A “aliança do etanol” assinada por Brasil e EUA durante a visita do Presidente Bush ao país no início de março de 2007 precedeu ou deu visibilidade a uma série de debates sobre as fontes alternativas de energia, com ênfase especial aos biocombustíveis.
Nos EUA, o debate tende a revelar contornos geopolíticos muito fortes, pois sempre que os preços do petróleo sobem a questão da independência energética reaparece com força. No Brasil, o assunto ganha um tempero a mais, seja pela possibilidade econômica, real ou não, de se tornar a “Arábia Saudita das energias renováveis”, quanto pela perspectiva geopolítica de uma atuação mais relevante no cenário internacional. Por outro lado, não faltam críticas a esse caminho de utilizar alimentos como fonte de energia, colocando em risco ou agravando o problema da segurança alimentar mundial, ou mesmo pelo aumento dos preços dos alimentos com a redução da disponibilidade para o consumo.
Demanda crescente por petróleo
Quando se fala em independência energética nos EUA, geralmente a idéia é não necessitar mais importar petróleo, mas a história recente mostra que o país caminha para a direção oposta. Em 1973, no primeiro choque do petróleo, os EUA importavam 35% de tudo o que consumiam. Em 2004, essa demanda subiu para 55% do seu consumo anual de 7,45 bilhões de barris (25,5% do consumo mundial). Sem as importações de petróleo e descobertas de outros poços, as reservas norte-americanas seriam consumidas em um prazo de 4 a 5 anos. E para o futuro, a projeção de crescimento do consumo é de 37% para os próximos 20 anos, quando 67% de toda a sua demanda deverão ser supridas por importações.
Não depender do fornecimento dos países do Oriente Médio é uma idéia muito atraente à opinião pública norte-americana, sobretudo pela possibilidade de secar as fontes de recursos dos grupos terroristas. É igualmente interessante não ser o principal cliente de “petro- países” como a Venezuela de Chávez ou a Nigéria. Apesar de a independência energética ser fundamentada em fatos e objetivos importantes para a sociedade norte-americana, em termos práticos é uma perspectiva inviável nas próximas décadas para uma economia altamente industrializada.
Outras matrizes energéticas
Cerca de 70% de toda energia de base não carbônica dos EUA, é energia nuclear que causa preocupação quanto à segurança, tratamento dos seus resíduos e quanto à proliferação de armas. A capacidade atual de produção, aliada à necessidade de diversificar as fontes de energia, a não emissão de gases do efeito estufa (CO2, CH4 e N2O) e a falta de fontes alternativas viáveis no curto prazo deram novo impulso à indústria nuclear. China e Brasil têm planos de construir 9 novos reatores. Ao menos 16 países geram aproximadamente 25% de sua eletricidade a partir da energia nuclear; no Brasil, esse número está em 3%. Outras 24 instalações estão sendo construídas em 9 países e os EUA têm planos de aumentar sua capacidade de produção em 9% até 2025.
A demanda crescente por energia elétrica tem demonstrado que a substituição de matrizes poluentes, como o carvão, precisa ser considerada, mas dificilmente será abandonada no curto prazo. Nos EUA, onde o consumo em 2003 foi de 3,481 bilhões de kWh e tem projetado para 2025 o consumo de 5,200 bilhões de kWh, 50% de toda eletricidade vem do carvão, e sua reserva é estimada para 250 anos de consumo. A energia solar é responsável por apenas 2% da geração de eletricidade nos EUA, sobretudo pelo elevado custo.
Os biocombustíveis têm sido amplamente debatidos nos últimos meses. As análises, previsões e premissas apresentadas, tanto na defesa quanto no ataque a essa matriz energética, são tão diversificadas e, muitas vezes conflitantes, que ainda é difícil de chegar a um consenso das reais possibilidades. O que fica muito claro é o forte lobby realizado por investidores, conservacionistas e governos que enxergam uma excelente possibilidade de auferir lucros econômicos e políticos acerca deste debate. Por isso, não raro as informações são distorcidas, adulteradas e colocadas fora de contexto. Mas, em pelo menos 2 pontos existe um “consenso”: 1) o petróleo vai acabar e 2) é necessário reduzir a emissão de CO2.
“As reservas de petróleo terminarão em 20 ou 30 anos”
Há 70 anos, previu-se que o petróleo acabaria no ano 2000. A previsão atual dos financistas e empreendedores visionários, tipo George Soros (que tem investido pesadamente na produção do etanol no Brasil), é que dure mais 20 ou 30 anos, mas há quem admita mais 50 anos. Já os intelectuais, sobretudo norte-americanos, dizem que esse prazo não é real, pois há muito ainda a ser explorado em águas profundas. Se for verdade, a Petrobras, líder mundial em exploração em águas profundas, virá a exercer um papel central no processo e, talvez, aumentar o restrito grupo das Five Bullies (Exxon-Mobil, Chevron-Texaco, British Pet roleum-Amoco-Arco, Royal Dutch Shell e Conoco- Phillips).
“Os biocombustíveis podem substituir o petróleo”
Pouco provável no médio prazo. Apesar de ser facilmente adaptável aos meios de transporte e armazenagem utilizados atualmente pelas distribuidoras e postos de combustíveis (o que não ocorre com o hidrogênio ou energia elétrica), a matemática não fecha. O consumo atual de petróleo é de 80 milhões de barris/dia ou 4.642,8 bilhões de litros/ano. A “aliança do etanol” foi assinada entre EUA e Brasil, respectivamente o primeiro e segundo maiores produtores de bioetanol do mundo, totalizando 80% de toda a produção mundial, que é de 43,4 bilhões de L/ano.
Desses, os EUA são responsáveis por 18,0 bilhões e o Brasil por 16,7 bilhões de L/ano. O total de bioetanol produzido no ano não seria capaz de suprir um mês do consumo norte americano.
Além disso, o etanol não possui calor latente para ser utilizado nos climas mais frios do hemisfério Norte.
“O bioetanol é uma saída viável para a redução das emissões de CO2”
O modelo norte-americano de extração do etanol a partir do milho pode ser muito nocivo ao meio ambiente. Ao depender de uma agricultura intensa e utilizar pesticidas e fertilizantes, que liberam muito NO2 (óxido nitroso) na atmosfera, pode poluir mais que outros combustíveis, inclusive emitirem mais CO2 que o petróleo. Já o etanol produzido pelo modelo brasileiro, a partir da cana-de-açúcar, é menos nocivo ao meio-ambiente e o CO2 emitido é capturado pela maior área plantada.
O protocolo de Kyoto estabeleceu metas para que os países industrializados reduzam, no período de 2008-2012, em 5,2% (em relação aos níveis de 1990) a emissão de gases que agravam o efeito estufa. Independentemente das idas e vindas nas negociações que têm postergado a assinatura do protocolo, já existe um sinal claro das nações industrializadas em buscar essa redução a partir da adição de etanol na gasolina. Os EUA, principal obstáculo das negociações, concordaram em adicionar 20% de etanol na gasolina nos próximos 10 anos; União Européia adicionará 10% até 2020. Além desses, China, Japão, Itália, Noruega, Venezuela e México já importam o produto do Brasil.
O resultado desta estratégia será benéfico ao meio-ambiente na medida em que 0,71 Kg de CO2 deixam de ser jogados na atmosfera a cada litro de etanol utilizado em substituição à gasolina.
“O Brasil será a ‘Arábia Saudita’ das energias renováveis”
É um exagero. Para o Brasil, a intenção dos países industrializados em adicionar etanol à gasolina é uma oportunidade de negócios muito importante. Atualmente o país é líder mundial na exportação de etanol, contabilizando 3,406 bilhões de litros em 2006. Dos 62 milhões de hectares atualmente cultivados no Brasil, houve um salto de 1,4 milhões em 1993 para 3,0 milhões em 2003 (+ 53%) de área destinada à cana-de-açúcar, e há mais 22 milhões de hectares propícios a receber este cultivo, sem necessidade de desmatamento. Estima-se que o aperfeiçoamento tecnológico permitirá a estes mesmos 3 milhões de hectares produzir 100% a mais nos próximos 10 anos.
Em termos de demanda, só nos EUA projeta-se que o consumo irá triplicar nos próximos anos, algo que o país não terá condições de suprir internamente. A “aliança do etanol” é um movimento claro dos EUA em direção à América Latina, entendido como o fornecedor natural para o mercado norte-americano.
Esse cenário tem atraído ao Brasil investidores internacionais como o mega-especulador George Soros, Bill Gates (Microsoft), Steve Case (AOL), Richard Branson (Virgin), Larry Page e Sergei Brin (Google). O investidor Vinod Khosla e o ex-presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, formaram a Brazilian Renewable Energy Co. (Brenco), cuja produção será voltada exclusivamente para os mercados internacionais. O Carlyle Group e Riverstone Holdings já anunciaram planos de investir mais US$ 240 milhões no Brasil. Além desses, algumas figuras conhecidas localmente: Armínio Fraga (ex-discípulo de Soros), Luiz Cezar Fernandes (criador do Pactual), Jonas Barcelos (dono da Brasif e da Meta Asset Management).
Os investimentos totais já somam US$ 17 bilhões em novos projetos.
Apesar das projeções de crescimento, ainda assim será gigantesca a distância entre a produção de petróleo e etanol para justificar tanto entusiasmo em relação a ser uma “Arábia Saudita” das energias renováveis. Com 325 destilarias e mais 80 em construção, o Brasil espera produzir 20,21 bilhões de litros em 2007, um crescimento de 21% em comparação a 2006. Na mesma linha, com 110 destilarias e mais 48 em construção, os EUA esperam chegar aos 28 bilhões de litros em 2012 (+ 55,5% em relação a 2006).
No continente americano, estima-se que o potencial de produção chegue a 200 bilhões de litros ao ano.
O etanol pode ajudar a redesenhar o mapa geopolítico da região
A idéia de criar mecanismos de cooperação em tecnologia do etanol entre Brasil e EUA é apenas um ponto da “aliança do etanol”. Outro objetivo essencial é a promoção deste combustível, na América Latina e Caribe, como alternativo e aditivo ao petróleo, além de utilizar um combustível renovável como fator de integração das Américas. Com programas já em andamento na Colômbia, Equador, República Dominicana, El Salvador, Guatemala e Honduras, o governo norte-americano entende que, com a ajuda do Brasil, o programa servirá para recuperar sua influência na região, isolando o venezuelano Hugo Chávez e seu “discípulo” boliviano Evo Morales.
Para impulsionar esta ação, foi criada em dezembro de 2006 a Comissão Interamericana do Etanol, fruto do acordo bilateral Brasil-EUA. Liderada por Jeb Bush (ex-governador da Flórida e irmão do presidente Bush), Roberto Rodrigues (ex-ministro da Agricultura do Brasil) e Luis Alberto Moreno (presidente do BID), sua atuação será através do incentivo à integração técnico-científica, avaliação de investimentos, incentivo a projetos, promoção de painéis e “pressão” sobre os governos locais para criarem legislação que incentive o uso do etanol.
A idéia de criar uma “OPEP do etanol”, tendo o Brasil como um dos seus líderes, é uma forma de minar a influência e o poder de Chávez na região, além de exercer certa pressão sobre Cuba, pós-Fidel, para que esta dê uma guinada em direção a uma economia de mercado.
O crescimento da energia renovável abre um espaço muito interessante para o Brasil, único país do mundo que domina este ciclo da energia, pela afirmação de Felipe Gonzáles, ex- primeiro Ministro da Espanha. Outro ponto a favor do Brasil é a perspectiva de haver mais petróleo em águas profundas. Desta forma, o Brasil passaria a ser elemento chave nessas duas vertentes energéticas, e não apenas nas commodities, sobretudo na exportação de tecnologia, usinas montadas e carros flex fuel, agregando valor ao conhecimento adquirido com as duas matrizes energéticas.
A escolha norte-americana por Jeb Bush como um dos líderes do projeto também faz parte de uma estratégia com vistas à disputa presidencial de 2012 nos Estados Unidos. Com um case de sucesso, moderno e ambientalmente correto, seria possível reverter o prejuízo contabilizado pela família Bush com o desastre no Iraque.
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