terça-feira, 20 de outubro de 2009

Cinco anos depois, biodiesel fracassa na tentativa de incentivar agricultura familiar

Biodiesel fracassa na tentativa de incentivar agricultura familiar. Soja é responsável por 80% da produção do óleo; cultivo regional de mamona, girassol e dendê não deslancham.
Prestes a completar cinco anos, o programa nacional do biodiesel encontra grandes dificuldades de atingir seu objetivo principal: o incentivo à agricultura familiar, principalmente no Norte e Nordeste. A soja é hoje responsável por quase 80% da produção do combustível, com algum espaço para sebo bovino. Já mamona, girassol, dendê e outras culturas pensadas para regionalizar a produção ainda não saíram da fase de testes.
“O governo errou no timing. Pensou que a diversificação de matérias-primas se daria de maneira mais rápida e fácil do que realmente aconteceu”, reconhece o coordenador do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), Arnoldo de Campos. Segundo especialistas, o programa precisa de correção de rota, sob o risco de dependência excessiva do óleo de soja, commodity internacional cujos preços acompanham a Bolsa de Chicago.
Pelos dados do Ministério de Minas e Energia, o óleo de soja foi responsável por 78,7% de toda a produção de biodiesel no País em julho (dado disponível). O sebo bovino foi a segunda matéria-prima mais utilizada (14,6%) e o óleo de algodão, a terceira (4,1%). Apenas 2,6% do biodiesel produzido no Brasil foi proveniente de outras fontes. Naquele mês, a produção acumulada do combustível chegou a 800 milhões de litros.
O grande uso do grão como matéria-prima tem como reflexo a concentração regional da produção de biodiesel. De acordo com os dados do ministério, as Regiões Centro-Oeste e Sul do País foram responsáveis por 71,6% do combustível produzido em julho. As Regiões Norte e Nordeste, principais alvos do programa, produziram apenas 11,6% do total. O Centro-Oeste tem hoje a maior capacidade instalada para biodiesel no País: 1,2 bilhões de litros por ano.
“A soja não é a matéria-prima mais adequada, e a questão dos benefícios sociais do programa não vem se desenvolvendo”, comenta o pesquisador da Cepal Luiz Augusto Horta Nogueira, especialista em bioenergia. Ele sintetiza um consenso entre os especialistas consultados pelo Estado: além de ser pouco eficiente na produção de energia, a soja não incentiva a agricultura familiar em regiões mais pobres do País. “A questão da matéria-prima ainda não está equacionada”, concorda o professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ, Marcos Freitas.
Campos diz que o uso intensivo de soja nos primeiros anos do programa era esperado, até por razões econômicas. Trata-se de uma das culturas com maior escala de produção no País, o que facilita a logística e reduz custos. Primeira aposta do governo, o óleo de mamona custa hoje em torno de R$ 5 por litro. O biodiesel de soja foi vendido a R$ 2,30 no último leilão promovido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Ele admite, porém, que é necessário um esforço para acelerar o desenvolvimento de outras culturas. “Até para não passarmos pelos mesmos problemas de 2007, quando o óleo de soja subiu no mercado internacional, provocando prejuízos para os produtores de biodiesel.” As empresas são obrigadas a seguir preços dos leilões da ANP e não podem repassar eventuais variações do mercado internacional.
A mamona continua na linha de frente da estratégia do governo, mas ainda depende de incentivos da Petrobrás. A estatal tem três unidades produtoras de biodiesel, projetadas para uso intensivo de mamona por pequenos produtores, mas hoje dependentes de óleo de soja. “Vemos, em três anos, o surgimento de novas matérias-primas competitivas”, diz o presidente da Petrobrás Biocombustíveis, Miguel Rossetto, um dos criadores do PNPB.
O Ministério de Desenvolvimento Agrário tem pouco mais de 31 mil famílias cadastradas para produzir mamona para a fabricação de biodiesel com selo social. As empresas compradoras, como a Petrobrás, porém, preferem vender o óleo para a indústria química, que usa o produto na fabricação de lubrificantes. Campos afirma que já há tecnologia para melhorar o cultivo da mamona, mas é preciso disseminá-la entre os pequenos produtores.
Os especialistas apontam a palma e o pinhão manso como caminhos para atingir o objetivo de descentralizar a produção. Ambos podem ser cultivados nas Regiões Norte e Nordeste, com produtividade muito superior à da soja e da mamona. A palma, por exemplo, produz entre 4 e 6 mil litros por hectare por ano – no caso da soja, o número fica em torno de 800 litros. O pinhão manso pode produzir acima de 3,5 mil litros por hectare por ano.
O diretor da ANP, Allan Kardec Duailibi, defende um esforço para o desenvolvimento desta última. “É uma cultura que sobrevive a locais inóspitos”, argumenta. Para Horta Nogueira, porém, ainda não há conhecimento suficiente sobre o plantio em larga escala do pinhão manso. A palma, por sua vez, pode ser usada em áreas degradadas da Amazônia, com grande potencial de geração de empregos. A Vale, por exemplo, tem um grande projeto no Pará que deve abastecer as locomotivas que usa para escoar o minério de Carajás.
Segundo Campos, o governo iniciou uma série de zoneamentos agrícolas para identificar áreas para o desenvolvimento de novas matérias-primas para biodiesel. A soja, no entanto, continuará com papel preponderante nos próximos anos, já que o plantio de novas culturas leva tempo. No caso da Vale, por exemplo, as sementes compradas este ano só devem produzir biodiesel em 2014.

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