Faltam políticas públicas para eficiência energética e fontes renováveis
“O Brasil, especialmente em algumas fontes, tem toda a capacidade de inovar e ter um papel importante no panorama internacional, competitivamente”, disse o matemático Gilberto de Martino Jannuzzi, na entrevista que concedeu por telefone, nesta semana, à IHU On-Line. Docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na Faculdade de Engenharia Mecânica, Departamento de Energia, ele acredita que prospecção tecnológica é algo importante para o futuro e “não podemos perder essa chance de jeito nenhum”.
Jannuzzi é graduado em Matemática pela Unicamp e doutor em Energy Studies, pela Universidade de Cambridge, Inglaterra, com a tese The structure and development of the persoal demand for fuels and electricity in Brazil. É pós-doutor, pela Universidade da Califórnia, EUA, pelo UNEP Collaborating Centre on Energy and Environment/Risoe Nat. Laboratory, UNEP CENTRE EE, Dinamarca, e pelo Lawrence Berkeley National Laboratory (LBNL), também nos EUA. Livre docente pela Unicamp, é autor de inúmeros artigos técnicos e das seguintes obras, escritas em parceria com outros pesquisadores: Introdução ao estudo do planejamento de sistemas energéticos (Campinas: Unicamp, 1994); Tools and methods for Integrated Resources Planning: improving energy Efficiency and protecting the environment (Rolskilde, Dinamarca: UNPE Collaborating Centre on energy and environmet, 1997); Planejamento integrado de recursos energéticos: meio ambiente, conservação de energia e fontes renováveis (Campinas: Autores Associados, 1997); e Prospecção tecnológica em energia (Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2005). De sua autoria individual, destacamos: Políticas públicas para eficiência energética e energia renovável no novo contexto de mercado: uma análise da experiência recente dos EUA e do Brasil (Campinas: Editora Autores Associados, 2000).
IHU On-Line – O que significa a opção do Brasil pelo sistema energético de hidrelétricas?
Gilberto Jannuzzi – É uma opção natural e razoável para um país que tem o potencial que tem. Não é nada surpreendente. Países que têm uma reserva grande, como Brasil, Noruega e Canadá, possuem uma participação correspondente na sua matriz de produção de eletricidade.
IHU On-Line – Quais são os limites do sistema hidrelétrico atual?
Gilberto Jannuzzi – Os limites sempre são ditados pela capacidade que um país tem de produzir a energia de maneira economicamente atraente. É uma combinação da distância dessas reservas de hidroeletricidade e dos centros de consumo, em comparação com as outras fontes de geração de energia elétrica.
IHU On-Line – E, hoje no Brasil, o senhor vê algum tipo de limite desse gênero?
Gilberto Jannuzzi – Já começamos a enfrentar limites no que se refere aos custos. Os empreendimentos começam a ficar mais caros, já ficam mais distantes do centro de consumo, e essa é uma razão que os encarece. Esses empreendimentos começam a ter que incorporar novas exigências que, no passado, eram menos levadas em conta, especificamente a questão ambiental e de deslocamento da população. Esses são os limitantes que vão começar a agravar o processo da participação da hidroeletricidade na matriz brasileira.
IHU On-Line – O sistema hidrelétrico, estruturado para projetar energia em grande escala, poderá se tornar ultrapassado?
Gilberto Jannuzzi – Há várias maneiras de produzir eletricidade. Usamos a hidroeletricidade, mas também aqui no Brasil se usa a energia nuclear e de termoelétricas. O que vai começar a acontecer é uma diversificação das maneiras de produzir eletricidade. Teremos crescentemente a participação de outras fontes, inclusive de energia eólica, que aí no sul começa a ser importante.
IHU On-Line – Que modelo de planejamento energético deveria ser adotado no Brasil, para garantir a distribuição de energia no futuro?
Gilberto Jannuzzi – Aqui na Unicamp, temos trabalhado bastante dentro de um conceito que chamamos de planejamento integrado de recursos energéticos. E entendemos que faz parte do processo de planejamento não ficar apenas preocupado com a oferta de energia, mas também olhar a maneira como estamos consumindo energia, se não podemos também evitar desperdícios, investir em maneiras mais eficientes de consumir eletricidade e todos os combustíveis. Por isso, é importante integrar as opções de oferta e demanda.
IHU On-Line – Como o Brasil pode reformular a estrutura de produção e consumo de energia, e ao mesmo tempo, controlar o crescimento de emissão de gases estufa?
Gilberto Jannuzzi – Nós realizamos um estudo específico para eletricidade, no ano passado, para a WWF, onde fizemos esse tipo de hipótese. E sugerimos maneiras de estabilizar o nível de emissões, mas continuar atendendo a população com os serviços de eletricidade. O estudo trabalha muito a questão da eficiência energética, que nós podemos melhorar bastante e também analisa uma maior participação de fontes renováveis. Essa é a estratégia possível para estabilizar as emissões do setor.
IHU On-Line – Qual é a importância de pensar numa prospecção tecnológica ampla para a área de energia?
Gilberto Jannuzzi – Isso é fundamental. O Brasil, especialmente em algumas fontes, tem toda a capacidade de inovar e ter um papel importante no panorama internacional, competitivamente. A biomassa é um dos elementos em que temos vantagens comparativas, recursos e capacidade intelectual, mesmo do setor industrial, de desenvolver tecnologias de ponta, que possam ser utilizadas em muitos outros lugares pelo mundo afora. A prospecção tecnológica é algo importante para o futuro e não podemos perder essa chance de jeito nenhum.
IHU On-Line – Que medidas devem ser tomadas para criar uma matriz energética limpa?
Gilberto Jannuzzi – No estudo que fizemos para a WWF, elencamos nove medidas que ajudariam a ter uma matriz mais limpa, tentando reverter, no caso da eletricidade, o aumento da participação de fontes fósseis e o aumento das emissões. Naquele estudo, há detalhes dessas sugestões para tornar nossa matriz de eletricidade mais limpa. Tudo passa por uma necessidade de tornarmos a nossa estrutura de consumo muito mais eficiente do que ela é hoje, e também de um esforço forte para viabilizar uma maior escala na utilização de fontes renováveis que não a hidroeletricidade de grande porte.
IHU On-Line – Se existem opções energéticas para o Brasil, com grande potencial de uso como a eólica, a solar ou a de biomassa, por que a demora em investir nessas alternativas?
Gilberto Jannuzzi – Existem várias dificuldades. Essas alternativas têm também vários problemas, que é importante serem considerados. Um deles é que são fontes de energia mais caras. Outro problema é o da nossa escala de consumo, com grandes exigências de energia. E essas fontes são descentralizadas, de pequeno porte, não são constantes, ou seja, não duram o ano inteiro. Elas têm uma série de dificuldades, e não poderíamos estar somente dependendo delas. O que temos que fazer é saber usar todas essas fontes. Todas elas podem ter um papel importante. No entanto, nossos planejadores não têm sido muito criativos. São preferidas fontes convencionais, porque o planejamento do País ainda privilegia essas soluções. Também não podemos negar que existem grandes interesses, já mobilizados, em favor das fontes convencionais e existe maior dificuldade de mobilização desses mesmos interesses econômicos e políticos em favor das fontes renováveis. Esse é um outro fator importante. Não é só uma questão técnica nem econômica, mas também envolve a participação de agentes que têm maior interesse na solução tecnológica convencional.
IHU On-Line – Que relações o senhor estabelece entre a eficiência energética brasileira e a americana, no livro Políticas públicas para eficiência energética e energia renovável no novo contexto de mercado: uma análise da experiência recente dos EUA e do Brasil?
Gilberto Jannuzzi – No caso dos Estados Unidos, durante muito tempo, eles tiveram um papel bastante inovador, exatamente concebendo essas políticas e criando um mercado. Eles tiveram grandes oportunidades, grandes experimentos, criando um mercado para fontes renováveis e eficiência energética. Nessa Era Bush, muito foi erodido, mas conseguimos ver novamente um papel importante dessas políticas públicas em vários estados, na Califórnia, por exemplo, e a questão ambiental sendo o pano de fundo para essas mudanças. No Brasil, ainda não temos nada nessa escala. Não temos uma política pública para a eficiência energética e não temos uma política pública para fontes renováveis ainda. Essa é uma grande diferença que nós ainda guardamos em relação aos Estados Unidos. (EcoDebate)
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