quarta-feira, 14 de junho de 2017

O futuro da Energia Solar pode ser brilhante

“A idade da pedra não acabou por falta de pedras”
“Devemos deixar o petróleo antes que ele nos deixe” - Faith Birol (Economista chefe da IEA)

O Planeta azul, pertencente ao sistema solar, tem testemunhado o grande crescimento de uma espécie que está mudando o equilíbrio homeostático da Terra. O Homo sapiens, que surgiu há cerca de 200 mil anos, tem realizado revoluções permanentes que tem transformado a vida na “Spaceship Earth” (Boulding, 1966). Utilizando a energia solar de forma indireta (fotossíntese, etc.) a humanidade tem avançado sobre a comunidade biótica.
Há 10 mil anos, a revolução agropecuária aconteceu quando o ser humano aprendeu a cultivar o seu alimento e passou a domesticar os animais e utilizá-los como fonte de energia e meio de transporte. Esta revolução possibilitou o avanço da civilização, em suas múltiplas características regionais e geográficas. A idade da pedra lascada foi substituída pela idade da pedra polida e ambas foram superadas pela metalurgia do bronze.
Mas foi a Revolução Industrial e Energética do século XVIII que possibilitou o grande salto civilizacional, ao combinar o uso dos instrumentos da manufatura e da grande indústria com a energia extrassomática dos combustíveis fósseis (primeiro o carvão mineral e depois o petróleo e o gás). Os ganhos de produtividade foram excepcionais, o que permitiu o avanço do bem-estar humano e o grande crescimento da população mundial e das atividades antrópicas globais.
Os combustíveis fósseis foram formados pela decomposição de matéria orgânica ao longo de milhões de anos. A energia desses combustíveis veio da luz solar. O uso do carvão, do petróleo e do gás impulsionou a economia e gerou uma grande prosperidade para a humanidade.
Como calculou Price (1995), o uso dos combustíveis fósseis é equivalente à posse de 50 escravos por pessoa no mundo. Sociedades altamente intensivas no uso do petróleo, como os Estados Unidos (EUA), teriam o equivalente a 200 escravos per capita. Ou seja, seria como se os EUA tivessem 62 bilhões de “escravos fantasmas” à disposição do país, sendo que estes escravos não fazem greve, nem revoltas e não precisam de comida, ao contrário, ajudam a alimentar a população humana.
Considerando o período 1767 a 2017 (auge da utilização dos combustíveis fósseis), a população mundial saltou de cerca de 760 milhões para 7,6 bilhões de habitantes (multiplicando por 10 vezes em 250 anos) enquanto a economia apresentou crescimento de 130 vezes no mesmo período (ALVES, 02/04/2014). Assim, o “pulo do gato” na história do Homo sapiens foi o uso da energia extrassomática (exterior ao corpo humano ou animal). A exploração dos combustíveis fósseis tornou possível à humanidade libertar, para uso próprio e em curto intervalo de tempo, vastas quantidades de energia acumuladas durante milhões de anos na forma de hidrocarbonetos. A humanidade deixou de temer a natureza e passou a dominá-la.
Mas a exploração e a dominação da natureza tiveram alto custo. O principal problema, o qual está gerando uma grande dívida ambiental, é o efeito estufa que provoca o aquecimento global, a acidificação dos solos e dos oceanos, além de acelerar o degelo dos polos e dos glaciares, elevando o nível do mar que ameaça a vida e o bem-estar de bilhões de pessoas e a sobrevivência de inúmeras espécies.
Como foi definido no Acordo de Paris, aprovado em dezembro de 2015, o mundo precisa fazer um esforço para limitar o aquecimento a no máximo 1,5ºC em relação à temperatura do período pré-industrial. Para tanto, será necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e superar a Era do Petróleo e demais combustíveis fósseis.
A solução poderia vir do uso direto da energia solar, em vez de queimar a energia do sol armazenada nos combustíveis fósseis. Somente no segundo caso há a liberação do dióxido de carbono aprisionado nos combustíveis fósseis. A energia solar fotovoltaica é obtida através da conversão direta da luz em eletricidade e não libera montantes significativos de CO2 no processo de produção de eletricidade.
Como mostra a figura acima, o sol irradia anualmente o equivalente a mais de mil vezes a energia consumida pela humanidade. Perto do potencial solar, as outras formas de energia são anãs. Note-se que, na figura, o potencial energético das energias renováveis é o potencial energético anual (e renovável), enquanto o potencial energético das energias fósseis corresponde ao total das reservas conhecidas e esgotáveis.
Artigo de Joshua Hill (22/06/2016) mostra que a produção de energia solar fotovoltaica cresceu de forma exponencial no atual século. A capacidade acumulada passou de 1,4 GW no ano 2000 para 229 GW em 2015 e 306 GW em 2016, podendo chegar a 716 GW em 2020. O crescimento médio da capacidade acumulada foi de cerca de 35% ao ano entre 2000 e 2015 e, mesmo caindo para 25%, a capacidade global de energia fotovoltaica pode chegar a 716 GW (isto seria equivalente a 55 usinas hidrelétricas de Itaipu).

Artigo de David Roberts (07/04/2017) estima que a demanda mundial de energia será de 20,6 TW (1.000 GW = 1 TW) em 2050. Para atender esta demanda com energia fotovoltaica (que depende do sol e é intermitente) seria necessária uma capacidade total de 52,1 TW. O gráfico abaixo apresenta duas projeções da capacidade acumulada de energia fotovoltaica com base no montante de 716 GW em 2020 e um aumento com base de duas hipóteses da variação anual da capacidade instalada: de 10% ao ano e de 14% ao ano. No primeiro caso a capacidade acumulada dobra em 7 anos e, no segundo caso, dobra em 5 anos e atinge 50 TW em 2050.

Evidentemente, o fornecimento de energias renováveis vai muito além da energia fotovoltaica. Há a energia solar concentrada, a energia eólica (onshore e offshore), a energia das ondas, geotérmica e até as pequenas hidrelétricas. O exercício apresentado no gráfico acima serve apenas para mostrar que é possível superar a Era do Petróleo apenas com o investimento em energia solar, sendo que o crescimento de 14% ao ano é menor do que os 35% ao ano que prevaleceu entre 2000 e 2015.
Com avanços tecnológicos, eficiência energética e políticas públicas adequadas é possível, teoricamente, atender toda a demanda global de energia com a irradiação solar que incide gratuitamente sobre o Planeta todos os dias. O crescimento dos veículos elétricos vai aumentar muito a demanda por energia elétrica renovável e diminuir a demanda de combustíveis fósseis.
Artigo de Joe Romm, do site Think Progress, com base em relatório da BNEF, mostra que o preço da energia solar caiu 99% desde 1976 e 80% desde 2008. As transformações serão significativas. Em 2023, as energias eólica e solar serão competitivas com as novas usinas de gás dos EUA. Até 2028, a energia solar vencerá a competição com a geração de gás existente. As energias solar e eólica serão responsáveis por quase metade da capacidade instalada e mais de um terço da geração de energia global até 2040. Esse será um salto de quatro vezes na capacidade eólica e um salto 14 vezes na energia solar a partir de hoje.

Na mesma linha, artigo de Sophie Vorrath (12/05/2017) mostra que a energia fotovoltaica já é a forma mais barata da nova geração de energia em escala industrial, mas ainda não é mais barata do que as usinas térmicas de combustíveis fósseis em operação. A nova planta energética ainda tem que competir com a velha, que no momento, coloca o carvão já instalado à frente do jogo. Mas isto já tem prazo para mudar. A autora mostra que, em 2032, a energia solar vai ficar mais barata sendo mais vantajoso construir uma nova “fazenda solar” em grande escala do que queimar o carvão. E esse será um ponto de inflexão para todo o sistema de energia. Aí quase toda a adição de nova capacidade de geração deverá ser renovável.
O mundo baseado na energia renovável é inevitável. Como se diz: “O futuro será renovável ou não haverá futuro”. Contudo, mesmo que o mundo consiga chegar a 100% de energia renovável em 2050, a concentração de CO2 na atmosfera (que já está em torno de 410 ppm) pode ultrapassar 500 ppm até 2050 e tornar o aquecimento global incontrolável nos limites necessários para evitar uma tragédia.
Além do mais, existem muitas dúvidas se o aumento da capacidade instalada de energias renováveis será capaz de funcionar em uma rede inteligente global. Gail Tverberg considera que existe muita ilusão sendo vendida em nome das energias “limpas” (ver artigo de 30/01/2017). Todavia, sem dúvida, o avanço da transição energética é melhor do que a dependência dos combustíveis fósseis.
O sol é um recurso natural abundante e renovável, mas, certamente, não pode fazer milagres e nem evitar o imperativo do metabolismo entrópico, como ensina a escola da economia ecológica. A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. Como alertou o ambientalista Ted Trainer (2007), as energias renováveis não são suficientes para manter a expectativa das pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo. Trainer prega um mundo mais frugal, com decrescimento demoeconômico, onde as pessoas adotem um estilo de vida com base nos princípios da Simplicidade Voluntária.
O futuro da Terra pode ser brilhante, mas apenas se houver uma mudança radical do modelo de produção e consumo hegemônico e se a Era dos Combustíveis Fósseis for superada pela Era do Sol (do Vento e da água), com decrescimento demoeconômico global. O mundo precisa urgentemente descarbonizar a economia e recuperar os ecossistemas, além de ampliar as áreas anecúmenas e promover o bem-estar de todas as espécies vivas do Planeta. A revolução necessária vai muito além das energias renováveis. (ecodebate)

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