O crescimento da energia
limpa pode alimentar um dos setores industriais mais sujos do mundo.
Um homem carrega cobalto não refinado perto de
uma mina no sudeste da República Democrática do Congo.
Uma das ironias da transição
para a energia limpa é que teremos que minerar muita porcaria da Terra para
fazer isso. De maneira similar aos nossos computadores e celulares, turbinas
eólicas e painéis solares são dispositivos de alta tecnologia, cuja produção
também demanda um punhado de metais e minerais espalhados por toda a tabela
periódica— e por todo o planeta também.
Isso inclui elementos que,
hoje, vem de partes do mundo com governos instáveis ou onde a fiscalização
precária leva à exploração de mão de obra e à violência. Um relatório recente
alerta que a transição para a energia limpa pode fomentar novos conflitos pela
mineração de minerais raros, cobalto, lítio e uma série de
outras matérias-primas muito necessárias, a menos que as empresas e os governos
tomem medidas proativas para evitar que isso aconteça.
Muitos desses materiais serão
difíceis de substituir em larga escala. Nós precisamos de metais de terras
raras, por exemplo, para produzir os poderosos ímãs das turbinas eólicas
modernas, enquanto a alta densidade de energia do lítio para baterias o
torna a escolha preferida para montadoras de veículos elétricos. Até
aperfeiçoarmos a reciclagem desses minerais, a principal opção continua
sendo minerá-los.
“Este relatório foi
estimulado por conversas sobre o papel da mineração em uma transição para uma
economia de baixo carbono”, diz a coautora do documento, Clare Church, do
Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável. “Nós notamos que
havia um vácuo no que diz respeito às discussões sobre governança.”
Para começar a preencher essa
lacuna, o relatório identifica 23 principais metais e
minerais necessários para construir a infraestrutura verde de amanhã, incluindo
turbinas eólicas, painéis solares, veículos elétricos e baterias, cuja
demanda deve “crescer exponencialmente até 2050”.
Os autores mapearam reservas
de mineração estabelecidas para metais críticos e cruzaram com informações
sobre a fragilidade e a corrupção dos Estados, como forma de identificar potenciais
pontos de conflitos.
O resultado disso?
“Reservas
significativas” de todos os 23 metais verdes e minerais cruciais estão
localizados em potenciais zonas de conflito, concentradas na América do Sul, na
África Subsaariana e no Sudeste Asiático.
Alguns desses locais, como a
República Democrática do Congo, já foram alvos de um escrutínio internacional
por causa de violações de direitos humanos no setor de mineração, incluindo o
uso de trabalho infantil forçado em minas de cobalto.
Além disso, espera-se que as
reservas de cobalto do país — estimadas em 50% do total global — se tornem
ainda mais importantes no futuro, já que empresas como Apple e Samsung, que usam este metal em seus smartphones,
competem com a demanda de setores emergentes, com a indústria de baterias de
íons de lítio.
Zimbábue, lar de uma das
maiores reservas de lítio do mundo, deve testemunhar um grande aumento da
extração do mineral nos próximos anos, o que traz preocupações sobre futuros
abusos de direitos humanos, como já aconteceu nas minas de diamantes no país.
A
mineração de metais de terras raras — atualmente concentrada na China, onde
algumas comunidades já pagam a conta tóxica — deve crescer junto com a
demanda no setor de energia eólica. E a lista segue adiante.
Reservas globais de cobalto (verde brilhante)
e de metais de terras raras (verde escuro) mapeadas em países codificados por
cores pelo seu “índice de fragilidade”, com cores mais quentes indicando um
estado mais frágil e propenso a conflitos.
Nada disso é surpresa para
David Abraham, membro sênior do Instituto para a Análise da Segurança Global e
especialista em indústrias de metais raros. “O conflito pode chegar a qualquer
lugar”, diz ele ao Gizmodo, acrescentando que toda vez que cavamos depósitos de
fácil acesso, isso cria escassez adicional, o que pode incentivar as empresas a
se voltarem para fontes mais sombrias.
De modo geral, a questão já
está no radar da indústria de tecnologia, afirma Abraham, e empresas como a
Apple adotaram medidas para
garantir suas cadeias de suprimentos.
Church espera que este
relatório estimule o setor de tecnologia limpa a se antecipar aos problemas
futuros da cadeia de suprimentos. Isso inclui recomendações tanto para o setor
privado quanto para o setor público ajudarem a tornar a transição de energia
verde mais justa, como maior transparência na cadeia de suprimentos, mais
cooperação com as minas artesanais de pequena escala e reforço e ampliação das
regulamentações existentes, como as leis 3TG da
União Europeia — 3TG significa tin (estanho), tungsten (tungstênio), tantalum
(tantálio) e gold (ouro); essas leis existem para garantir que a extração
desses minerais na República Democrática do Congo não incentive conflitos
armados.
Não há dúvidas de que uma
transição de energia limpa precisa acontecer para evitar os piores impactos das
mudanças climáticas. Vamos torcer para que isso não aconteça às custas de
alguns dos trabalhadores e regiões mais vulneráveis do mundo.
(gizmodo)
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