Na batalha contra a emissão
de gases causadores do efeito estufa, a União Europeia tem apostado neste ano
em uma medida polêmica entre os ambientalistas: considerar a energia nuclear
como energia verde. A decisão apresenta uma forte motivação econômica, já que
países investidores em sistemas sustentáveis podem obter empréstimos mais
abrangentes para financiar a geração de energia. Ao mesmo tempo, devido às
sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia, a energia nuclear também
passou a ser objeto de discussão entre governantes que buscam a substituição
para o gás e o petróleo russos.
Hoje,
segundo dados da Associação Nuclear Mundial (WNA, na sigla em inglês), existem
usinas nucleares em operação em pelo menos 30 países, com mais de 400 reatores
em funcionamento, o que inclui o Brasil, com as usinas Angra 1 e 2, no Rio de
Janeiro. Essas estruturas são responsáveis por 10,4% da energia elétrica
produzida no mundo todo.
Embora
estejam diretamente relacionadas a acidentes que provocaram devastação nas
regiões de Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão, as usinas nucleares
podem ser consideradas seguras? Quais os impactos da geração de energia
nuclear? Ecoa ouviu especialistas na área para explicar essas e outras questões
sobre o assunto.
Como
funciona a geração de energia nuclear?
O
professor Celso Duarte, do Departamento de Física da Universidade Federal do
Paraná (UFPR), explica que a energia nuclear é a energia existente dentro do
núcleo dos átomos, a menor parcela de um elemento. Ocorre que os seres humanos
não fazem uso diretamente desse tipo de energia. Para isso, é necessário um
meio indireto. Reatores nucleares recebem pastilhas de urânio ou plutônio, que
passam por um processo de fissão, ou seja, uma quebra.
Esse
processo libera a chamada energia nuclear. "Quando se consegue liberar
essa energia do núcleo do átomo, uma grande quantidade de calor é produzida.
Esse calor é aproveitado, então, em um sistema para aquecer água, que se
transforma depois em vapor. É o vapor que impulsiona turbinas do gerador de
energia elétrica", diz.
Áágua que tem contato com o reator, por sua vez, permanece em um circuito fechado, a fim de ser reutilizada. Duarte observa que esse processo de aquecimento que, ao final, resulta em energia elétrica é parecido com o sistema das usinas termoelétricas que usam carvão. No entanto, no caso das usinas nucleares, não existe geração de dióxido de carbono, por não existir queima de combustíveis fósseis.
A energia produzida é limpa?
Do
ponto de vista da emissão de gases poluentes, sim. No entanto, as usinas nucleares
apresentam outros pontos envolvendo o meio ambiente que merecem atenção. Um
deles é a extração do urânio, atividade de mineração que pode impactar o solo e
a água, elenca o professor da UFPR. No caso do urânio tem-se, ainda, uma
matéria-prima que não é renovável.
Outro
ponto de destaque sobre os impactos das usinas nucleares é a geração de
resíduos. "Chega uma hora em que essas pastilhas já geraram todo o calor
que podiam, mas continuam radioativas", observa Duarte, acrescentando que
os subprodutos do urânio, por exemplo, precisam ficar acondicionados em
tambores especiais para evitar a contaminação do meio ambiente por material
radioativo.
Esse
tempo de armazenamento, salienta o professor Luís Mauro Moura, da Escola
Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pode chegar
a milhões de anos, dependendo do material radioativo. O urânio, por exemplo,
precisa ser trocado a cada três anos nos reatores. "É um material
cumulativo, de alto risco pelo tempo que precisa ser estocado. É como se
deixássemos uma herança de milhões de anos", pontua.
Moura
assinala que, no caso do plutônio, países como a França costumam reciclar esse
tipo de material. Contudo, esse é um processo que pode ser dificultado pelo
volume de resíduos gerados.
Quais
os riscos gerados pelos resíduos nucleares?
Um
desses riscos é o de vazamento, analisa o professor da Escola Politécnica da
PUC-PR. Ele explica que os resíduos vão para tanques metálicos que, dependendo
da tecnologia empregada, são postos em grandes piscinas que são concretadas
posteriormente. Com o passar do tempo, entretanto, podem ocorrer rachaduras por
causa do aquecimento provocado pelo resíduo nuclear.
Os
vazamentos de material radioativo podem afetar tanto o solo quanto lençóis
freáticos nas imediações. "Houve uma época em que a Alemanha enviava
resíduos para serem estocados na África. Mas, mesmo com isso sendo estocado em
cavernas, havia o risco de terremotos e a proteção ao urânio ser quebrada,
provocando o vazamento do material no solo", comenta Moura.
Ele recorda que, na década de 1980, o Brasil registrou um acidente radioativo em Goiânia (GO), envolvendo Césio-137, e até hoje isso gera preocupação entre especialistas.
Estádio Olímpico de Goiânia em 1987 nos trabalhos de contenção da tragédia do Césio 137.
Um
equipamento de radioterapia abandonado onde funcionava uma antiga clínica foi
encontrado por catadores de papel, que procuravam chumbo para vender para um
ferro-velho. Uma única capsula com o componente radioativo foi aberta e
fragmentos do material, na forma de um pó azul brilhante, foram espalhados por
diversos locais da cidade. Mais de 100 mil pessoas tiveram de ser monitoradas,
sendo que quatro faleceram. Outras dezenas tiveram complicações, em maior ou
menor intensidade, em decorrência do contato com a radiação.
Passados mais de 30 anos, grupos ainda medem a propagação da radiação na região para ter certeza de que não há riscos de contaminação do aquífero guarani, reserva subterrânea de água doce que abrange o estado de Goiás e outras regiões do país. "E tudo isso aconteceu com uma quantidade muito pequena de material", observa o professor, ao citar também o caso de Chernobyl como mais uma situação que precisa de constante monitoramento após o acidente nuclear.
Qual o impacto da radiação em seres humanos?
Em
caso de acidente com resíduos radioativos ou usinas nucleares, Moura destaca a
possibilidade de queimadura por radiação e mutações. Ambas podem levar à morte.
"Em grandes concentrações, a radiação mata as células. Em doses menores,
pode gerar mutações ou alterações genéticas, como o câncer", salienta.
0ª publicação Ele acrescenta que pessoas
que trabalham em áreas envolvendo esse tipo de material também devem seguir uma
jornada diferenciada devido à possível exposição à radiação. "Na França, o
plutônio que será reciclado segue de trem para uma usina na região da Bretanha.
A estrada de ferro, uma área fechada, por onde passam esses trens já tem uma
radiação residual. Então, quem trabalha na linha férrea já tem um tempo menor
de trabalho por causa disso", exemplifica.
Usinas
nucleares são seguras?
Sim, desde que o controle, incluindo o de rejeitos nucleares, seja eficaz, apontam os professores da PUC-PR e da UFPR. Duarte ressalta que é preciso que haja pressão junto ao setor para que existam critérios rigorosos na manutenção dessas usinas. "Países mais desenvolvidos acabam tendo um contexto cultural mais aprimorado e uma consciência social maior, então o nível de exigência acaba sendo maior", acredita ele.
Moura, por outro lado, lembra que ter uma usina segura custa caro. E, dependendo do interesse econômico envolvido, os níveis de segurança podem ser baixados, a fim de baratear o custo da energia produzida. É neste ponto que os riscos aumentam. "Com isso, uma hora acontece um acidente", lamenta. (uol)