A produção de biomassa no Brasil ainda está concentrada nos resíduos da cana-de-açúcar, e os investimentos para gerar energia a partir dos resíduos de milho e soja ainda são baixos. O pouco interesse, de acordo com Luciano Basto Oliveira, justifica-se pelo alto custo para retirar os resíduos de milho e soja das áreas de plantio. O pesquisador esclarece que o bagaço de produto é recolhido do campo porque ele “é um resíduo agroindustrial, cujo transporte é pago pelos produtos principais da cana-de-açúcar: açúcar e etanol”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU on-line, Luciano Basto Oliveira também comenta a proposta de incineração do lixo, prevista no Plano Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS. Apesar de esta ser uma das tecnologias mais utilizadas no mundo, assegura, a queima de plásticos e borrachas gera gases de efeito estufa. “A solução para os resíduos sólidos urbanos brasileiros requer a implantação e funcionamento do sistema de gestão integrada. Neste, a segregação dos materiais recicláveis na fonte conviverá com um equipamento de triagem (caso o engajamento popular seja pequeno, para melhorar o rendimento), sendo associados à instalação de biodigestores e a sistemas de incineração – cujas dimensões decorrerão da eficiência de cada etapa anterior –, contando com aterros sanitários para o material inerte, os rejeitos e os casos fortuitos, como prevê a PNRS”, aponta.
Luciano Basto Oliveira é graduado em Ciências com habilitação em Matemática pela Universidade Estácio de Sá, especialista em Análise Ambiental e Gestão do Território pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas – Ence/IBGE, e mestre e doutor em Planejamento Energético pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia – Coppe/UFRJ. Atualmente é pesquisador do Instituto Alberto Luiz Coimbra/Coppe/UFRJ
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor menciona que os resíduos vegetais têm potencial de gerar um terço de toda a energia consumida no país. O que tem dificultado o investimento em biomassa no Brasil?
Luciano Basto Oliveira – O país é muito rico em fontes energéticas, o que remete a algumas poderem, pela natural limitação do consumo, acabar sendo inviáveis para o mercado interno. Mas também existem casos em que fontes mais baratas são desperdiçadas por conta de seu caráter inovador naquele mercado, o que, até certo ponto, é compreensível.
IHU On-Line – Como estão os investimentos em biomassa no Brasil?
Luciano Basto Oliveira – Vêm evoluindo, mas ainda estão concentrados na cana-de-açúcar e seus derivados – que são excelentes representantes do setor; ajudaram a demonstrar a viabilidade desta alternativa e a competência técnica e empresarial no setor. Mas é necessário diversificar para aproveitar o potencial existente.
IHU On-Line – Por que a geração de energia a partir dos resíduos de milho e soja são mais caros se comparados ao uso do bagaço da cana-de-açúcar?
Luciano Basto Oliveira – Porque o bagaço é um resíduo agroindustrial, cujo transporte é pago pelos produtos principais da cana-de-çúcar: açúcar e etanol, enquanto os resíduos de soja e milho atualmente ficam no campo, o que remete a um custo para coletá-lo. Assim, utilizando a mesma tecnologia para geração elétrica (ciclo Rankine), o bagaço disponibilizará eletricidade mais barata.
Além disto, parte da energia disponível na forma de calor não é convertida em eletricidade e, no caso do bagaço, há o aproveitamento deste para fazer a usina de cana funcionar (cogeração), mercado complementar que inexiste nos demais casos.
Considerando que o preço solicitado pelas usinas ao bagaço nos leilões não seja especulativo – uma vez que seu interesse é obter a garantia de receita, o que pode ser comprometido com o aumento artificial do preço e a competição com outras fontes –, o fato de parte da oferta não ter sido vendida significa que as alternativas mais caras, provenientes dos demais resíduos, também não conseguirão.
IHU On-Line – Qual tem sido o papel das fontes alternativas de energia no Brasil?
Luciano Basto Oliveira – O conceito de “alternativa” depende da localização e da tecnologia. No Brasil, a maior parte da eletricidade provém de fontes renováveis e, assim, já não é alternativa. O próprio etanol, tão conhecido aqui, é uma alternativa no exterior. Parece-me mais adequado falar de fontes renováveis não convencionais e discutirmos como aproveitar nossas potencialidades, mesmo que o mercado interno tenha alternativas mais baratas e o caminho seja a exportação. É importante ressaltar que existe um mercado internacional de biomassa para fins energéticos, do qual o Brasil, com uma das maiores aptidões para esse setor, não participa de maneira significativa.
IHU On-Line – Qual o potencial do Brasil em investir em biomassa?
Luciano Basto Oliveira – Apesar do significativo potencial, o conveniente é, a meu ver, identificar como aproveitar as dezenas de milhões de toneladas anuais que acabam sendo decompostas sem aproveitamento: a utilização local, para geração elétrica ou combustível veicular (biogás tratado ou produção de etanol de segunda geração), ou para exportação (briquetes ou pellets).
IHU On-Line – Em que países o uso da biomassa para geração de energia é mais desenvolvido? Quais são os países que dominam, hoje, essa tecnologia?
Luciano Basto Oliveira – O Brasil é um dos principais, para geração elétrica e uso veicular. Mas o consumo de biomassa é expressivo para aquecimento no hemisfério Norte.
IHU On-Line – Qual o potencial energético do uso de dejetos de aves, suínos e bovinos? Há no Brasil investimento nessa área?
Luciano Basto Oliveira – Considerando somente os rebanhos confinados, o potencial atinge 17,5 Mm³ de metano/dia – aproximadamente a metade do que importamos da Bolívia. Esse gás pode ser convertido em eletricidade, abastecer veículos, indústrias, residências, como o gás natural – desde que tratado. Adicionando o potencial dos resíduos agrícolas e dos urbanos, todos convertidos em gás, o potencial atinge 50 Mm³/d, em média, uma vez que esta oferta é sazonal.
Sim, há alguns empreendimentos em funcionamento e outros sendo implantados. É importantíssimo lembrar que o descarte inadequado causa muitos danos ambientais e à saúde pública. Por outro lado, o sistema de tratamento é caro. Então, o aproveitamento energético atrelado ao tratamento ambiental transfere o custo para o combustível, que consegue competir com outras fontes.
IHU On-Line – É possível gerar energia a partir do aproveitamento do lixo? Qual é o potencial de aproveitamento energético dos resíduos sólidos urbanos?
Luciano Basto Oliveira – Sim, é possível. Há diversas rotas tecnológicas em funcionamento no mundo, desde a queima do biogás recuperado de aterros até o arco de plasma, passando pelo gás de biodigestores e a incineração. É preciso ressaltar que a reciclagem é uma medida de conservação de energia, pois economiza o consumo industrial da conversão dos recursos naturais em bens – ou seja, mesmo não gerando diretamente, permite que a oferta seja ampliada de maneira maior que se o lixo fosse utilizado para geração. O potencial atual, considerando a reciclagem máxima associada à biodigestão da fração orgânica, atinge 60 TWh/a, equivalente a 15% do consumo nacional ou 65% do setor residencial.
IHU On-Line – Entre as propostas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, discute-se a incineração do lixo. Como o senhor vê essa alternativa? Há implicações ambientais nesse processo?
Luciano Basto Oliveira – É uma das tecnologias mais utilizadas no mundo, dispondo de 650 usinas termelétricas, inclusive novas, funcionando no centro das cidades de Londres e Paris, por exemplo. Do ponto de vista técnico, aplica-se quando a participação de plástico e papel seco supera 30% do resíduo – o que é comum nos países mais ricos, onde a maioria dos alimentos é comprada em embalagens. Sua eficiência quanto à geração líquida (produzido menos consumido) local é a melhor dentre as alternativas. Mas, por queimar plásticos e borrachas, seu balanço de gases responsáveis pelo efeito estufa não é o melhor. Além disso, emite poluentes orgânicos persistentes – ainda que em teores controlados e em quantidades inferiores a diversas outras fontes emissoras, como usinas a carvão, veículos a diesel, combustão de lixo a céu aberto, queimadas, etc.
Minha visão é de que a solução para os resíduos sólidos urbanos brasileiros requer a implantação e funcionamento do sistema de gestão integrada. Neste, a segregação dos materiais recicláveis na fonte conviverá com um equipamento de triagem (caso o engajamento popular seja pequeno, para melhorar o rendimento), sendo associados à instalação de biodigestores e a sistemas de incineração – cujas dimensões decorrerão da eficiência de cada etapa anterior –, contando com aterros sanitários para o material inerte, os rejeitos e os casos fortuitos, como prevê a PNRS.
Esse tipo de aproveitamento requer tecnologia disponível no país e é capaz de gerar oportunidades de trabalho aqui, além de contribuir para a mitigação de emissões – mesmo que a biomassa seja exportada. (EcoDebate)
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