A
frase "energia, alimento e uma nova lógica para o uso da terra"
refere-se à necessidade de encontrar soluções sustentáveis para a produção de
alimentos e energia, que considerem a utilização eficiente da terra e a redução
do impacto ambiental. Essa lógica nova implica em integrar a produção de
energia renovável (como a solar) na agricultura, através de sistemas como o
agrivoltaico, que aproveitam a mesma terra para cultivar alimentos e gerar
eletricidade.
Elaboração:
A
Necessidade de uma Nova Lógica:
A
produção de alimentos e energia, especialmente em um mundo com crescente
população, exige soluções que não agravem os problemas ambientais, como o uso
excessivo de água, o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa.
O
Agrivoltaico como Solução:
O
agrivoltaico é uma forma de integrar a produção de energia solar à agricultura,
onde painéis solares são instalados sobre as culturas, permitindo a geração de
energia e, ao mesmo tempo, a produção de alimentos.
Vantagens
do Agrivoltaico:
Uso
Eficiente da Terra: A mesma área pode ser usada para a produção de energia e de
alimentos, evitando a expansão da agricultura para áreas não adequadas.
Redução
do Impacto Ambiental: A energia solar é uma fonte renovável e limpa, reduzindo
a dependência de combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa.
Acesso
à Energia e Segurança Alimentar: O agrivoltaico pode contribuir para a autonomia
energética e a segurança alimentar em áreas rurais, onde o acesso à energia e
aos alimentos pode ser limitado.
O
Brasil como Referência:
O
Brasil possui um grande potencial para o desenvolvimento do agrivoltaico,
devido à sua abundância de sol e à diversidade agrícola.
Importância
da Cooperação:
A
implementação do agrivoltaico exige a colaboração entre governo, universidades,
empresas e instituições financeiras, para promover a pesquisa, o
desenvolvimento e a aplicação de soluções inovadoras.
O
sistema agrivoltaico funciona com a instalação de painéis solares elevados
sobre o solo cultivável, permitindo que a luz solar seja compartilhada entre as
plantas e os módulos fotovoltaicos. O sombreamento parcial reduz o estresse
térmico das culturas, melhora a eficiência hídrica e mantém a produtividade
agrícola, enquanto gera energia limpa e renovável. Essa sinergia tem ganhado
destaque em diversas regiões do mundo e começa a ganhar força também no Brasil.
Conceito
e Fundamentos do Sistema Agrivoltaico
Os
sistemas agrivoltaicos foram concebidos para otimizar o uso da terra em
contextos onde há competição entre agricultura e geração energética. A
estrutura envolve a instalação de painéis solares a uma altura suficiente para
permitir o crescimento das plantas e o uso de máquinas agrícolas.
Essa
disposição favorece uma relação simbiótica: enquanto os painéis solares
oferecem sombreamento controlado às culturas, protegendo-as do excesso de
radiação e reduzindo a evaporação da água no solo, as plantas ajudam a resfriar
os painéis por evapotranspiração, aumentando sua eficiência energética.
Além
dos benefícios ambientais, essa tecnologia também oferece ganhos econômicos: a
produção de energia pode ser usada localmente ou vendida à rede elétrica,
gerando uma segunda fonte de renda para o produtor rural.
Experiências
Reais no Brasil
Embora
o conceito ainda esteja em fase inicial de implementação no Brasil, há uma
série de projetos-piloto promissores que demonstram o potencial do sistema
agrivoltaico em diferentes regiões e culturas.
-
Agri-PV system – IEE (USP), ESALQ (USP), RCGI (USP), Innova Power (USP) e
TotalEnergies
Em
Piracicaba SP, este projeto visa desenvolver e implementar um sistema
agrivoltaico (Agri-PV) que integre geração fotovoltaica e cultivo agrícola no
mesmo espaço físico, proporcione adaptação climática ao setor agropecuário e
sirva como plataforma de pesquisa aplicada, demonstração tecnológica e modelo
replicável para propriedades rurais.
-
Comunidade Indígena Pankará – Itacuruba (PE)
Um
dos exemplos mais emblemáticos está no sertão pernambucano, na comunidade
indígena Pankará. Um sistema agrivoltaico foi instalado sobre uma horta
comunitária, com apoio de organizações da sociedade civil e institutos de
pesquisa. Os painéis abastecem bombas para irrigação e ao mesmo tempo protegem
as hortaliças do calor excessivo da Caatinga. O resultado tem sido uma melhoria
significativa na segurança hídrica e alimentar da comunidade.
-
Universidade Federal de Alagoas – Projeto com Cana-de-Açúcar
A UFAL conduz um estudo experimental, coordenado pelo professor Ricardo Araujo Ferreira Junior (UFAL), sobre o cultivo de cana-de-açúcar sob estruturas fotovoltaicas. Os resultados preliminares revelam aumentos de produtividade entre 6% e 23%, além da geração de energia elétrica. O sombreamento dos painéis solares resultou em maior índice de área foliar e altura das plantas, em comparação com a área sem sombreamento.
- Minas Gerais – EPAMIG, Cemig e CPQD
Projetos em Minas Gerais estão testando diferentes modelos de espaçamento entre módulos, combinações de culturas (hortaliças, frutas e gramíneas), além da pecuária e estruturas de fixação. O objetivo é encontrar a configuração ideal para maximizar o uso do solo em sistemas semiáridos e mecanizados. Os primeiros resultados indicam viabilidade técnica e econômica, com previsão de replicação em polos agrícolas do estado.
Sistema agro fotovoltaico em Alagoas – Uma integração cana-de-açúcar e geração de energia fotovoltaica.
Eficiência
Hídrica e Microclima
Um
dos aspectos mais relevantes dos sistemas agrivoltaicos é o ganho em eficiência
no uso da água. Estudos apontam que o sombreamento dos painéis pode reduzir até
30% da evaporação da umidade do solo, fator crítico em regiões de seca
prolongada. A sombra diminui a temperatura do solo e das plantas, reduzindo a
perda de água por evaporação e transpiração.
Além
disso, sensores e algoritmos podem ser integrados aos sistemas para ajustar o
ângulo dos painéis conforme o ciclo das culturas, otimizando a quantidade de
luz direta e difusa necessária em cada fase do crescimento vegetal.
As
alterações no microclima (temperatura e umidade) sob os painéis beneficiam
culturas sensíveis ao calor, equilibrando produção agrícola e energética.
No
caso do semiárido brasileiro, onde a escassez hídrica limita a produtividade
agrícola, a tecnologia pode transformar a lógica de produção, permitindo o
cultivo em áreas antes inativas por conta do calor extremo e da limitação de
irrigação.
A
seguir, alguns resultados comparativos entre métodos convencionais e sistemas
agrivoltaicos em cultivos experimentais:
Cultura |
Produção
(Agrivoltaico x Convencional) |
Eficiência
uso d’agua (AV x Convencional) |
Observações |
Pimenta
silvestre |
3x maior no AV |
Sem diferença
significativa |
Maior fotossíntese e
adaptação ao sombreamento |
Pimenta
jalapeño |
Praticamente igual |
157% maior no AV |
Menor perda d’água por
transpiração (~65%) |
Tomate
cereja |
2x maior no AV |
65% maior no AV |
Melhora por alívio de
estresse térmico e hídrico |
A
adoção de sistemas agrivoltaicos gera impactos sociais positivos
significativos. Para os pequenos produtores, representa a possibilidade de
diversificar a renda com a venda de excedentes de energia, além da economia
direta na conta de luz. Em algumas regiões, a energia gerada tem sido utilizada
para alimentar bombas d’água, sistemas de refrigeração ou pequenas
agroindústrias.
Segundo
o Senado Federal, mais de 200 mil produtores rurais já utilizam alguma forma de
energia solar no Brasil, e muitos deles poderiam migrar para modelos
agrivoltaicos com apoio técnico e acesso a financiamento.
Diversos
estudos vêm reforçando a viabilidade técnica e financeira do agrivoltaico em
contextos de agricultura familiar. Um estudo de 2024, apresentado no Congresso
Brasileiro de Energia Solar, avaliou a viabilidade de sistemas agrivoltaicos em
uma associação de agricultura familiar no estado do Amazonas. O projeto, que
envolveu quatro famílias ribeirinhas produtoras de alimentos orgânicos,
demonstrou que mesmo sem subsídios públicos, o sistema pode apresentar retorno
financeiro atrativo: o payback descontado foi estimado em 7 anos e 10 meses,
com Valor Presente Líquido (VPL) de R$ 98 mil e Taxa Interna de Retorno (TIR)
de 24,41%.
O
estudo propôs dois arranjos tecnológicos (um sistema elevado e uma casa de
vegetação com módulos solares), utilizando materiais já comuns na região. Além
da economia direta de energia, observou-se o potencial de sinergia com modelos
de negócios de energia compartilhada, aproveitando a estrutura organizacional
da associação para distribuir créditos de energia elétrica entre os membros.
Essa abordagem reforça a viabilidade da adoção do agrivoltaico por pequenos
produtores em regiões remotas e com alto custo de energia.
Além da renda, os ganhos indiretos incluem o fortalecimento da autonomia energética de comunidades rurais, a melhora na segurança alimentar e o estímulo ao cooperativismo e empreendedorismo local.
Desafios e Oportunidades para Expansão
Apesar
do seu grande potencial, a adoção em larga escala de sistemas agrivoltaicos
ainda enfrenta desafios importantes. Um dos principais obstáculos é o custo
inicial elevado, que pode limitar a implantação por pequenos e médios
produtores. No entanto, esse investimento tende a se mostrar compensador ao
longo do tempo, especialmente quando a energia gerada é utilizada para reduzir
os custos operacionais da propriedade ou comercializada por meio da geração
distribuída. Para viabilizar economicamente esses sistemas, já existem
mecanismos de financiamento disponíveis, como o Fundo Clima do BNDES, linhas de
crédito verdes e parcerias com cooperativas de crédito.
Outro
ponto crucial é a capacitação técnica. A implementação de sistemas
agrivoltaicos exige conhecimentos multidisciplinares que envolvem tanto a
produção agrícola quanto a engenharia de sistemas solares. É fundamental
promover ações coordenadas entre universidades, instituições como o SENAI,
SENAR e os institutos federais, com o objetivo de formar profissionais aptos a
projetar, instalar e manter essas estruturas. Esse processo, além de suprir a
demanda técnica, também pode impulsionar a geração de empregos verdes no país.
Por
fim, o avanço da regulamentação e dos incentivos específicos é indispensável
para consolidar o agrivoltaico como um modelo híbrido de uso do solo. É
necessário o desenvolvimento de um marco legal que reconheça as
particularidades desse sistema e ofereça benefícios fiscais adequados. Além
disso, os órgãos ambientais e de energia precisam atuar na definição de zonas prioritárias
de implantação, à semelhança do que já ocorre em países como Índia e Alemanha,
que vêm liderando iniciativas nessa área.
Exemplos
Internacionais
Experiências
ao redor do mundo reforçam o potencial do agrivoltaico:
-
Alemanha: O projeto Fraunhofer ISE demonstrou aumento de 186% na produtividade
agrícola total (alimento + energia).
-
Japão: Sistemas foram instalados em arrozais e hortas, com impacto positivo na
renda de agricultores familiares.
-
Estados Unidos: Arizona e Colorado adotam o modelo em propriedades de frutas e
outras culturas, com sensores automatizados para rotação dos painéis.
-
França: Redução de até 63% na evapotranspiração das plantas e manutenção da
qualidade das frutas em verões quentes. Foco em sombreamento inteligente com
algoritmos que ajustam os painéis conforme as necessidades das plantas.
Energia
solar e agricultura conectadas pela inovação
Fabricantes
têm desenvolvido painéis solares especificamente voltados para o uso agrícola,
com foco em eficiência energética e compatibilidade com as exigências das
culturas. Os módulos bifaciais, por exemplo, captam luz solar em ambos os
lados, aumentando a geração total de energia por metro quadrado. Painéis
semitransparentes permitem a passagem parcial de luz, favorecendo culturas que
se desenvolvem melhor sob sombreamento parcial, enquanto estruturas móveis e
rastreáveis ajustam automaticamente a inclinação dos painéis ao longo do dia,
otimizando tanto a captação solar quanto o microclima das plantações.
O
avanço das tecnologias de monitoramento e controle também tem elevado a
precisão no manejo agrivoltaico. Sensores IoT monitoram continuamente
parâmetros como umidade do solo, temperatura, radiação solar e desempenho dos
módulos, gerando dados em tempo real. Esses dados alimentam sistemas baseados
em inteligência artificial, que analisam padrões e otimizam o posicionamento
dos painéis e o manejo agrícola associado. Aplicativos móveis complementam
essas soluções ao permitir que produtores acessem, acompanhem e ajustem
remotamente o funcionamento dos sistemas, aumentando a autonomia operacional
das propriedades.
Conclusão
A
combinação entre energia solar e agricultura não é apenas uma inovação
tecnológica: é uma alavanca concreta para a transformação do meio rural
brasileiro. Os sistemas agrivoltaicos oferecem uma resposta sofisticada aos dilemas
do uso eficiente da terra, da escassez hídrica, da pobreza energética e da
insegurança alimentar — desafios centrais do século XXI.
O
Brasil, com sua abundância solar, diversidade agrícola e capacidade técnica
instalada, está especialmente bem posicionado para liderar essa transição.
Casos reais demonstram que a aplicação em pequena escala já é viável
economicamente, inclusive sem subsídios, e que os impactos sociais são
imediatos: autonomia energética, geração de renda, estímulo ao cooperativismo e
valorização de práticas agroecológicas.
O
avanço dessa agenda depende agora de ações coordenadas entre governo,
universidades, empresas e instituições financeiras. É hora de transformar
pilotos em políticas, e projetos-piloto em programas estruturantes. O
agrivoltaico não é apenas uma tendência — é uma oportunidade estratégica de
posicionar o Brasil na vanguarda da sustentabilidade global.
(pv-magazine-brasil)
Nenhum comentário:
Postar um comentário