Em Itaipu, o enchimento do reservatório nos anos 1980 afetou
biodiversidade de locais distantes dali, como a bacia do Tietê.
Em duas semanas de
outubro de 1982, Itaipu iniciou uma transformação que perdura há três décadas
na fauna aquática da região. O enchimento do reservatório, que deslocou a
barreira natural de Sete Quedas, em Guaíra, mudou a proporção de peixes
migradores no lago da usina e, a longo prazo, teve impacto na biodiversidade de
locais distantes como a Bacia do Tietê, a 400 quilômetros dali.
Itaipu tem hoje 189 espécies conhecidas de peixes: eram 113 antes da
usina
Com a inundação, 23
tipos de peixes subiram a antiga catarata, enquanto 3 desceram. Estudos
recentes da Universidade Estadual de Maringá (UEM) mostraram que o número atual
de espécies na região de Itaipu é de 189, ante 113 em levantamentos anteriores
à construção da usina. "Não é que hoje existam tantas mais, mas temos um
conhecimento melhor", diz o veterinário Domingo Rodriguez Fernandez, da
área de ecossistemas aquáticos da usina.
As águas paradas do
reservatório afugentaram grandes espécies migradoras, como o jaú, o dourado e o
piapara. Peixes menores como a corvina e o mapará, que se alimentam de
micro-organismos, se tornaram abundantes. Mas, segundo dados da usina, após a
formação do reservatório a produção aumentou 250% entre os 850 pescadores que
atuam no lago.
Pioneiro no estudo
de ictiofauna de Itaipu, o biólogo Angelo Antonio Agostinho, da UEM, diz que um
dos casos de peixes beneficiados pelo deslocamento da barragem foi uma espécie
de piranha que quase extinguiu a variação nativa do Alto Paraná - forma hoje
95% da população local de piranhas.
"As duas
espécies são muito parecidas e têm dietas semelhantes, mas a que vivia na parte
baixa é menor, mais competitiva e tem tendência a formar cardumes. Pelo que
analisamos, ela já chegou a locais distantes como a usina de Ilha Solteira
(SP), passando pelas eclusas", diz Agostinho, cujos estudos na usina deram
origem ao Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupelia)
da UEM.
Arraia. Outro
animal que se proliferou rio acima após a construção de Itaipu é a arraia. Um
estudo da Universidade Estadual Paulista (UNESP) documentou a invasão de três
espécies no Alto Paraná, onde não têm predadores naturais.
"Silenciosamente,
as arraias foram subindo o rio desde 1993 e avançaram pelas eclusas de usinas
como Jupiá, chegando à entrada da Bacia do Tietê”, diz Domingos Garrone Neto,
um dos autores da pesquisa. "Como têm grande capacidade de camuflagem,
esses animais com alguma frequência são pisados por pescadores e reagem,
causando ferimentos", diz. O biólogo acredita que, caso a colonização siga
neste ritmo, as arraias podem chegar até a região de Barra Bonita, a 300
quilômetros de São Paulo.
Para permitir a
subida dos peixes para a reprodução (piracema), Itaipu construiu em 2002 um
canal de 10,3 quilômetros que liga a parte anterior da usina ao lago. O desafio
está em evitar que esta migração interfira de forma negativa na biodiversidade
da bacia. "Mesmo com Itaipu, calculamos que até 20 espécies não subiram o
rio, o que é bom para evitar invasores. Mas o canal tem permitido isso e temos
nos manifestado para que ele não seja totalmente permeável", diz Angelo
Agostinho. "Abaixo da usina tem espécies como a piranha preta, que come
outros peixes e torna difícil a vida do pescador."
Em 2011, estudos em Itaipu
comprovaram que quase 170 das 190 espécies da região já haviam passado pelo
canal. "O canal favorece o intercâmbio genético, mas não é possível o
controle total das espécies que sobem", diz Fernandez. "Podemos
ampliar a passagem de espécies reduzindo a velocidade das águas e aumentando o
grau de dificuldade. Mas a ideia, por enquanto, é manter a eficiência
atual." (OESP)
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