Diferentemente de edições
anteriores, este ano não houve como evitar o maior vilão da crise climática: os
combustíveis fósseis. Desde que os Emirados Árabes Unidos foram escolhidos para
sediar o evento, o tema tem ganhado destaque. A nomeação de Sultan Al Jaber,
CEO da maior petroleira do país, a Abu Dhabi National Oil Company, e os
escândalos que se sucederam – da negação da ciência climática à presença
recorde de mais de 2.400 lobistas do petróleo e à carta da OPEP (Organização
dos Países Exportadores de Petróleo) incitando seus membros a rejeitarem metas
de combustíveis fósseis – não ajudaram as partes a se esquivar do assunto.
Em meio a tudo isso, a imagem do Brasil que veio se desenhando ao longo das duas semanas do evento não foi aquela de paladino do 1,5ºC (meta que o Acordo de Paris estabeleceu como limite aceitável para o aquecimento do planeta), ou de liderança climática, como se esperava desde a visita do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva à COP 27, em Sharm El-Sheik (Egito), em 2022.
“Infelizmente, os esforços do Brasil na redução do desmatamento na Amazônia foram sobrepostos nessa COP pelos esforços que o país tem feito para se tornar o quarto maior exportador de petróleo do mundo”, diz Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara.
O país bem que tentou sair
bem na fita. Além de ter trazido a maior delegação da história brasileira nas
COPs, esta foi a primeira vez que uma mulher indígena, a ministra dos Povos
Indígenas Sonia Guajajara, esteve à frente das negociações do Brasil. Também em
um momento simbólico, o presidente Lula passou à Ministra do Meio Ambiente e
Mudanças Climáticas, Marina Silva, o direito de discursar em evento sobre a
proteção das florestas, no dia 02 de dezembro.
Mas isso não foi o suficiente para desviar as atenções do anúncio feito pelo Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, logo no primeiro dia da COP 28, de que o país estaria negociando sua entrada na OPEP+, um grupo expandido que agrega os 13 membros da OPEP e mais dez países. O anúncio levou o Brasil a receber o antiprêmio de “Fóssil do Dia”, reconhecimento dado pela Climate Action Network International a países que não estão fazendo o suficiente para combater a crise climática.
“O Brasil tem concentrado seus esforços principalmente no combate ao desmatamento na Amazônia e já vinha fazendo a lição de casa a médio prazo no setor de energias renováveis, então estava em uma posição bastante confortável”, diz Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). “O país não costumava precisar enfrentar pressões em relação a sua descarbonização, mas isso começou a mudar na COP26, em Glasgow”, explica.
De fato, tudo indica que o
Brasil não estava preparado para lidar com tantas críticas. Ainda em novembro,
durante encontro com a imprensa sobre a COP28, a Secretária de Mudança do
Clima, Ana Toni, disse não acreditar que o país seria cobrado em relação à
expansão da produção do petróleo. Quando o tiro saiu pela culatra, o presidente
tentou contornar a situação. Em encontro com a sociedade civil no dia seguinte
ao anúncio da entrada na OPEP+, Lula disse que “entramos nesse clube para
ajudar a convencer os maiores produtores do petróleo de que eles precisam usar
seus lucros para fazer uma transição justa para energia renovável”. Mas esse
discurso não colou.
Para Oliveira, o leilão de
603 blocos de petróleo marcado para o dia 13 de dezembro, um dia depois do
final oficial da COP28, deixa claro que essa justificativa é uma falácia. “No
total, mais de 2% de todo o território nacional está sendo leiloado, e mais de
90% dos blocos descumprem de alguma forma as diretrizes da própria Agência
Nacional do Petróleo (ANP)”, diz Oliveira.
Dentre os descumprimentos está a sobreposição dos blocos a diversas unidades de conservação. Segundo estudo conduzido pelo Instituto Arayara, dos 22 blocos na bacia sedimentar do Amazonas 13% estão sobrepostos e dos 78 blocos na bacia sedimentar de Sergipe-Alagoas 24% estão sobrepostos. Além disso, foram identificadas 23 terras indígenas que estão localizadas na Área de Influência Direta de 15 blocos, e 5 territórios quilombolas que estão sendo sobrepostos em seus limites por 12 blocos exploratórios.
Mesmo que net-zero seja atingido em 2050, liberar novos campos de petróleo agora só piora o clima, diz novo chefe do IPCC.
"Quanto mais adiarmos a
ação, maiores serão as emissões cumulativas de CO2 e maior o
aquecimento", alerta Jim Skea em crítica velada ao Reino Unido, que
liberou novas explorações de petróleo.
“As pessoas nesses
territórios não apenas não foram consultadas, como não estavam nem sabendo da
existência dessa situação. Fomos nós, em parceria com a Coordenação Nacional de
Articulação de Quilombos (CONAQ), que levamos essas informações às
comunidades”, conta Nicole Oliveira, do Arayara. “Isso é mais que uma questão
de ferir diretrizes ambientais: são ilegalidades”.
Além disso, segundo
estimativas do Instituto Arayara, as emissões totais potenciais dos blocos a
ser leiloados são superiores a uma gigatonelada de carbono. O volume coloca as
emissões potenciais apenas desse ciclo no mesmo nível das emissões anuais do Brasil
previstas para 2030, segunda a última atualização da nossa Contribuição
Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês).
“A rigor, esse leilão não
impactaria o cumprimento da NDC do Brasil por uma questão de contabilidade, já
que esse petróleo seria explorado para exportação e as emissões oriundas da sua
queima não seriam incluídas no cálculo final das emissões brasileiras”, explica
David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de
Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima. “Mas nós sabemos que o
dano ambiental global é o mesmo, independentemente de onde essa emissão for
contabilizada”, acrescenta.
Tsai explica que, para o
Brasil, é complicado assumir uma posição de simplesmente abrir mão da
exploração de petróleo, porque ela é frequentemente acompanhada por uma
narrativa de geração de recursos, seja para promover a transição energética,
seja para endereçar outras questões, como saúde e educação. “Sem que haja um
compromisso global, é difícil que o país assuma sozinho esse compromisso
doméstico. Por isso é necessário que a conferência do clima avance, de fato,
para um compromisso global de eliminação dos combustíveis fósseis”, diz.
Mas, para Baitelo, do IEMA,
embora o Ministério de Energia e a Petrobras vejam no petróleo a representação
do crescimento da economia (PIB), a realidade é que, historicamente, existem no
mundo muito mais exemplos de estados viciados nos recursos do petróleo do que
daqueles que realmente conseguiram transformá-los em melhorias sociais. Além
disso, ele destaca como é incerto o momento em que o petróleo vai alcançar seu
pico e terá um subsequente declínio – e quais serão os impactos para a nossa
economia.
“O Brasil está sendo muito otimista ao construir as suas infraestruturas de petróleo, que vão muito além do que vai ser necessário. O que a Petrobras está fazendo é uma aposta ao investir tudo agora. Mas o quanto disso realmente vai dar retorno é uma incógnita”, diz Baitelo.
Desde a Revolução Industrial, tem ocorrido um aumento significativo na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos como furacões, inundações e nevascas A principal razão para isso é o uso dos combustíveis fósseis.
Extrapolando a meta do 1,5°C:
governos planejam produzir cerca de 110% mais combustíveis fósseis em 2030 do
que seria compatível com Acordo de Paris.
Produção planejada de
petróleo, gás e carvão é o dobro do aceitável pela meta do Acordo de Paris.
Com isso, Baitelo acredita que seja pouco provável que o país apoie a eliminação gradual dos combustíveis fósseis no texto final da COP 28. “A posição do Brasil foi exposta durante o evento, com a declaração de Silveira e com a indicação para o ‘Fóssil do Dia’, o que parece ter tido um efeito positivo no sentido de fazer pressão para um posicionamento mais coerente. Ao mesmo tempo, o que isso vai significar na prática nas negociações ainda está em aberto. O texto final da COP ainda está sendo discutido, e eu não acho que o Brasil assine algo que fale sobre eliminação, mas sim algo que seja mais intermediário, como a redução gradual dos combustíveis fósseis”, explica. (biodieselbr)
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