Os
investimentos em fontes renováveis de energia, como a eólica e a solar, têm
crescido cada vez mais em meio a preocupações com as mudanças climáticas e a
contribuição dos combustíveis fósseis. Mas, além desses recursos ainda
aproveitados principalmente na terra, o mundo começa a voltar os olhos para
outra região com grande potencial energético: os oceanos.
Uma
região oceânica pode gerar energia de diversas formas, afirma Segen Estefen,
professor de engenharia oceânica da UFRJ. É possível produzir energia a partir:
• Do
movimento das ondas
• Pela
variação de temperatura entre a superfície e o fundo do mar
• Pelas
correntes oceânicas
• Por
um processo de osmose entre a água salgada e a doce
• Pelas
marés
Atualmente,
porém, são as ondas e as marés que possuem as tecnologias mais avançadas para
geração de energia.
Produção
pelas marés e pelas ondas
A
produção pelas marés é dividida em dois tipos: pelo movimento vertical das
marés, de baixa e alta, que é conhecida como energia maremotriz, e pelo
movimento horizontal.
Mas
isso não significa que qualquer região oceânica pode ser usada para a geração
de energia. Juliane Taise Piovani, doutoranda em energia na UFABC, afirma que
uma usina maremotriz demanda uma maré de, no mínimo, sete metros para
funcionar, enquanto a de movimento horizontal exige uma velocidade média de
pelo menos 2 metros por segundo.
“O
mais comum é represar a maré alta e depois deixar fluir na maré baixa, passando
por uma turbina e gerando eletricidade. Isso é uma usina maremotriz, o fenômeno
das marés gerando eletricidade”, diz Estefen.
Já
em relação às ondas, o ideal é ter 1,6 metros de profundidade, mas a velocidade
e posição dos ventos também influenciam na capacidade de geração.
Hoje,
a energia maremotriz é mais aproveitada ao redor do mundo do que a de ondas,
com tecnologias mais desenvolvidas e usinas em países como França, Canadá e
Coreia do Sul.
“Existem
centenas de técnicas diferentes para fazer esse aproveitamento [de energia
pelas ondas], muitas são patenteadas, tanto no Brasil quanto no exterior, não é
uma convergência como, por exemplo, na eólica”, afirma.
Potencial
energético
Segundo
a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil possui hoje 150 GW de potência
energética instalada, com uma predominância da energia hidrelétrica. Estefen
afirma que, considerando apenas a região costeira, o país teria um potencial
energético de 120 GW no oceano.
“Esse
é o total, mas em partes a gente não pode instalar [usinas] por questões
envolvendo lazer, rota marítima, base militar, local de pesca”, diz. Assim,
considerando essas questões, o potencial ficaria próximo de 30 GW ou 40 GW,
equivalente a cerca de ¼ da capacidade atual do país.
Esse
potencial também varia no Brasil, já que as características de ondas e marés
não são as mesmas em todas as regiões. “As ondas predominam do Ceará até o Rio
Grande do Sul, e as marés predominam do Maranhã para o Norte. É algo
complementar”, diz.
O
potencial de geração das ondas, cerca de 90 GW, é, portanto, maior do que o das
marés, de pouco mais de 20 GW e, por isso, Piovani considera que o perfil
brasileiro seria de “aproveitamento das ondas”. Mas, mesmo com todo esse
potencial, ainda existem muitos desafios para o uso dessas fontes de energia.
O
próprio processo de instalação de uma usina já é demorado. É necessário fazer
análises com simulações matemáticas, de terreno, oceanográfica e também
ambiental, já que o uso dos equipamentos de geração de energia pode afetar a
fauna e flora marítimas, sendo necessário empregar medidas de mitigação, como o
isolamento das turbinas.
“O IBGE e o IBAMA afirmam que não têm informações de toda a fauna marítima desde 2011, então, fica difícil saber onde ficam exatamente. Precisa de muito estudo, precisa saber bem o terreno, ver a profundidade”, considera Piovani.
Estudos são essenciais para evitar impacto negativo na biodiversidade dos oceanos
A
questão ambiental é, segundo Estefen, um dos motivos para a energia maremotriz
ainda não ser muito aproveitada em regiões com grande potencial, como na
Europa. “O licenciamento ambiental é muito rígido porque afetam a reprodução
marinha próxima da costa”, diz.
Altos
custos
As
pesquisas e o desenvolvimento de equipamentos para essas energias, em especial
a de ondas, começaram há pouco tempo, o que torna os custos altos e dificultam
uma eficiência na produção que justifique o investimento.
“São
tecnologias do futuro. Agora, em curto prazo, o que mobiliza a energia no
oceano é a éolica offshore [energia obtida pela força do vento em alto-mar]”,
afirma Estefen, citando estudos que tentam combinar a geração éolica nos
oceanos com a geração por ondas, aproveitando a infraestrutura de geração e
distribuição existente.
O
professor observa que há uma “corrida” em busca de fontes renováveis devido às
mudanças climáticas, o que deve favorecer as energias oceânicas.
Para ele, a redução de custos e alta de eficiência da energia de ondas devem ocorrer entre os próximos cinco a dez anos. Seria possível, com isso, incluir essa energia em uma “cesta” de fontes, incluindo a eólica e solar, idealmente permitindo que as barragens de hidrelétricas foquem em fornecimento e armazenamento de água e que fossem usadas para geração de energia apenas em situações mais extremas.
Primeira usina de ondas no Brasil recebe licença para instalação a mais de uma década.
O
projeto-piloto da primeira usina brasileira de produção de energia através das
ondas do mar recebeu a licença ambiental de instalação concedida pela
Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace).
Pesquisa
foi responsável por instalar a primeira usina de ondas no Brasil
Um
processo importante para melhorar a eficiência da geração de energia por ondas
e reduzir custos é o desenvolvimento de protótipos, testando novas técnicas e
ideias. Até hoje, o Brasil desenvolveu apenas um protótipo de usina de ondas,
que também foi a primeira na América Latina, instalada no quebra-mar do Porto
de Pecém, no Ceará.
Segen
Estefen coordenou o projeto a partir do Laboratório de Tecnologia Submarina da
Coppe-UFRJ, com apoio do governo do Ceará e financiamento da Tractebel Energia,
a partir de um programa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A usina funcionava a partir de dois flutuadores ligados a braços mecânicos. O movimento dos flutuadores, pelas ondas, fazia com que esses braços levassem água doce com alta pressão para um sistema de pás, que era movimentado e gerava energia.
Projeto de geração por usina de ondas durou 5 anos
O
laboratório já tinha estudos de conceito, testes experimentais e uma patente, e
foi possível partir para um teste em escala real no porto. O acordo era que o
projeto duraria cinco anos, por isso, ele foi finalizado em 2014, com a
retirada dos equipamentos.
“É
difícil ter recurso para dar continuidade, então, depois disso, não houve possibilidade
de renovar, o projeto foi descomissionado”, diz Estefen.
Mesmo
com o fim do projeto, o professor destaca que ele foi um passo importante no
desenvolvimento dessas tecnologias. “É um projeto pioneiro no Brasil, o
primeiro dispositivo no Brasil a gerar eletricidade pelas ondas do mar. Até
hoje, no mundo todo, não existe nenhum dispositivo que está em fase comercial
no aproveitamento de ondas, todos são demonstrativos, de estudos, que operam
por um período e depois são desativados, buscando melhorias”, afirma.
O
laboratório continua os estudos sobre energia de ondas, e conseguiu absorver os
conhecimentos gerados a partir do teste.
Já
o Porto de Pecém manteve o interesse no potencial da energia das ondas. Fabio
Abreu, diretor de engenharia do complexo de Pecém, diz que o porto possui um
enorme potencial de geração de energia graças a um quebra-mar, que também reduz
os custos necessários para uma geração eficiente de energia.
O porto desenvolve, agora, estudos para uma parceria com uma empresa israelense que pode resultar na construção de geradores com potencial de 8 MW, equivalente a 60% da demanda média mensal do complexo. O complexo e a empresa já assinaram um memorando, partindo para uma nova fase de estudos de viabilidade.
Imagem ilustrativa mostra plano de instalação de usina de ondas no Porto de Pecém
“A
maior capacidade de geração passa pela instalação de um número bem maior de
equipamentos, e mais modernos”, diz Abreu. Isso não significa, porém, que o
contrato já será para a geração dos 8 MW, já que será necessário “conhecer bem
como a tecnologia vai se desenvolver no futuro”. A ideia é ir fazendo uma
expansão mais moderada, aos poucos.
Abreu
considera que a geração de energia por ondas é uma tecnologia ainda muito nova.
“É como se fosse a eólica há 30 anos. Os parâmetros e tecnologias vão mudando,
até porque cada mar tem uma característica, tem um aparelho, equipamento
certo”.
O
interesse no investimento na energia de ondas está ligado, também, ao que Abreu
chama de “diversificação da matriz” energética do complexo. “A energia de ondas
se encaixa perfeitamente [na busca
por uma matriz mais verde]. Há uma estrutura que pode ser aproveitada, e é uma
energia totalmente limpa”, diz.
“A
partir do momento que o próximo estudo for realizado, que verifique que os
números finais batem com as expectativas, o período de implementação seria de
em torno de 24 meses. Não é algo tão fora do padrão”, afirma.
Além do movimento do porto, a própria crise hídrica e energética atual pode servir como um fator que impulsionará a atenção para as energias oceânicas. “Você vai ter, na verdade, algo que auxilia no potencial energético, um uso maior de renováveis, reduz o consumo de fósseis, então, é um grande fator. Consegue aproveitar melhor esse recurso”, diz Piovani.
Maremotriz: uma das mais novas gerações das energias limpas
Quando
se fala em matrizes energéticas limpas, é comum a associação direta com a
energia solar e a eólica. Porém, há outros tipos de energia menos implementados
que são amigáveis ao meio ambiente e de grande potencial para o Brasil. (cnn)
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