com a concorrência estrangeira, principalmente brasileira, a produção europeia de etanol cairia 20% em dez anos.
Etanol nos EUA. O impacto da liberação para os Estados Unidos seria mais limitado. Não provocaria alta nas vendas acima de 2,1% e poderiam até perder espaço para o etanol brasileiro.
Entre 2008 e 2020, a produção de etanol nos EUA crescerá 128%. O biodiesel americano terá aumento de 193%. No Brasil, a expansão do etanol será de 139%.
Mas, na União Europeia, há ainda quem alegue que uma abertura seria negativa para países em desenvolvimento, gerando desmatamento na Indonésia e Malásia, por causa do óleo de palma usado para produzir biodiesel. O próprio laudo da EU admite que o impacto ambiental para o Brasil não seria positivo. O principal problema será o aumento do desmatamento no Brasil.
Mas Bruxelas estima que isso pode ser compensado com maior eficiência na emissão de CO2. A área ocupada pela cana no Brasil aumentaria entre 0,5% e 0,7%. Mesmo assim, a expansão do etanol de cana seria a forma menos negativa entre os produtos hoje usados no mundo, inclusive o milho nos EUA. A soja para o biodiesel no País também teria impacto negativo.
PARA ENTENDER
1. Plano
Para cumprir a meta de redução de gases de efeito estufa, a União Europeia quer que 5,6% de sua frota de veículos sejam movidas por combustíveis renováveis até 2020.
2. Dilema
Os ambientalistas estão convencidos de que a expansão da frota de veículos movidos pelo etanol resultará num aumento tão grande da produção (140% só no Brasil) que reduzirá a área plantada com alimentos, causando grande aumento nos preços.
3. Impacto
O impacto ambiental do etanol é nulo, uma vez que a cana absorve os gases que o etanol lança na atmosfera.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Energia solar no Brasil

"Proinfa não contemplou o financiamento da energia fotovoltaica"
O fato de possuir uma matriz energética limpa faz com que o Brasil corra o risco de perder grandes oportunidades geradas pelas tecnologias que permitirão a transição para uma economia de baixo carbono, como as células fotovoltaicas que transformam a radiação solar em eletricidade.
A energia solar fotovoltaica desempenha um importante papel nessa transição se observado seu potencial de abatimento de emissões. Outros papéis fundamentais são o suprimento de parte da crescente demanda mundial de energia, na diversificação de matrizes energéticas nacionais e no aumento da segurança energética dos países, diante dos riscos de fornecimento das energias convencionais.
Ao longo das três últimas décadas, a energia solar fotovoltaica apresentou um aumento significativo da sua eficiência e rentabilidade por meio de inovações e experiências adquiridas na sua produção, entretanto, ainda possui um custo maior em relação às principais fontes de energia.
Nos próximos anos, os custos de produção alcançarão um nível de US$ 1 por watt, tornando-a competitiva em relação a fontes convencionais na geração de eletricidade como, por exemplo, o carvão. Essa tendência de queda nos preços é guiada pelo amadurecimento de uma nova geração de células fotovoltaicas baseadas em nanomateriais, que vem sendo desenvolvidas por uma série de companhias dotadas de capital de risco e dispostas a concorrer com o design dominante do mercado mundial de petróleo.
Em relação a outras fontes igualmente renováveis, a vantagem competitiva da energia fotovoltaica é dada pela ampla gama de possibilidades de aplicações a partir de inovações tecnológicas. Avanços recentes permitem o surgimento de diversos equipamentos eletrônicos dotados de células fotovoltaicas que geram a energia que consomem.
Na emergente indústria de carros elétricos, com a crescente necessidade de desenvolver combustíveis de baixo carbono, o desafio é que os veículos produzam sua energia a partir dessas células. Outra perspectiva está na construção civil com o desenvolvimento de edifícios, telhados e janelas com painéis integrados, seguindo as diretrizes estabelecidas pelas green buildings.
Experiências de países como Alemanha, Dinamarca e Espanha mostram que apesar da existência de barreiras financeiras a adoção de fontes renováveis de energia é plenamente viável com a criação de programas bem estruturados de incentivos governamentais, lembrando que sua concepção exige uma mudança radical na forma usar, distribuir e consumir energia.
Esses esforços têm se materializado em ações práticas de eliminação gradual das fontes poluidoras e não sustentáveis de energias, na implementação de constantes soluções renováveis e na desvinculação gradual do crescimento econômico do consumo de combustíveis fósseis.
Fato em comum dessas experiências é ser resultado de leis de incentivo, como as “feed-in tariff”, que tem se transformado no principal mecanismo de desenvolvimento de tecnologias para geração de energia renovável na Europa, especialmente a solar fotovoltaica interligada à rede elétrica. Com esse mecanismo o governo estabelece uma tarifa para que a concessionária de distribuição de energia elétrica pague por kWh de energia limpa produzida, suportando grandes mercados de energia renovável a um custo que acaba sendo distribuído entre todos os consumidores de eletricidade.
Até o momento o Brasil não dispõe de mecanismos institucionais efetivos para o desenvolvimento de um mercado de energia solar fotovoltaica e o Proinfa – principal programa federal de incentivo à promoção de fontes alternativas de energia elétrica – não contemplou a possibilidade de financiar a geração de energia fotovoltaica.
Essa decisão ignorou o acesso privilegiado do Brasil a essa fonte de energia, tendo em vista que o país está localizado numa faixa de latitude na qual a incidência de radiação solar é muito superior à verificada no restante do mundo. Essa radiação garante que a região mais favorecida em termos de radiação solar na Alemanha apresente, aproximadamente, 1,4 vezes menos radiação do que a região menos ensolarada do Brasil.
Dentre outras oportunidades identificadas para o país ao propiciar o surgimento de um mercado de energia fotovoltaica, destaca-se a redução dos impactos ambientais na produção de energia e a universalização do acesso à energia por meio da geração distribuída, considerando que sua implantação é ideal para localidades remotas ou de difícil acesso, pois sua instalação em pequena escala desobriga os grandes investimentos em linhas de transmissão.
No plano macroeconômico, o desafio é conceber um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação que seja capaz de aproveitar as oportunidades geradas pela próxima onda longa de desenvolvimento do capitalismo de baixo carbono.
A partir desse sistema será possível estabelecer uma estratégia nacional de pesquisa e desenvolvimento que tenha como objetivo a redução da dependência de transferências tecnológicas dos países desenvolvidos. No presente, a ausência de ações efetivas já é capaz de comprometer uma maior capacitação da indústria local para suprir de forma competitiva os componentes, sistemas e softwares relacionados à tecnologia para produção de energia fotovoltaica.
Nos próximos anos, a manutenção do status quo baseada na justificativa de já possuir uma matriz energética limpa além de ser o pior cenário para a energia fotovoltaica no Brasil, reafirmaria no futuro o nosso reconhecimento como país das oportunidades perdidas. Posicionar-se nesse movimento global é constituir as bases da transição tecnológica para uma economia de baixo carbono, reduzindo externalidades negativas ao meio ambiente e proporcionando uma maior sustentabilidade do desenvolvimento econômico.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Energia solar na Espanha

Após o boom e o crash, energia solar encontra espaço na Espanha.
Eusebio Sáez Mozos, fazendeiro em El Villar, na região de Puertollano, Espanha, vendeu um pedaço de sua propriedade para instalação de central solar.
Há dois anos, esta rude cidade mineradora passou por uma breve corrida do ouro do século 21. Há muito famosa pelo carvão, Puertollano descobriu outra fonte de energia que ignorava: o sol escaldante implacável.
Com incentivos generosos do governo espanhol para estimular o setor nacional de energia solar, a cidade buscou agressivamente substituir sua economia carvoeira em declínio por empresas de energia solar, com o slogan de campanha: “O Sol Nos Move”.
Logo, Puertollano, lar do Museu da Indústria Mineradora, se tornou um centro de energia alternativa, com duas enormes usinas de energia solar, fábricas produzindo painéis solares e wafers de silício e institutos de pesquisa de energia limpa. Metade da energia solar instalada globalmente em 2008 foi instalada na Espanha.
Fazendeiros venderam terras para usinas solares. Butiques abriram. E pessoas de todo mundo, vendo oportunidades de negócios, se mudaram para a cidade, que sofria com 20% de desemprego e êxodo populacional.
Mas enquanto usinas solares mal projetadas, de baixa qualidade, brotavam como mato nos planaltos espanhóis, as autoridades espanholas perceberam que teriam que subsidiar muitas delas indefinidamente, e que o setor que criaram poderia nunca produzir energia verde eficiente por conta própria.
Em setembro, o governo mudou abruptamente de curso, cortando pagamentos e estabelecendo um limite para a construção solar. Era o fim do breve boom de Puertollano. Fábricas e lojas fecharam, milhares de trabalhadores perderam seus empregos, empresas estrangeiras e bancos abandonaram os contratos que já tinham negociado.
“Nós perdemos a oportunidade de estarmos na vanguarda dos renováveis, nós não estávamos apenas gerando eletricidade, mas também uma economia forte”, disse Joaquín Carlos Hermoso Murillo, o prefeito de Puertollano desde 2004. “Por que estão limitando a energia solar, quando o sol é ilimitado?”
O crash doloroso de Puertollano aponta para os cálculos delicados das políticas necessárias para estimular as indústrias solares nascentes e a criação de empregos verdes, podendo servir como uma história de alerta para os Estados Unidos, onde um exercício semelhante está em andamento.
Por ora, a geração de eletricidade pelos raios do sol precisa ser subsidiada, porque exige a compra de novos equipamentos e o investimento em tecnologias em evolução. Mas os custos estão caindo rapidamente. E os reguladores ainda estão aprendendo como estruturar os pagamentos de estímulo para que produzam uma indústria verde estável que caminhe pelas próprias pernas, em vez de apenas energia cara e um sucesso econômico fugaz como na Espanha.
“A indústria como um todo aprendeu muito com o que aconteceu na Espanha”, disse Cassidy DeLine, que analisa o mercado solar europeu para a Emerging Energy Research, uma firma como sede em Cambridge, Massachusetts. Ela notou que outros países de lá para cá estabeleceram subsídios menores e emitiram padrões mais rígidos para as usinas solares.
Mas apesar da dor que os incentivos da Espanha acabaram causando, de muitas formas eles cumpriram sua promessa, disse DeLine.
“Apesar dos incentivos poderem causar bolhas e estouros, sem eles a indústria não decola”, ela disse. “Os Estados Unidos estão realmente atrasados em relação à Europa nisto, e se esperarmos até que a energia solar seja competitiva em custo por conta própria, nós poderemos perder o barco e a oportunidade de moldar o mercado.”
As empresas solares espanholas mais robustas sobreviveram à recessão, se reestruturaram e estão ressurgindo como empresas globais.
Por exemplo, quando o governo mudou de curso, a Siliken Renewable Energy, originalmente uma fabricante de painéis solares, fechou suas fábricas por cinco meses e reduziu seu quadro de funcionários de 1.200 para 600. Mas após mudar seu foco para mercados externos como a Itália, França e os Estados Unidos, diversificando para serviços de apoio solares, a empresa passou a dar lucro.
“Nós somos uma empresa na qual os bancos confiam, então pudemos realizar a mudança”, disse Antonio Navarro, um porta-voz da empresa. “Mas muitas empresas pequenas desapareceram.”
O período foi particularmente difícil porque coincidiu com a crise econômica global, ele disse.
Para encorajar o desenvolvimento da energia solar e reduzir a dependência de combustíveis fósseis, a Europa geralmente empregou as chamadas tarifas “feed-in”, por meio das quais os governos pagam um valor mais alto pela eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. Os reguladores nos Estados Unidos defendem incentivos menos diretos, como exigir que as prefeituras comprem certo percentual de sua eletricidade de empresas que produzam energia renovável, apesar de algumas poucas cidades e Estados, mais notadamente Vermont, estarem experimentando o conceito feed-in.
Quando foi anunciado no verão de 2007, o pagamento adicional da Espanha pela energia solar era o mais generoso existente –58 centavos de dólar por quilowatt-hora– com poucas exigências.
Olhando para trás, foi um valor alto demais. “Todo mundo, de todas as partes do mundo, começou a se instalar na Espanha o mais rápido que podia, e todo biólogo que podia começou a trabalhar em energia solar”, disse Pedro Banda, diretor geral do Instituto para Sistemas de Concentração Fotovoltaica, um dos institutos de pesquisa de Puertollano.
Até mesmo usinas ineficientes, mal projetadas, davam lucro e a especulação nas licenças para construções solares era comum.
A meta em longo prazo da Espanha era produzir 400 megawatts de eletricidade a partir de painéis solares até 2010, mas ela atingiu esse marco no final de 2007.
Em 2008, o país conectou 2,5 gigawatts de energia solar à sua rede nacional, mais que quintuplicando a capacidade prevista e deixando o país atrás apenas da Alemanha, a líder mundial. Mas muitas das usinas abertas às pressas ofereciam pouca esperança de serem competitivas em custo à energia elétrica convencional, por serem mal projetadas ou localizadas em locais de incidência solar inadequada, por exemplo.
Os projetos para usinas de energia solar variam. O tipo mais comum utiliza painéis fotovoltaicos para gerar eletricidade. Outras, chamadas de usinas termossolares, utilizam espelhos para concentrar a energia solar em um líquido que, quando aquecido, movimenta uma turbina a vapor.
Em sua pressa de criar uma indústria solar, a Espanha cometeu alguns erros de cálculo: as usinas solares podem ser instaladas tão rápida e facilmente que a corrida no setor foi mais rápida do que a prevista. E os ricos subsídios inflacionaram os custos de instalação solar espanhóis em um momento em que estavam em queda em todos os outros lugares em parte por causa da maior concorrência dos fabricantes de painéis chineses, mas também por causa do maior volume produzido resultar em economias de escala.
Na Espanha, a tarifa, corrigida trimestralmente, é de cerca de US$ 0,39 por quilowatt-hora para eletricidade de usinas de energia solar, e ligeiramente maior para os painéis nos telhados.
A tarifa da Alemanha, 53 centavos de dólar por quilowatt-hora, deverá cair pelo menos 15% em meados deste ano, e há propostas no Parlamento para o fim dos subsídios a usinas solares em terras agrícolas.
Os pagamentos adicionais necessários para tornar a energia solar financeiramente viável variam, dependendo da incidência solar local e do custo da energia convencional. Os especialistas preveem que, possivelmente no próximo ano, a Itália será o primeiro lugar onde a eletricidade de origem solar não precisará de subsídios para competir com a eletricidade gerada por combustíveis fósseis. A Itália conta com sol abundante e tarifas de energia elevadas, dado que importa grande parte de seus combustíveis fósseis.
Mesmo com os incentivos reduzidos e com a recessão econômica local, a indústria solar promoveu uma recuperação para Puertollano e, potencialmente, um novo futuro econômico. Os institutos de pesquisa de lá estão desenvolvendo tecnologia de vanguarda. O desemprego, apesar de estar por volta de 10%, não retornou ao número de 20%. A cidade é lar de várias empresas solares: uma nova usina termossolar de 50 megawatts, de propriedade da gigante de energia espanhola Iberdrola, está criando centenas de empregos.
Apesar das minas de carvão ainda pontilharem a paisagem e uma usina petroquímica ainda continuar sendo a maior empregadora de Puertollano, a nova usina solar fica bem ao lado, com mais de 100 mil espelhos parabólicos enfileirados em mais de 160 hectares de antigas terras agrícolas. Limpa e branca como uma ala hospitalar, ele transforma silenciosamente a luz do sol em eletricidade na Espanha.

segunda-feira, 22 de março de 2010

País pode ser líder em biocombustível

O Brasil te condições de ser o primeiro a produzir comercialmente o etanol celulósico, feito do bagaço de cana.
Pioneiro e líder tecnológico na produção de bioetanol extraído do caldo da cana-de-açúcar, o Brasil tem potencial para se tornar uma liderança no aproveitamento da celulose para fabricação de biocombustíveis, apesar de ter entrado um tanto atrasado nessa área. Quem diz é o pesquisador Lee Lynd, do Dartmouth College (EUA), que há 20 anos estuda maneiras de transformar material vegetal (biomassa) em combustível.
Segundo ele, "o Brasil é um lugar lógico para iniciar a aplicação comercial de etanol celulósico", porque, além de bons cientistas, dispõe de boas terras, bom clima, muita biomassa e uma indústria competente.
Líder de um projeto internacional que busca estudar e incentivar o desenvolvimento sustentável dos biocombustíveis, o Global Sustainable Bioenergy Project (GSB), Lynd chega hoje ao Brasil para um encontro de três dias com pesquisadores latino-americanos. Será a terceira de uma série de cinco reuniões do GSB - uma em cada continente -, sediada na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ao fim da última reunião, na África, Lynd conversou com o Estado por e-mail.
Quão próximos estamos de obter tecnologia economicamente viável para produzir etanol celulósico em larga escala?
Estou confiante de que já temos toda a tecnologia necessária para alguns tipos de biomassa. Para outros, ainda não, mas acho que chegaremos lá em breve. Nos EUA, os investimentos em etanol celulósico aumentaram uma ordem de magnitude no período 2005-2007, tanto no setor privado quanto no público, o que nos permitiu avançar de maneira muito mais rápida. Os resultados desse esforço já estão aparecendo.
O problema, então, é de custo e não de tecnologia. Como resolver isso? Quais são os principais entraves nessa área?
Espera-se que a via mais barata para produzir biocombustíveis de origem celulósica seja a conversão de carboidratos da celulose em açúcares, seguida da fermentação desses açúcares em etanol. Só que o custo das enzimas que quebram a celulose em açúcares (chamadas celulases) ainda é proibitivo. É possível desenvolver microrganismos que fermentam açúcar e produzem celulase ao mesmo tempo, permitindo que a celulose seja hidrolisada sem a adição de mais enzimas. Chamamos essa técnica de "bioprocessamento consolidado" ou CBP (em inglês). Se desenvolvermos um micróbio capaz de fazer isso, seria um avanço revolucionário no processamento de biomassa celulósica, tornando a produção de biocombustíveis economicamente viável.
O Brasil é pioneiro na produção de etanol de caldo de cana, mas só recentemente começou a investir na pesquisa do etanol celulósico. Isso poderá ser um problema para a indústria nacional de biocombustíveis no futuro?
Pelo contrário. Assim como ocorre com o refino do petróleo e a produção das commodities em geral, a economia dos biocombustíveis depende do custo da matéria-prima. Não só isso, mas o escalonamento e a sustentabilidade da produção dependem diretamente da produção de biomassa. Como o Brasil tem um dos melhores climas do mundo para a produção de biomassa, tem grande potencial para se tornar um líder na produção de biocombustíveis celulósicos. Em especial, por contar com a maior fonte já disponível de biomassa celulósica (o bagaço da cana) e uma indústria bem estabelecida. Por tudo isso, o Brasil é um lugar lógico para iniciar a aplicação comercial de etanol celulósico.
Qual a importância do etanol celulósico para o Brasil? Será que precisamos mesmo dele, visto que já nos viramos muito bem com o etanol da garapa?
O Brasil poderá extrair muito mais valor da cana-de-açúcar se fizer o aproveitamento da celulose. Seria bom para os produtores, bom para a economia, bom para o País e bom para o mundo, à medida que o carbono adquire valor de mercado. Enquanto que o desenvolvimento original da indústria de etanol no Brasil foi movido pela necessidade, é provável que a produção de biocombustíveis celulósicos seja movida pela oportunidade, o que seria, acho eu, um ímpeto bastante forte.
Os biocombustíveis são mesmo uma ameaça à produção de comida e ao abastecimento de água ou isso é só um argumento sensacionalista inventado pela concorrência? Se é um problema real, como resolvê-lo?
Essa é uma pergunta muito polêmica e, embora eu ache que a pergunta seja simples, a resposta não é. Numa extrapolação futura, em que as tendências atuais se mantêm, a produção de comida e a disponibilidade de água serão um problema de qualquer maneira, e a produção de biocombustíveis poderia exacerbar esses problemas. Então, há uma legitimidade nessa preocupação que não pode ser descartada de imediato. No entanto, é importante notar duas coisas. A primeira é que é possível produzir biocombustíveis sem ameaçar a produção de alimentos ou os recursos hídricos. A segunda é que não podemos chegar a um futuro sustentável e seguro se mantivermos as práticas que nos trouxeram a esse presente insustentável e inseguro. Não há como chegar a um mundo sustentável sem inovação e sem transformação, e isso vale tanto para a bioenergia quanto para as outras fontes de energia renovável.

sábado, 20 de março de 2010

Brasil Ecodiesel perde selo social e espaço em leilões da ANP

Empresa não usou o mínimo de 50% de mamona de produtor familiar.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário informou em 05/03/2010, que suspendeu por um ano o Selo Combustível Social da empresa produtora de biodiesel Brasil Ecodiesel. A decisão foi publicada pelo Diário Oficial da União. A decisão diz respeito a problemas verificados na empresa em 2007, quando a Brasil Ecodiesel não utilizou a porcentagem de produtos de origem de agricultura familiar pedido pela lei, que era na ocasião de 50%.
O presidente da Brasil Ecodiesel, Mauro Cerchiari, explicou que, com a suspensão, a empresa fica impossibilitada de participar dos leilões de compra de biodiesel organizados pela Agência Nacional de Petróleo Gás Natural e Biocombustível (ANP). A Brasil Ecodiesel poderia usar a produção de suas usinas Iraquara e Itaqui.
Os leilões de biodiesel realizados pela Agência Nacional de Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) são divididos em dois lotes. O primeiro, com 80% da oferta de demanda, está acessível apenas para quem possui o Selo Combustível Social - ou seja, de quem compra parte da matéria-prima de pequenos produtores. Os outros 20% do leilão estão abertos para as empresas que não possuem o selo.
Cerchiari ressalta que os advogados da empresa estão estudando a melhor maneira de recorrer da suspensão do Selo Combustível Social. A perda do certificado ocorre em um momento em que a Brasil Ecodiesel obteve o maior lucro de sua história e, no último leilão, realizado no início da semana, foi a segunda maior vendedora no leilão, com 69 milhões de litros de biodiesel, 12,2% do total.
MAMONA
O diretor de relações com investidores da Brasil Ecodiesel, Charles Mann Toledo, explica que, em 2007, a Brasil Ecodiesel investiu muito na produção de mamona para atender aos requisitos do Selo Combustível Social. "A empresa distribuiu sementes e deu assistência técnica para os produtores e fez acordos de compra da mamona", disse. Porém, no momento da colheita, a cotação da mamona estava bem mais elevada que o preço fechado anteriormente e os produtores não quiseram entregar o produto.
Ele ressalta que, naquele momento, os preços da mamona estavam bem mais elevados que os do biodiesel, o que tornou inviável a compra do produto nos preços pedidos pelos produtores. "Dessa forma, a Brasil Ecodiesel deixou de entregar o porcentual de produto da agricultura familiar requerido pela lei.
"Para Toledo, o grande erro foi a Brasil Ecodiesel apostar todas as suas fichas na agricultura familiar com base na produção de mamona. "Ela deveria ter diversificado sua produção e apostado em outras oleaginosas para não ficar refém da mamona", disse. Desde junho de 2009, a nova administração da empresa, comandada por Cerchiari, conseguiu levar a empresa de volta ao lucro, tendo como base a maior utilização da soja como matéria-prima.
No terceiro trimestre de 2009, a empresa obteve seu maior lucro histórico, de R$ 5,247 milhões. Atualmente, a empresa usa apenas soja como matéria-prima para a produção de biodiesel, abandonando os projetos de oleaginosas alternativas.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Amendoim: excelente potencial para biodiesel

Da soja, pode-se extrair 20% de óleo para fabricação de biodiesel. Do amendoim, algumas variedades produzem até 50% de óleo para a mesma finalidade. A diferença é que, hoje, a soja é o principal vegetal utilizado no País para fabricação de biodiesel. O amendoim, por sua vez, continua de escanteio comercialmente, quando o assunto é bioenergia.
Para alguns pesquisadores, porém, o amendoim tem potencial para desbancar a soja. O agrônomo da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), Dilson Cáceres, especialista em oleaginosas, diz que "quando o mercado deixar de focar o volume de produção e se voltar para a qualidade, o óleo de amendoim poderá ser uma das principais fontes de biodiesel".
Ainda falta um longo caminho até que o amendoim alcance este status. Primeiro porque as áreas de cultivo são pequenas e limitam-se praticamente a São Paulo, que concentra 90% das lavouras da oleaginosa, cultivada em regime de rotação com a cana-de-açúcar.
Segundo, porque a maior parte da produção é destinada ao setor de confeitaria, o que diminui ainda mais o volume de matéria-prima destinado ao óleo, que atualmente também vai para fins culinários.
Um dos caminhos para tornar o amendoim a principal fonte de biodiesel no Brasil é investir no melhoramento genético, defende o pesquisador Ignácio José de Godoy, do Instituto Agronômico (IAC-Apta). Segundo ele, o alto custo de produção do óleo de amendoim não estimula as empresas a produzir biodiesel, já que o que se paga pelo combustível é menos do que pelo óleo puro, com alto valor agregado.
PONTO CRÍTICO
"O custo de produção é alto, de R$ 2.200 por hectare, o que torna inviável um projeto exclusivo para biodiesel", diz. A estratégia, para ele, é investir no desenvolvimento de variedades com alto teor de óleo e resistentes a pragas e doenças. Segundo Godoy, este ponto é crítico, porque no amendoim os gastos com defensivos representam 25% do custo de produção.
Para o pesquisador, o desenvolvimento de variedades resistentes e produtivas tanto em óleo quanto por hectare pode estimular o surgimento de um sistema de produção dirigido especificamente para o setor energético, o que hoje não ocorre. "Atualmente o que abastece as empresas produtoras de óleo é o amendoim descartado nas empresas de confeitaria."
No ano passado, o IAC-Apta lançou o IAC caiapó, variedade de amendoim resistente a múltiplas doenças e que possui cerca de 50% de óleo na semente.
Segundo Godoy, a cultivar, de porte rasteiro, já despertou o interesse da indústria de óleo, que está testando seu cultivo fora do Estado. É o caso da Brumau Comércio de Óleos Vegetais, uma das maiores esmagadoras de amendoim do Brasil. A empresa plantou recentemente 1.250 hectares no Estado do Tocantins. Conforme com o gerente de Desenvolvimento da Brumal, Claudio Rocha, o objetivo da empresa é, no médio prazo, entrar definitivamente no mercado de biodiesel (hoje o foco da empresa é a exportação de óleo comestível). "Mas, para tanto, é preciso tornar viável o plantio em larga escala",diz Rocha. O próximo passo é calcular a redução de custos com o plantio da variedade melhorada, "questão vital para o cultivo em larga escala".
MAIS UMA
Godoy adianta que o IAC-Apta está desenvolvendo outra variedade, chamada de IAC 505. "A expectativa é lançá-la até o fim do ano. Assim como a IAC caiapó, essa variedade tem alto teor de óleo, 49%, e resiste bem a doenças."
A Embrapa é outra entidade que tem investido no melhoramento genético do amendoim voltado à produção de biodiesel. Desde 2005 a empresa formou uma frente de pesquisa em biodiesel que busca desenvolver variedades propícias para o semiárido brasileiro, diz a responsável pelo programa, Roseane Cavalcante dos Santos. Ela diz que já existe uma variedade sendo testada em Petrolina (PE) e no Rio Grande do Norte: o amendoim branco, que recebeu esse nome por causa da cor clara da casca da semente. "A próxima fase é a divulgação e o incentivo ao plantio", diz Roseane. Segundo ela, a variedade possui 50% de óleo e suas características fazem com que não concorra com as cultivares utilizadas no setor alimentício.
COM BIODIESEL NO DNA
IAC caiapó - Desenvolvido pelo IAC-Apta, cultivar apresenta alto nível de resistência a pragas e doenças e alto teor de óleo na semente (50%). Variedade também se destaca pela alta concentração de ácido oleico.
IAC 505 - Ainda em fase de testes, cultivar possui 49% de óleo em sua semente e também tem alta concentração de ácido oleico. Por suas características, é cotada para produção de biodiesel.
Amendoim branco - Desenvolvida pela Embrapa para a região semiárida, a cultivar de casca branca possui 50% de concentração de óleo na semente e seu ponto forte é não concorrer com variedades comestíveis.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Brasil pode viver com 30% a menos de energia

Para o especialista, o País precisa investir na redução de perdas e numa política de eficiência energética.
De uma lista quase interminável de críticas à Usina Hidrelétrica de Belo Monte, o jornalista Washington Novaes, também consultor ambiental, apega-se a uma delas: a de que o Brasil simplesmente não precisa dessa hidrelétrica. Segundo ele, a demanda por energia pode ser facilmente suprida com a redução de perdas na transmissão, campanhas contra o desperdício e repotenciação de geradores.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Para o sr., o que é mais grave no caso da Usina de Belo Monte?
O fato ignorado de que o Brasil pode viver tranquilamente com 30% a menos da energia que é consumida hoje. Se neste momento ainda temos uma sobra e podemos ganhar com medidas baseadas na eficiência energética e no controle de perdas, temos um tempo bom pela frente para planejar de acordo com a necessidade e fazer investimentos em áreas que estão muito carentes, como saneamento.
A que medidas o sr. se refere?
Defendo a implantação de programas de conservação e eficiência energética, como ocorreu no apagão de 2001, quando o consumo brasileiro de energia caiu em torno de 30%. Até hoje ninguém mostrou que houve prejuízo para a população, a não ser para as distribuidoras de energia que deixaram de faturar. Essa é uma das conclusões de um estudo realizado em 2007 por pesquisadores da Unicamp em parceria com a organização WWF. Esse mesmo estudo diz que podemos ganhar 10% da atual potência instalada com a repotenciação de geradores antigos, que já tenham rendimento muito baixo. No Brasil, também perdemos quase 15% da energia nas linhas de transmissão, enquanto fora daqui os valores são muitos menores: o Japão tem 1% de perda.
No setor energético existe o consenso de que essas medidas têm um custo alto para o sistema e nem sempre são eficientes.
Eles têm sempre essa posição, nunca defendem conservação nem eficiência. Os Estados Unidos, depois do segundo choque do petróleo, em 1973, colocaram em operação um plano de conservação e eficiência energética e durante 15 anos não aumentaram um só quilowatt no consumo de energia. Nesse período o PIB (Produto Interno Bruto) americano subiu 40%. É perfeitamente possível.
Os defensores da Usina de Belo Monte dizem que o Brasil precisa expandir o polo gerador anualmente na mesma proporção do crescimento do PIB.
Isso não faz sentido porque somos altamente desperdiçadores de energia. E o que é pior: estamos fazendo licenciamento privilegiando o funcionamento usinas termoelétricas, altamente poluidoras – um contrassenso para um país que acaba de fazer uma lei de Mudanças Climáticas. São todas decisões políticas.
O Ministério de Minas e Energia alega que é justamente o atraso de Belo Monte que obriga o governo a colocar em funcionamento as termoelétricas.
Repito: não precisamos de Belo Monte. Os impactos e o custo dessa usina também são enormes e não se justificam. As escavações serão equivalentes às que foram feitas para abrir o Canal do Panamá. Outra questão: a hidrelétrica vai causar uma explosão populacional na região, que não dispõe de infraestrutura. Além do impacto ambiental e social, há também o impacto econômico, porque essa energia não vai abastecer os povos da Amazônia, mas as indústrias de alumínio. Para os grandes consumidores, a energia é subsidiada e quem paga a conta é a população. Além de tudo isso, como se pode conceder o licenciamento ambiental de uma hidrelétrica sem saber quanto ela vai custar?
As 40 condicionantes definidas pelo IBAMA na licença prévia concedida há duas semanas não são suficientes?
Isso não quer dizer grande coisa. No caso da transposição do Rio São Francisco, foram definidas 31 condicionantes e nenhuma delas foi atendida. As obras estão aí. Em Belo Monte vai acontecer o mesmo, porque a estratégia do governo está baseada em grandes obras. Isso me faz lembrar o falecido secretário nacional do Meio Ambiente, José Lutzenberger. Ele dizia que não há nada melhor para o crescimento do PIB de um país do que um terremoto, porque depois de contabilizados os prejuízos chega o momento de contabilizar as obras de construção.

Consumo energia

Campanha Hora do Planeta propõe apagar as luzes por uma hora para compensar impactos do consumo exagerado e muitas vezes desnecessário de energia.
Apagar as lâmpadas por uma hora pode ajudar a combater o aquecimento global. É o que propõe a campanha Hora do Planeta, da organização não governamental (ONG) WWF, lançada ontem (3), na capital fluminense. A ideia é convencer as pessoas a desligarem as luzes no dia 27 de março, entre as 20h30 e 21h30.
Essa é a segunda vez que a campanha é realizada no Brasil. Com divulgação na TV e na internet, a estimativa é envolver cerca de 200 cidades. Em 2009, ao lado de 40 mil cidades de 88 países, 113 cidades brasileiras participaram da campanha. Na ocasião, foram apagadas as luzes do Cristo Redentor, no Rio, do Congresso Nacional, em Brasília, e do Teatro Amazonas, em Manaus, por exemplo.
Neste ano, ainda não estão confirmados os monumentos que terão as lâmpadas desligadas. No Rio, cidade-sede da campanha, além de apagar as luzes do Cristo e da Praia de Copacabana, como em 2009, a meta é desligar os refletores do Arpoador, da Praia do Leblon e do Monumento aos Pracinhas, na zona sul, e ainda mobilizar os moradores da zona norte, apagando por uma hora as luzes da Igreja da Penha.
O objetivo da campanha é estimular a reflexão sobre os impactos do consumo de energia e sobre formas de geração de eletricidade que agridam menos o meio ambiente, afirma o presidente do Conselho Diretor da WWF, Álvaro de Souza.
“Essa não é uma campanha para poupar energia. O importante é a conscientização sobre a construção de uma matriz energética mais limpa.”
De acordo com o diretor, embora o desmatamento provocado pela construção de hidrelétricas também se reflita na emissão de gases causadores do efeito estufa, as usinas abastecidas pela queima de combustível fóssil, como ocorre na China, poluem mais. O representante da WWF lembra também que as nucleares deixam um passivo ambiental ainda sem solução para o planeta: o lixo contaminado.
“Todas as opções [de geração de energia] têm um preço. Todas têm uma pegada ecológica. A parte hidrelétrica, como no caso do Brasil, têm uma pegada mais tênue, o grande lance é o alagamento de grandes áreas para construção de lagos que, evidentemente, causam um desequilíbrio”, afirmou.
A campanha Hora do Planeta começou na Austrália em 2007 e se estendeu pelo mundo. No ano passado, ícones de destaque foram desligados nas principais capitais para chamar atenção para o avanço do aquecimento global. Entre eles, a Torre Eiffel, em Paris, o Coliseu, em Roma e a Times Square, em Nova Iorque.

Os desafios e as lutas das mulheres

Hoje, dia 08 de março, as mulheres de todo o mundo comemoram o seu dia. Um dia que, em sua origem, há cem anos, é marcado pela luta que as mulheres vivem em seu cotidiano, seja em casa, seja no mercado de trabalho. “Eu diria que hoje a mulher se contextualiza em várias direções, por conta disso, as preocupações são bem amplas”, aponta Darli Sampaio em entrevista, feita por telefone, à IHU On-Line.
Darli fala dos movimentos de mulheres e dos movimentos feministas, suas diferenças e suas contribuições para a sociedade, além de fazer um balanço das lutas que as mulheres têm feito durante esses cem anos de ‘08 de março’. “De lá para cá, as mulheres conquistaram muitas coisas, mas, na medida em que isso aconteceu, a mulher perdeu muitas coisas também”, reflete.
Darli de Fátima Sampaio é graduada em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e mestre em sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Trabalha na área de pesquisa e assessoria do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores (Cepat), em Curitiba, PR.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Fazendo um balanço das lutas das mulheres pelo reconhecimento de seus direitos e de sua dignidade, o que as mulheres têm para comemorar, reivindicar e lamentar neste dia 8 de março?
Darli Sampaio – São cem anos de lutas, de organização e instituição do 8 de março. São cem anos que estamos refletindo, chorando e reivindicando muito. Essa data já começa em cima de um fato triste, foi uma declaração em memória de mulheres que foram assassinadas por uma reivindicação em função do mundo de trabalho. Ou seja, já começa a partir de um fato lamentável. De lá para cá, as mulheres conquistaram muitas coisas, mas, na medida em que isso aconteceu, a mulher perdeu muitas coisas também. A divisão do trabalho continua injusta e ajudando a manter a situação de opressão contra as mulheres. No mercado de trabalho, a mulher continua ganhando menos do que o homem, mesmo que desempenhem as mesmas funções. Das grandes empresas mundiais, apenas 2% são dirigidas por mulheres.
Mais de seis milhões de mulheres trabalham em condições precárias, sem condições de direitos sociais, são mal remuneradas e tudo mais. Temos avanços, mas ainda há uma exigência maior com relação à atuação das mulheres no mercado de trabalho.
IHU On-Line – A entrada das mulheres no mercado de trabalho é interpretada como emancipação, libertação do lar, autonomia financeira, elevação da autoestima, porém, ao mesmo tempo, significou na prática a dupla jornada de trabalho, privação de um convívio maior com a família, desigualdade salarial etc. Já há um balanço sobre aspectos positivos e negativos relacionado ao tema da mulher e o mercado de trabalho?
Darli Sampaio – É positivo, porque houve a entrada da mulher no mercado de trabalho e, com isso, ela se tornou independente, responsável, chefe de família. E ela traz para dentro da empresa as preocupações de mulher, com filhos e com a família. A mulher deu características novas para as empresas, como intuição e o fato de estar antenada para várias tarefas ao mesmo tempo. Os homens não foram treinados para isso. São coisas que hoje o mercado de trabalho valoriza muito.
Ainda assim, a jornada é muito exaustiva, espera-se muito da mulher, e ela não ganha como os homens. Essa é uma tendência mundial, embora elas estejam mais qualificadas do que eles. Isso é uma dificuldade que a mulher está enfrentando. Do ponto de vista da sua contribuição, da sua independência, da sua autosustentação é muito bom. Tem muitas teóricas feministas que acham que a entrada da mulher no mercado de trabalho não foi tão positivo assim. Elas dizem que se trocou uma prisão por outra, e, na empresa, há ainda um controle sobre o seu corpo e seu comportamento.
IHU On-Line – O que representa para a sociedade a participação feminina em lideranças de movimentos sociais e trabalhistas?
Darli Sampaio – Isso é extremamente importante porque, dos movimentos sociais, nós somos maioria. Somos a metade da força de trabalho nos países desenvolvidos, e, nos movimentos sociais, somos mais da metade dos participantes. Nos movimentos sociais de base, na Economia Solidária, a grande força é formada por mulheres, alguns sindicatos já têm uma representação muito grande de mulheres que estão exercendo também cargos de direção. É a mulher que traz para dentro do movimento a discussão sobre gênero. É por conta disso que o próximo 1º de maio vai trazer a pauta da igualdade no mundo do trabalho.
IHU On-Line – Você se considera uma feminista. O que é ser feminista, hoje?
Darli Sampaio – Eu sou uma feminista em construção porque o tempo todo estou refletindo, não posso fechar essa questão. Feminismo já foi ligado a radicalismo pela luta por seus direitos. O feminismo não é o contrário de machismo. Ser feminista é trazer a questão de gênero, isso quer dizer que estamos comprometidas com questões de homens e mulheres, com reflexões e problemas da sociedade que atingem mulheres e homens. Tem muitos homens feministas também.
IHU On-Line – Há diferenças entre o movimento feminista e o movimento de mulheres?
Darli Sampaio – Há diferenças sim. O importante é que existem esses movimentos. As preocupações são diferentes, têm movimentos de mulheres que têm pautas mais ligadas às problemáticas vividas pelas mulheres. Movimentos feministas atuam em várias direções. Pode haver outras diferenças, mas eu vejo essas como as principais.
IHU On-Line – Qual a contribuição do movimento feminista e os seus limites para a sociedade contemporânea?
Darli Sampaio – O movimento feminista colocou a mulher no cenário. Nós somos a outra metade da população, somos as responsáveis por tarefas que são vitais para a produção e reprodução humana. O movimento feminista trouxe isso para a sociedade porque lutou por direitos importantes, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, a denúncia da violência e a divisão sexual no trabalho etc. Isso deu visibilidade à mulher. Ainda falta dar visibilidade ao trabalho desempenhado pela mulher, tanto é que muitas vezes somos consideradas indivíduos de segunda categoria. O questionamento é permanente: a mulher está satisfeita no mundo do trabalho? Tem coisas para mudar? Muitas! A reflexão do aborto, embora seja polêmica, precisa também de reflexão.
IHU On-Line – Em sua opinião, o que a mulher deseja mais fortemente?
Darli Sampaio – Eu falo do ponto de vista do que eu quero, enquanto mulher, e do que eu percebo em outras mulheres. As mulheres querem ser reconhecidas, ser valorizadas, querem ter acesso a várias coisas. Elas não querem ser sobrecarregadas, não querem ser tão exigidas, não querem ser essa supermulher. Elas querem dignidade e espaço nessa sociedade.
IHU On-Line – Nesse dia 08 de março, qual mulher você gostaria de homenagear e por quê?
Darli Sampaio – São tantas. Me passam muitas mulheres pela cabeça. O que pode estar presente nas nossas reflexões de mulheres hoje são todas as mulheres contemporâneas que são frutos das mulheres do passado. Eu gostaria de homenagear o rosto jovem da adolescente, a mulher negra que ainda é marginalizada. O rosto indígena, com toda a problemática que vive, também merece uma homenagem. A mulher executiva, a mulher acadêmica, a mulher doméstica.

Mulheres do início do século XXI

“Eu sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores.” Cora Coralina
primeira ideia que nos vem à mente quando pensamos em mulheres neste início do século XXI é a da mulher urbana, trabalhadora, realizada e feliz porque agora se viu livre do domínio machista que a condenava à inferioridade nas relações de gênero mantida por tantos séculos, inclusive a obrigação de gerar filhos.
Todavia, não podemos ser ingênuas acreditando existir um único tipo “ideal” de mulher, como se ele representasse de fato todas as mulheres de hoje, de idades variadas, com os diversos problemas que enfrentam em suas comunidades e territórios, e com todos os desafios que as fazem lutar por mais dignidade, seja nas relações afetivas, na família, no trabalho ou no meio político e social em que vivem.
Mesmo considerando que são algumas mulheres urbanas, esses seres que se fizeram autônomos por terem renda própria e por se desvencilharem dos tabus e das muitas armadilhas dos preconceitos morais, as que galgaram altos cargos públicos e privados, assumindo as mesmas profissões antes reservadas exclusivamente aos homens, e que por isso são as que melhor representam, ideologicamente, a emancipação feminina, não podemos nos esquecer de outras tantas mulheres, as que ainda hoje vivem sob o jugo dos pais, dos maridos2 , ou dos patrões nessa sociedade com resquícios patriarcais e da exploração capitalista desmedida, modo de vida que transformou tudo em mercadoria.
Penso nas mulheres que, mesmo tendo conquistado a emancipação frente ao machismo, estão sobrecarregadas com o ônus da própria emancipação conquistada, como a dupla ou até a tripla jornada de trabalho, com o sofrimento em face das doenças antes quase exclusivas do mundo masculino, com o fardo do provimento da prole, pelo simples fato de poderem agora romper com as relações afetivas falidas.
Foi a partir dos anos 60 do século passado que o movimento de libertação das mulheres desencadeou-se como parte integrante de um movimento cultural da juventude. No final do século XX, um número expressivo de mulheres entrou no mercado de trabalho, chegando mesmo a ser em número maior do que os homens em determinados setores, como são exemplos as universidades. Em algumas empresas, os quadros femininos passaram a atingir o topo da carreira.
A economia capitalista, baseada no estímulo e na criação incessante de novas necessidades, foi a que mais contribuiu para o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, de modo a que viessem a ser uma fonte suplementar de rendimentos, necessária para a realização dos sonhos da sociedade de consumo. Todavia, olhando bem, antes disso, as mulheres sempre trabalharam. Nas sociedades primitivas executavam as tarefas agrícolas e domésticas. Às mulheres, devemos a criação da agricultura, no neolítico, enquanto os homens incumbiam-se da caça e da pesca.
A partir da Revolução Industrial trabalharam nas fábricas e nas situações extremas, como no período das duas grandes guerras, trabalharam fora do lar. É de se notar, todavia, que as mulheres em todos esses momentos não deixaram de assumir a difícil tarefa das obrigações domésticas. Para justificar a dupla ou até a tripla jornada, essa “realidade” foi mascarada por uma cultura que valoriza a liberdade e o maior bem-estar individual e que vê no trabalho doméstico uma forma de submissão da mulher ao homem. A ideologia hegemônica forjou o reconhecimento social do trabalho feminino atrelado a ideias como o direito a uma “vida autônoma” e à independência econômica.
Os próprios homens tiveram de reconhecer a legitimidade do trabalho assalariado feminino como instrumento de autonomia e realização pessoal, a despeito de muitas vezes ser cristalino para todos que nem mesmo sob o aspecto econômico é compensatório para as famílias, e principalmente para a sociedade de modo geral, o sacrifício da venda de toda a força de trabalho de cada família no mercado. Quando ambos os cônjuges estão fora do lar, e por muitas horas de trabalho nas empresas, há irremediavelmente uma perda na qualidade de vida dos pais e dos filhos, que acabam sendo expostos à vulnerabilidade de uma sociedade que não tem mais tempo para os laços comunitários, para os momentos de mística, de intimidade familiar e de luta social.
Os maiores problemas, normalmente, tornam-se mais visíveis nos territórios de baixa renda, em vista de não disporem as famílias de creches, de escolas e de serviços necessários para compensar minimamente a falta da atenção materna e paterna no lar. Deparamo-nos diariamente com notícias de crianças e adolescentes entregues ao narcotráfico, de adolescentes grávidas e sem a mínima condição de ampararem os filhos gerados, perpetuando, deste modo, o círculo vicioso da pobreza e da exclusão, elas mesmas, essas mulheres, desde tenra idade, desamparadas pela sociedade.
E por que muitas mulheres, mesmo neste século XXI ainda estão longe das conquistas da emancipação feminina? Penso que isso ocorre em vista da hegemonia capitalista. Vivemos em uma sociedade que tem como fundamento a competição em todos os níveis. Assim, a primeira preocupação não é um lugar para cada um na sociedade.
O discurso hegemônico faz acreditar que todos podem se dar bem, desde que lutem isoladamente por isso. Cada um tenta de todas as formas conquistar um lugar melhor, mas de modo a se tornar um ser que consome mais. Todavia, quem embarca no consumismo se consome aos poucos. Na busca de um sonho inatingível as pessoas empenham suas forças sem ter muita consciência de que, na prática, estão contribuindo é para a manutenção de um sistema opressor, que absolutiza o lucro e que desconsidera as mazelas sociais e ambientais que provoca.
Deste modo, o nosso agir em sociedade, mesmo aparentemente emancipado, tem contribuído para o aumento das intervenções irresponsáveis no meio ambiente e para a destruição da cultura e dos bens naturais das comunidades tradicionais, nas quais ainda existem laços de fraternidade e de cultura camponesa. A cada minuto deixamos os nossos rastros na poluição do ambiente provocada pelos nossos automóveis, pelo consumo excessivo de mercadorias cada vez mais sofisticadas que exigem o uso crescente de energia, de água, de produtos de limpeza e de mais e mais embalagens. Exploramos trabalho e biodiversidade quando excedemos no uso de cosméticos, de produtos de higiene pessoal, de artigos de luxo, ou com tanta parafernália para manter a aparência e para nos manter em dia com as inovações tecnológicas. Tudo o que resulta da manipulação das necessidades humanas pelos meios de comunicação.
Vítimas deste modo de vida ocidental, construído sob a lógica de um poder dominado por homens e do qual participam inexoravelmente as mulheres urbanas modernas e as suas porta-vozes, as mulheres que na televisão e na mídia em geral são usadas para vender tudo, desde os cosméticos e bebidas até os automóveis e os imóveis de luxo. As mulheres subservientes do consumismo e as que vendem a sua imagem – escolhidas entre “as mais bonitas” – contribuem para lançar no mundo da exclusão, este já esquecido pelo capitalismo, outras mulheres que ainda têm muito a conquistar. São as meninas, grávidas ainda na adolescência, as mulheres marginalizadas que não encontrando outra forma de renda não podem realizar tarefa senão a venda do seu próprio corpo de uma outra maneira, as mulheres operárias que além da tripla jornada são as responsáveis pelo provimento do lar, mesmo condenadas aos salários mais baixos do que os dos homens.
Não quero com isso passar uma visão pessimista do ser feminino deste início de século XXI. Apesar de não terem as mulheres conseguido efetivamente se emancipar neste sistema-mundo5, mantido nas e pelas relações de competição e do individualismo, são elas, emancipadas economicamente ou não, as protagonistas de uma nova sociedade. No mundo inteiro, nos chamados movimentos antissistêmicos são as mulheres as que constroem na luta os caminhos contra toda forma de opressão. Temos visto isso nas Comunidades Eclesiais de Base, no Movimento dos trabalhadores Rurais sem Terra – MST -, no Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB -, na Via Campesina e em tantos movimentos populares sociais do Brasil e da América Latina.
No Brasil, nos núcleos urbanos pobres são as mulheres as que tomaram a decisão de construir a casa própria através do mutirão, como consequência da falta de políticas públicas adequadas e sob pena de verem as famílias vulnerabilizadas ainda mais pela falta de moradia e após se verem mais empobrecidas com o pagamento do aluguel ao longo do tempo. Para essas mulheres faço reverência, reconhecendo que sem elas correríamos o risco de perder a esperança de vida melhor para todas as nossas crianças. São as mulheres camponesas as que descobriram que não basta a conquista da terra, que é preciso conquistar a igualdade de direitos também nas conquistas, inclusive a superação do machismo ainda existente na militância. São elas que assumiram a liderança da luta pela reforma agrária em muitos casos e nas denúncias da apropriação capitalista dos bens naturais no campo, como foram exemplo as mil mulheres que no Rio Grande do Sul destruíram diversas mudas de eucalipto de uma empresa transnacional que impede o fortalecimento da agricultura familiar para a produção de alimentos e para a geração de renda para os pequenos agricultores. Lembro-me também daquela mulher indígena que teve a ousadia de num ato extremo apontar um facão para o engenheiro da Eletrobrás que usava diversas mentiras para justificar numa audiência pública a construção ilegal da hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu.
Por tudo isso, parafraseando o grande poeta Drumond, digo que olho as minhas companheiras mulheres neste início de século XXI e vejo que estão muitas taciturnas, mas nutrem grandes esperanças. Entre todas, considero a enorme realidade. Porém, também como Drumond, não serei a cantora de uma mulher, de uma história. Proponho na diversidade a construção de uma sociedade em que vivam mulheres, de todas as idades, de todos os lugares, de todas as culturas, fazendo um outro mundo possível, onde o poder seja somente o do cuidado, na e da perspectiva feminina. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas em mais um 8 de março, o de 2010!

Dia Internacional da Mulher

Dia Internacional da Mulher: Madalena foi pro mar
Muito antes de o escritor Dan Brown escrever o livro O Código Da Vinci – que rediscutiu o papel de Maria Madalena na história – Chico Buarque já havia construído uma outra Madalena mais afinada com o mundo moderno e com os ideais de equidade de gênero, bandeira central do Dia Internacional da Mulher.
“Madalena foi pro mar/E eu fiquei a ver navios”
Por que será que Chico Buarque lançou a Madalena ao mar enquanto Homero, na Odisséia, colocou a Penélope a ver navios, esperando seu Ulisses? Uma das diferenças é que a música do Chico foi feita em 1965 em plena revolução sexual dos anos 60 e em meio à ebulição cultural que estabeleceu novos paradigmas e novas promessas de relacionamentos. Na ocasião, já se vislumbrava o ocaso da mulher conformada, dona de casa heróica, glorificada como mãe devota e esposa submissa.
“Quem com ela se encontrar/Diga lá no alto mar
Que é preciso voltar já/Pra cuidar dos nossos filhos”
A nova mulher – fruto da revolução sexual dos anos 60 – içou a vela em direção ao alto mar e deixou o marujo reclamar e pedir seu retorno ao lar, doce-lar. É uma viagem que redefiniu o lugar do feminino na sociedade. É a mulher saindo do óikos e se aventurando na pólis. É um novo porto e não uma simples inversão de papéis. É a aurora de um tempo em que os pais vão ter que repartir a guarda dos filhos. É um novo parto. Madalena foi pro mar é a metáfora da mulher que foi à luta.
“Pra zombar dos olhos meus/No alto mar a vela acena
Tanto jeito tem de adeus/Tanto adeus de Madalena”
A vela acenando é a bandeira desfraldada de uma nova mulher que zomba dos privilégios masculinos e dá adeus ao passado de submissão. Não é à-toa que Chico recorre à figura bíblica da prostituta que acompanhou o Senhor. Madalena expressa as contradições simbólicas da “mulher pública” que se contrapõem às (falsas?) santas e senhoras recatadas que a moralidade tradicional exige.
“É preciso não chorar/Maldizer, não vale a pena
Jesus manda perdoar/A mulher que é Madalena”
Diante da nova realidade o homem não deve chorar, porque homem não chora. Mas é impossível esconder as debilidades do olhar e a sensação de abandono (“a ver navios”). É como se o autor quisesse mostrar que o olho masculino não aceita o que vê, porém não ignora o crepúsculo do macho que se avista. Para sintetizar a perplexidade masculina, Chico utiliza o duplo sentido da palavra maldizer: o homem amaldiçoa as novas tendências ao mesmo tempo em que lamenta a perda de sua superioridade no mundo público. Todavia, a Justiça Superior (JeSus) manda perdoar o sonho de liberdade imbuído na audácia feminina das Marias Madalenas.
A poesia de Chico Buarque é polissêmica e sua grandeza está expressa na capacidade de construir belas imagens e deixar subentendido que uma estória particular contém uma história universal. “Madalena foi pro mar”, quando vista pela ótica masculina, é uma canção saudosista e até conservadora. Mas, quando vista pela ótica feminina, é uma canção revolucionária e inovadora, como revolucionária e inovadora é toda a obra do compositor brasileiro que mais soube captar as mudanças contemporâneas nas relações de gênero.
A odisséia feminina está apenas nos seus primórdios. No 8 de março de 2010, o Dia Internacional da Mulher completa 100 anos de comemorações e serve para lembrar as Madalenas que se lançaram e se lançam à luta e à conquista de “mares nunca dantes navegados”. Aquelas que já se aventuraram em águas turbulentas em busca de um sentido de vida e de maior equidade de gênero aprenderam com a sabedoria dos antigos navegadores, imortalizados na poética de Fernando Pessoa: “navegar é preciso, viver não é preciso”.

sábado, 6 de março de 2010

Pinhão-manso será pesquisado

Pinhão-manso é uma planta muito comentada pelo potencial de produção de biodiesel, ainda tem, porém, uso basicamente empírico.
O tão falado e pouco conhecido pinhão-manso (Jatropha curcas L.), arbusto grande e rústico da mesma família da mandioca e da mamona e considerado uma importante matéria-prima para a produção de biodiesel, será objeto de mais uma pesquisa no País. Por meio de um projeto de cooperação, firmado em dezembro pela Embrapa Agroenergia e Associação Brasileira dos Produtores de Pinhão-Manso (ABPPM), serão instaladas quatro áreas experimentais de plantio para a coleta de informações sobre a planta.
"É uma cultura nova, que precisa ser estudada e domesticada", diz o diretor da ABPPM, Roberto Murat. Segundo ele, as unidades de observação, como são chamadas as áreas de plantio, vão ajudar a pesquisa a levantar dados de produtividade, pragas e comportamento da planta. Nesta primeira fase os plantios serão instalados em São Luís (MA), Tucuruí (PA), Barbacena (MG) e Alta Floresta (MT), numa área total de 30 hectares. "Os parceiros vão conduzir os plantios conforme recomendações técnicas da Embrapa e coletar e disponibilizar, para a pesquisa, dados de biologia da planta, produtividade, crescimento, pragas e doenças", explica Murat.
Embora seja conhecido por ter alto teor de óleo - estima-se que esse teor seja de 37% -, não há cultivar registrada nem plantios comerciais de pinhão-manso no País. "Por não ser uma planta comestível, como soja, canola ou girassol, o pinhão-manso chamou a atenção da cadeia dos biocombustíveis por seu potencial de produção de óleo", diz Murat.
A pesquisa deve levar de quatro a sete anos para domesticar a planta e a previsão é a de que o registro de uma cultivar no Ministério da Agricultura saia dentro de cinco anos. "O pinhão-manso é uma cultura perene, que atinge o pico de produção a partir do quarto, quinto ano. Para ter resultados, temos de esperar", diz o pesquisador da Embrapa Agroenergia, Bruno Laviola. Laviola explica que a Embrapa possui um banco de germoplasma e que as cultivares mais promissoras serão selecionadas para o plantio. "Esses materiais genéticos serão submetidos a diferentes sistemas de cultivo, em diferentes regiões, e vamos colher os resultados", afirma o pesquisador da Embrapa.
O projeto está em fase de produção de mudas e, em março, começa a instalação dos plantios.
Origem Incerta
A origem do pinhão- manso é incerta. “É uma planta das Américas, mas não se sabe exatamente onde3ela surgiu”, diz o pesquisador Dílson Cáceres, da Cati. Segundo ele. Há quem defenda como centro de origem da espécie o cerrado mineiro. “Foi lá que começaram os estudos para a produção de óleo combustível, no início da década de 1980. Mas há quem diga que ela surgiu no México”. Cáceres conta que antes de ser cogitado como matéria – prima para o biodiesel, seu óleo era usado em candeeiros e como purgante para cavalos.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Segunda geração de biocombustíveis é a chance dos países pobres

Especialistas veem biocombustível de segunda geração como chance para países pobres.
Fabricados a partir de resíduos agrícolas, os biocombustíveis de segunda geração podem ser uma alternativa ambientalmente viável para o desenvolvimento econômico de países pobres, de acordo com especialistas em energia.
A produção de combustíveis a partir de milho, trigo, colza e azeite de dendê é cara e contribui relativamente pouco para a proteção do clima, além de impulsionar o aumento dos preços dos alimentos, segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em 2008.
Mas que alternativas existem? O apetite global por energia vem crescendo, afirma Didier Houssin, diretor de Mercados Energéticos e Segurança da Agência Internacional de Energia (AIE).
“Em nossas projeções, a cota dos biocombustíveis no setor de transportes deverá crescer, indo dos atuais 1,7% para 9% em 2030. Daí a necessidade que há de se garantir o desenvolvimento sustentável da produção de biocombustíveis. Isso é particularmente importante no caso de países em desenvolvimento e emergentes”, explica o especialista.
Complemento à produção de alimentos
Esses países produzem grande parte dos resíduos da agricultura e da silvicultura, dos quais podem ser produzidos diesel, etanol ou gás sintético. São os chamados biocombustíveis de segunda geração. A vantagem é que sua produção não concorre com a produção de alimentos, mas a complementa.
Além disso, os dejetos já existem em abundância como matéria-prima, como lembra Anselm Eisentraut, analista para biocombustíveis da AIE. Ele analisou para a OCDE o potencial dos novos biocombustíveis. “No momento, 10% dos resíduos agrícolas e florestais disponíveis seriam suficientes para quase duplicar a produção atual de biocombustíveis, se a tecnologia realmente estivesse disponível comercialmente e em grande escala”, afirma.
Perspectiva promissora
Cerca de 125 bilhões de litros de diesel ou 170 bilhões de litros de etanol poderiam ser produzidos por ano a partir de apenas 10% das cascas de noz e de arroz e dos restos de madeira disponíveis no mundo. Mas até agora a técnica só funciona em projetos experimentais.
“Nos Estados Unidos será lançada no próximo ano uma unidade comercial que produzirá cerca de 100 milhões de litros por ano. No Brasil há instalações experimentais, assim como na Índia e na China, de forma que [nesses países] a evolução da tecnologia já está avançada, mas ainda não em escala comercial,” diz Eisentraut.
Isso pode levar de 15 a 20 anos, dependendo dos incentivos econômicos que vierem do setor político. Esse tempo, no entanto, também é necessário não somente para se criar a infraestrutura para a produção do biocombustível em países emergentes e em desenvolvimento, como também para estabelecer uma agricultura sustentável.
Integração aos mercados mundiais
Para isso contribuem também as políticas alemãs de ajuda ao desenvolvimento, afirma Mike Enskat, especialista em energia da Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ, na sigla em alemão).
“O potencial econômico dos biocombustíveis de segunda geração é, naturalmente, também uma oportunidade para se desenvolver melhor o setor agrícola nos países em desenvolvimento, torná-lo mais produtivo e melhor integrado aos mercados mundiais”, afirma.
Mas os países em desenvolvimento devem ser envolvidos no processo já na fase inicial, para que sejam evitados os erros feitos no desenvolvimento dos biocombustíveis de primeira geração. “Deve haver padrões internacionais de sustentabilidade para a produção de biomassa e uma certificação dos combustíveis, para assegurar padrões sociais e ambientais”, sublinha Enskat.
Ele alerta também que deve ser evitada uma nova concorrência na aquisição de matérias-primas. “Porque, em alguns países, resíduos da agricultura e da silvicultura já são usados como adubo ou no aquecimento. Também não foram completamente esclarecidos possíveis impactos ambientais sobre os nutrientes do solo e sobre os recursos hídricos.”

Usina de biocombustíveis causa protestos

Instalação de usina de biocombustíveis em El Salvador causa protestos.
Um grupo de vendedores salvadorenhos protestou, durante a visita ao país do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contra a possível instalação de uma usina de biocombustíveis em El Salvador com apoio brasileiro.
Dezenas de manifestantes percorreram várias ruas do centro da capital gritando palavras de ordem contra a eventual obra e se concentraram pacificamente na emblemática praça do Salvador do Mundo.
“Decidimos fazer esta ação de protesto no marco da assinatura de cinco convênios por parte do Governo do Brasil e do Governo de El Salvador (…) com o objetivo de dizer não à instalação de uma fábrica processadora de biocombustíveis”, declarou a jornalistas Rodolfo Pereira, porta-voz dos manifestantes. Reportagem da Agência EFE.
Pereira, da associação nacional de trabalhadores independentes, assegurou que se opõem a que se use o grão de milho e a cana-de-açúcar para a produção de biocombustíveis, ao advertir sobre o efeito que poderia ter para o abastecimento de alimentos no mercado local e sobre as terras cultiváveis.
“Se o Brasil tem (uma extensão de) 8,5 milhões de quilômetros El Salvador tem 21 mil quilômetros quadrados, por que então se há uma boa vontade não se contratou nossa mão-de-obra em matéria agrícola e camponesa para que se produza lá”, disse.
Os manifestantes levavam cartazes nas quais se liam, entre outras mensagens: “Nosso milho não está à venda” ou “Por nossa soberania, não à fábrica processadora de biodiesel”, que aparentemente pode chegar a ser instalada no oriente do país.
O presidente Lula chegou em fevereiro de 2010 a El Salvador, em uma visita oficial dentro de sua viagem por vários países da América, para estreitar os laços com o Governo de Mauricio Funes.
Os Governos de El Salvador e Brasil assinaram hoje acordos de cooperação nas áreas de saúde, agrícola, entre outros.
Fontes do Ministério da Agricultura e Pecuária informaram à Agência Efe que um dos convênios prevê um sistema de crédito e seguro agrícola, assistência técnica, fortalecimento institucional e uma política para o fomento da agricultura familiar.
Indicaram, no entanto, que não se abordou o tema dos biocombustíveis.
El Salvador faz parte de um plano de desenvolvimento de biocombustíveis financiado por Estados Unidos e Brasil, no entanto, só foram efetuados dois estudos na matéria com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

terça-feira, 2 de março de 2010

Redes elétricas inteligentes e a racionalização do uso de energia

Redes elétricas inteligentes e a racionalização do uso de energia, resulta em uma economia substancial de energia.
Uma rede de transmissão de energia que utiliza um sistema de monitoramento do fluxo a partir de tecnologia digital. Esta é a proposta das redes elétricas inteligentes, assunto da entrevista, realizada por e-mail, com Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace. Explicando o conceito desta prática de transmissão, Baitelo afirma que as redes inteligentes possibilitam a integração de fontes energéticas descentralizadas, além do controle do consumo de aparelhos e eletrodomésticos em residências e edifícios. A partir da proposta de uma ferramenta virtual capaz de medir o consumo residencial e disponibilizar a informação aos consumidores em tempo quase real, a forma de interação entre consumidor e concessionária deve aumentar. “O acesso à informação de consumo de energia repercute na utilização mais racional de energia e no melhor planejamento da expansão de redes”, garante.
A entrevista foi concedida por telefone à IHU On-Line.
Sobre as fontes de energia renovável no Brasil e também sobre as questões climáticas, Baitelo destaca. “No Brasil, o alto potencial de renováveis (solar, eólica e biomassa) certamente garantiria uma oferta confiável de energia, complementada com o que já existe de geração hidrelétrica, sem a necessidade de se construir novas usinas em locais extremamente delicados do ponto de vista ambiental e social”.
Ricardo Baitelo é formado em engenharia elétrica pela Escola Politécnica da USP. Na mesma universidade, concluiu o mestrado na área de eficiência energética. Atualmente, é coordenador da campanha de energia do Greenpeace Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que podemos entender por redes elétricas inteligentes?
Ricardo Baitelo – Redes inteligentes enviam a eletricidade dos pontos de geração até os consumidores, utilizando um sistema de monitoramento completo do fluxo de energia, a partir de tecnologia digital, que permite o rastreamento tanto da energia que entra no sistema, gerada em diferentes pontos, quanto da energia consumida por residências, edifícios e indústrias.
IHU On-Line – Como a energia renovável é utilizada nessas redes elétricas inteligentes?
Ricardo Baitelo – As redes possibilitam a integração de fontes energéticas descentralizadas, como solar e eólica, assimilando sua entrada no sistema quando esta geração ocorre, nos períodos de maior vento e sol. Esta integração faz com que a geração distribuída contribua, não apenas para o atendimento de demandas individualizadas, mas também com uma oferta estável de energia para todo o país.
IHU On-Line – Qual a relação entre redes elétricas inteligentes e Internet?
Ricardo Baitelo – As redes inteligentes permitirão o controle não apenas da geração descentralizada, realizada em milhares de pontos, como também o controle do consumo de aparelhos e eletrodomésticos em residências e edifícios. A proposta de pulverizar o sistema elétrico em uma rede de microgeradores e a revolução provocada por isto guardam semelhanças com a grande pulverização de informação provocada pela Internet.
Adicionalmente a isto, já estão sendo propostas ferramentas via Internet capazes de medir o consumo residencial e disponibilizar a informação aos consumidores em tempo quase real.
IHU On-Line – Quais os principais caminhos para garantir o fornecimento de energia no futuro de forma amigável com o clima do planeta e com a velocidade do consumo de energia?
Ricardo Baitelo – Intensificar investimentos em eficiência energética é a forma mais barata e efetiva de reduzir a demanda energética do planeta. Estas medidas se estenderiam desde a cadeia de transmissão e distribuição de energia até a revisão de hábitos dos consumidores finais.
Em seguida, o atendimento e a demanda restante seriam feitos com tecnologias renováveis, cuja geração intermitente seria solucionada pela complementaridade entre as mesmas e pelo auxílio das redes inteligentes no gerenciamento de cada tipo de energia na hora em que ela seria produzida.
IHU On-Line – Em que sentido a transformação energética proposta pelo novo estudo do Greenpeace pode se tornar uma oportunidade de negócio para empresas de tecnologia e permitir cortes nas emissões de gases do efeito estufa?
Ricardo Baitelo – O reforço de redes e o estabelecimento de redes inteligentes devem aumentar a interação entre consumidores e concessionárias, além do acesso à informação de consumo de energia, repercutindo na utilização mais racional de energia e no melhor planejamento da expansão de redes.
As empresas de tecnologia poderão fazer um trabalho integrado nesta cadeia, junto às concessionárias e aos consumidores, na provisão de medidores inteligentes e na transmissão de dados de geração e consumo para ambas as partes.
IHU On-Line – Qual o papel do Brasil nessa transformação energética, considerando o potencial de fontes renováveis de energia do país?
Ricardo Baitelo – O estudo do Greenpeace explica como redes elétricas inteligentes, locais e regionais poderiam ser conectadas de forma eficiente com uma super-rede de alta voltagem, para garantir um fornecimento ininterrupto e confiável de eletricidade, sem ativar usinas térmicas a carvão ou nucleares. Embora tenha sido feito para o cenário Europeu, no Brasil, o alto potencial de renováveis (solar, eólica e biomassa) certamente garantiria uma oferta confiável de energia, complementada com o que já existe de geração hidrelétrica, sem a necessidade de se construir novas usinas em locais extremamente delicados do ponto de vista ambiental e social.
IHU On-Line – Que políticas públicas deveriam ser pensadas para que essa transformação seja efetivada mais rapidamente?
Ricardo Baitelo – Devem ser aprovadas as regras para a mudanças das redes de energia a fim de implementar os smart grids (rede inteligente, em inglês). Este cronograma já foi feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Adicionalmente, deve ser deixada clara uma legislação para garantir a transição dos relógios de medição de eletricidade para a medição eletrônica em todas as residências. Esta medição poderia originar uma mudança na tarifação, taxando de forma diferente o uso de eletricidade de acordo com a hora do dia, mecanismo aplicado apenas a grandes consumidores no país.
A Aneel já tem um cronograma para implementar mudanças na rede de energia para transformá-la no que se convencionou chamar de smart grid. O primeiro passo foi a aprovação, em agosto, das regras do PLC (comunicação pela rede de energia). O próximo já está em análise pelo Conselho Diretor da agência: a adoção da medição eletrônica.
IHU On-Line – Qual a previsão de implantação das redes elétricas inteligentes no Brasil e no mundo?
Ricardo Baitelo – No Brasil, a medição eletrônica vem sendo implementada, como, por exemplo, no Rio, com a previsão da instalação de 120 mil medidores inteligentes em 2010, no Pará (72 mil medidores) e no Distrito Federal, onde 1800 grandes consumidores já foram automatizados. Pretende-se substituir 63 milhões de medidores atuais por medidores inteligentes em um prazo de dez anos.
No mundo, o processo já está mais avançado. Até 2012, 70% da rede americana já deverá ter medição inteligente e, na Europa, quase todos os países já possuem aplicações de redes inteligentes.