Há poucos dias das eleições para presidente, governadores, senadores e deputados (estaduais e federais), brada-se a bandeira da importância do exercício cívico com discursos sobre a necessidade do voto consciente – ainda que presenciemos absurdos morais como a discussão de permitir-se ou não que candidatos com “ficha suja” sejam eleitos.
Entre as centenas de facetas a serem examinadas – e a tarefa não é fácil – está a de verificar o real papel de nossos representantes, e aqui falo em especial dos legisladores. Legislar não pode ser uma atividade que se faça por fazer, apenas para “cumprir tabela” ou para “inglês ver”. Não tive a curiosidade – e nem a coragem de desperdiçar tempo nesta tarefa – de verificar quantas proposições “idênticas” tramitam pelos corredores de nossa Casa Legislativa, quantos deputados e senadores pegam carona em “assuntos da onda” para marcar presença sem verificar se o assunto já não está presente nas pautas de votação.
O exemplo que mais rápido me socorre é o caso das energias renováveis, em especial a fonte eólica, caminho em que transito com certa facilidade por ser minha área de atuação profissional. Por qualquer ângulo que se analise a energia eólica, os números são gigantescos. O potencial brasileiro para a exploração dos ventos anima investidores de todo o mundo. Os valores envolvidos na construção de um parque eólico possuem muitos zeros antes da vírgula e a dimensão em peso e tamanho dos equipamentos – apenas para citar alguns exemplos – são de extraordinária grandeza.
Com tanto potencial e valores envolvidos é natural que as atenções voltem-se para o setor, que também passa a reclamar medidas legislativas para que possa se desenvolver, em especial porque enfrentamos no Brasil dificuldades e travas decorrentes da falta de um marco regulatório específico, claro e sobretudo eficiente.
Há muito ainda a ser feito em matéria legislativa para o desenvolvimento sustentável da energia eólica no Brasil, mas este “muito a ser feito” precisa sê-lo de forma séria e, repito, eficiente. Infelizmente não tenho testemunhado êxitos neste sentido.
Cito como paradigma a notícia que recentemente se divulgou no site da Câmara dos Deputados sobre a tramitação do Projeto de Lei no 7737/10, que obriga todas as empresas do Sistema Interligado Nacional (SIN) a contratar anualmente, por meio de licitação, 250 megawatts de energia produzida por fonte eólica. “Proposta obriga distribuidoras a contratar energia eólica” é o título do “anúncio”. Ora, cadê a novidade?
Sem embargo da nobreza da preocupação dos legisladores brasileiros em tratar do tema – que de fato reclama medidas legislativas de desenvolvimento do setor –, não me furto em levantar objeção à pletora de projetos que engrossam a pauta das sessões como se o assunto fosse novidade e as propostas insígnias do compromisso dos legisladores com o crescimento de uma indústria de energia eólica competitiva.
Propõe o PL 7737/10 em seu art. 1o: “Esta lei estabelece a obrigatoriedade de contratação, por meio de licitação na modalidade de leilão, de energia elétrica produzida a partir de fonte eólica a ser agregada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). § 1º As concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétrica do SIN deverão, a partir de 2012, por um período de vinte anos, contratar, anualmente, uma capacidade mínima duzentos e cinquenta megawatts médios da energia elétrica de que trata o caput”.
O PL 630/2003, que tramita na Câmara por sete arrastados anos e está desde dezembro/2009 parado na Mesa Diretora da Câmara aguardando julgamento de recurso que busca a discussão do projeto pelo Plenário, tem a redação de seu art. 2o muito semelhante ao “novo” PL 7737: “as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN deverão, a partir de 2011, por um período de dez anos, contratar, em conjunto, anualmente, por meio de licitação na modalidade de leilão, uma capacidade mínima de geração de energia elétrica de: I – 200 megawatts (MW) médios provenientes da fonte eólica”.
Nesse quesito só não posso chamar as propostas de “idênticas” porque divergem “na matemática”. Enquanto o “velho” PL 630 pretende contratações decenais de 200 MW, o “novo” PL 7737/2010 quer contratos vintenários de 250 MW. Insisto: cadê a novidade?
Sem entrar na discussão da viabilidade ou não das quantidades propostas (200 ou 250 MW são quantidades exequíveis e suficientes?), assunto que delego aos técnicos do setor, não dá para ignorar a falta de propósito da proposta. Há sete anos já se espera que a Câmara decida, entre outras questões presentes no PL 630/2003, se as concessionárias, permissionárias e autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétrica do SIN, serão ou não obrigadas a contratar anualmente determinada quantia de energia elétrica proveniente de fonte eólica.
Se fosse possível afastar a falta de propósito da proposta, como mérito fica o aparente crédito que o PL 7737 deposita na “agilidade” da tramitação, já que dispõe como ponto de partida o ano de 2012 (2 anos após a data do projeto), ao passo que o PL 630/2003 imaginou que tudo estaria aprovado em 2011, oito anos depois de proposto, prazo que já ficou obsoleto porque nos três meses que nos separam de 2011 certamente o projeto não chegará na reta final do caminho legislativo (depois da Câmara deve seguir para o Senado e regressar para a Câmara caso haja alteração de texto). (ambienteenergia)
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