Debate sobre o tema na Rio+20 alerta que
texto do documento precisa ser mais incisivo nessa questão
No rascunho zero, texto que lançou as bases do que deve ser o documento
final da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20, entre muitos temas considerados mais genéricos, houve uma menção mais
específica aos desafios energéticos. O texto propõe que, até 2030, todos devem
ter acesso a serviços modernos de energia, que se duplique a taxa de eficiência
energética e a fatia de energia renovável da matriz energética global.
Rio+20. O mediador Aron Belinky (à esq.) com
os debatedores José Goldemberg (centro) e Sergio Leitão
Sobre este tema, a rádio Estadão ESPN organizou anteontem um debate com
o professor da USP José Goldemberg, que era o então secretário de Ambiente
durante a Rio-92, e Sergio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace, sob
mediação de Aron Belinky, coordenador de Processos Internacionais do Instituto
Vitae Civilis. A seguir, destacamos alguns dos principais assuntos abordados no
evento.
Energia
Goldemberg - (É importante
discutir o tema na conferência porque) serve como um indicador de utilização
dos recursos naturais. As conferências, tanto a de 92 quanto essa que marca seu
20.º aniversário, são dedicadas a discutir a maneira pela qual estamos
utilizando os recursos naturais. O que se aprendeu em 92 é que se os recursos
não forem usados adequadamente, vamos ter uma série muito grande de problemas.
Dizer que a Rio+20 não é uma conferência sobre mudanças climáticas, porque o
tema já está sendo tratado pelo caminho de Durban (onde foi realizada a
conferência do clima, no ano passado), é simplesmente jogar o problema para
fora. Não é que a gente queira discutir agora se as geleiras estão derretendo
mais ou menos, mas há um processo em marcha que é a utilização exagerada de
recursos naturais e que está causando uma porção de problemas, até mesmo de
mudanças climáticas. Com isso, acho que estamos caminhando para uma Rio+20 que
não tem foco. No item energia, por exemplo, fala de metas para 2030, mas falta
trazer instruções que indiquem como isso deve ser feito.
Leitão - É hora de pensar
os investimentos e as escolhas do Brasil nessa área. Nosso Plano Nacional de
Energia prevê o investimento de R$ 1 trilhão até 2020. Desses, R$ 660 bilhões é
para tornar viável a exploração do pré-sal, de um combustível que muitos dizem que
é preciso abandonar e num momento em que existe uma corrida tecnológica para
que se busque substitutos energéticos. A pergunta é: do ponto de vista do
investimento estratégico do País, faz sentido colocar 70% do valor num
combustível que pode ser o do passado? É abrir uma churrascaria numa rua onde
todo mundo está virando vegetariano. E o Brasil insiste num modelo antigo de
nos chantagear com a visão de que para cada unidade de PIB é preciso gerar uma
unidade de energia. Quando a discussão que existe no mundo hoje é como fazer
para que cada unidade de PIB seja produzida com a menor quantidade possível de
energia. Ficamos presos a um planejamento que é feito nas bases dos anos 70,
quando se tinha de construir somente grandes hidrelétricas, e se perde a possibilidade
de aproveitar o pré-sol e o pré-vento.
Clima
Sobre a evolução no rascunho do documento da conferência, que, na versão
1, que está sendo discutida nesta semana em Nova York, traz uma menção às
mudanças climáticas e de apoio ao que foi decidido no ano passado na
conferência do clima em Durban, a COP-17.
Goldemberg - O fato de a versão
1 do documento da Rio+20 trazer agora uma menção às mudanças climáticas é
positiva. Isso não aparecia no draft zero. Apesar de estar na linha das
exortações “apelamos, concordamos, reafirmamos”, linguagem desse tipo. De todo
modo, reforçar os entendimentos que resultaram de Durban para que até 2015 se
chegue a um acordo que seja melhor que a Convenção do Clima e o Protocolo de
Kyoto é uma coisa positiva porque efetivamente era necessário mostrar aos
negociadores que o problema climático não tinha desaparecido só porque tem uma
conferência própria. E a decisão de Durban é importante por envolver China e
EUA nos esforços globais de tentar evitar as mudanças climáticas.
Momento atual
Leitão - Pela primeira vez
ouvimos falar que não falta emprego no Brasil, falta mão de obra. E esse
momento oportuno, rico, grandioso, coloca o País diante de um encontro com a
verdade, em que a gente vai definir a verdadeira estatura, profundidade e
alcance da legislação ambiental. É fácil fazer legislação ambiental quando não
se tem os recursos necessários para implementar seus desejos. Ora, se eu não
posso destruir, construir, edificar, por que eu hei de ser contra uma
legislação ambiental? Ela não me afeta. Mas na hora em que o País recupera essa
capacidade de investimento e precisa de infraestrutura, temos de perguntar como
fazer para que isso que é necessário não se torne inimigo daquilo que também é
importante e necessário, que é ter uma ótima relação com o meio ambiente. Como
juntar essas duas oportunidades e não tornar o ótimo inimigo do bom. O Brasil
tem excelente oportunidade de lançar as bases para que façamos uma conversa que
finalmente estabeleça a ponte entre o ambiental e o social. E não aquilo que a
gente está vendo na discussão do Código Florestal: um Brasil que não consegue
partir das suas conquistas para estabelecer pontes para o futuro. O foco,
apesar de diferente da Rio-92, pode ter ganhado outras dimensões.
Três pilares
Sobre as críticas de que a conferência, ao pregar a igualdade entre as
três dimensões do desenvolvimento sustentável - social, econômico e ambiental -
está na deixando as questões ambientais de escanteio.
Goldemberg - O problema é que pela primeira vez na história os seres humanos acabaram
se tornando uma força geológica. Isso significa o seguinte: erupções
vulcânicas, maremotos, terremotos, as forças geológicas movimentam cerca de 50
bilhões de toneladas de materiais de um lugar para o outro por ano. Como temos
7 bilhões de habitantes no mundo, isso significa aproximadamente 7 toneladas
por pessoa. Mas cada um de nós também movimenta hoje cerca de 7 toneladas de
material de um lugar para o outro. Só em gasolina ou álcool nós gastamos 1
tonelada por ano, 20 litros por semana dá mil litros de combustível por ano.
Assim, a ação conjunta dos seres humanos acabou se tornando uma força de
proporções geológicas e está mudando a natureza, cria problemas seriíssimos. A
utilização de combustíveis fósseis foi maravilhosa enquanto durou. Por isso,
voltando aos três pilares. Quem vê assim é empresa. Um país não é uma empresa.
Tem de olhar a médio e a longo prazo. Se destruirmos as condições que nós
tivemos para criar o progresso que temos hoje, não vai ter nem social nem
ambiental. É isso que a Rio-92 tentou fazer. Ela teve um sucesso moderado, mas
se esperava da Rio+20 um aprofundamento da Rio-92 e não um desvio do foco.
Dilma
Sobre as declarações da presidente Dilma Rousseff em reunião do Fórum de
Mudanças Climáticas de que a Rio+20 não é espaço para fantasia e que com
energia eólica não é possível iluminar o planeta.
Leitão - Foi uma fala
desastrosa. É como o dono da festa que diz que a festa não vai ser muito legal.
Ela fez o anticonvite. E fez o contrário do que aconteceu em 92, quando havia
muito menos para mostrar (e o então presidente Fernando Collor lançou seus
embaixadores em forte campanha pelo mundo para conseguir trazer os chefes de
Estado para a conferência). Mas de lá para cá fizemos coisas boas, apesar de
temos problemas. Podemos cobrar da nossa presidenta, com todo respeito e
carinho que devemos ter por um chefe de Estado, que ela tenha uma atitude mais
responsável, que suas visões possam ficar diminuídas por conta dos interesses
do País. (OESP)
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