sábado, 2 de outubro de 2010

Salão do carro elétrico

O salão do Automóvel de Paris de 2010 será certamente um acontecimento histórico.
De fato, assinalará uma grande data na fascinante aventura do automóvel: a entrada do carro elétrico nas nossas cidades e zonas rurais. Há um século, ele já havia feito o seu ingresso pela primeira vez. Em 1899, foi apresentado em Paris o "Jamais Contente", um automóvel alimentado a eletricidade. Era um monstro, um foguete ao nível do chão, que viajava a 100 quilômetros por hora, e queria mais.
Indubitavelmente, o "Jamais Contente" não agradou. Foi abandonado, e o carro elétrico morreu. Soara a hora do petróleo. Para que as experiências elétricas fossem retomadas, foi preciso que o petróleo, maravilhoso produtor de energia, esbarrasse em seus dois limites: a ameaça de esgotamento das jazidas e uma poluição maciça.
Nos últimos dias, os jornais têm detalhado os modelos apresentados em Paris - i Miev da Mitsubishi, iOn da Peugeot, C-Zéro da Citroën e, daqui a um ano, o da Renault. Há também alguns modelos singulares: o californiano Tesla, que alcança 212 quilômetros por hora, a paixão das celebridades hollywoodianas. Mil e duzentos americanos já desembolsaram mais de US$ 140 mil para se exibirem a bordo de um Tesla, talvez em busca de aventuras.
Os modelos apresentados em Paris (Peugeot, etc.) são menos pretensiosos, mas estão fora do alcance de um bolso normal. Custam pouco mais de US$ 41.235 (apesar de um subsídio governamental de US$ 6.800). Evidentemente, os vendedores demonstrarão que esse exorbitante preço de lançamento logo será compensado porque a eletricidade é muito mais barata do que a gasolina.
No Salão de Paris, os visitantes têm direito a uma demonstração que exige uma capacidade matemática que ultrapassa em grande parte um cérebro comum, em todo caso o meu. Além disso, é mentira: a verdade é que, para amortizar o gasto inicial (US$ 41.235), será preciso rodar por muito tempo, talvez alguns milênios.
Fabricantes resolveram dotar os seus modelos de ruídos artificiais.
Outra singularidade: o carro elétrico é mudo, é totalmente silencioso. Os que o dirigem falam em sensações estranhas, dignas de um conto de fadas, um motor que se desloca a 120 quilômetros horários em um silêncio mágico. O carro desliza, move-se sem ruído, como as nuvens.
Para os amantes da música, é uma delícia: ouvindo Bach ou Monteverdi, ficarão livres das estáticas produzidas pelos aparelhos dos automóveis a gasolina.
Mas todo esse progresso tem um inconveniente. No pandemônio das nossas cidades, os pedestres se guiam pela visão, mas também pelo ruído. Muitos nem se dão ao trabalho de virar a cabeça para verificar se não há algum carro que os ameaça por perto. O barulho do motor, ao qual nossos ouvidos são tão sensíveis, serve de alarme.
Temendo, portanto, que os carros silenciosos se tornem um perigo público, os construtores resolveram dotar os seus modelos de ruídos artificiais, de modo a prevenir os pedestres. A japonesa Nissan prevê advertir os transeuntes por meio de um alto-falante ("Atenção! Atenção! Estou chegando. Cuidado, etc..."). Grotesco. Outros, sempre no Japão, fizeram uma escolha mais elegante, rústica: dotaram seus modelos de um dispositivo que produz um ruído semelhante ao dos cascos de cavalo sobre o calçamento.
Portanto, o círculo se fecha: com tanta modernidade e pós-modernidade, agora somos obrigados a pedir socorro ao fiacre, à diligência, ao percheron. Por que não acrescentar a estes habitáculos sem odores, que sequer cheiram à boa e velha gasolina, perfume de terra, de folhas mortas, e mesmo de cocô de cavalo ou de vaca? (OESP)

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