Um mês de derrubada na Amazônia emite tanto CO2 quanto o que foi economizado em 5 anos de carros flex
Em cinco anos, desde que a tecnologia Flex Fuel chegou ao mercado de automóveis, o Brasil "economizou" 42,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), que deixaram de ser emitidas para a atmosfera graças à substituição de gasolina por álcool combustível, segundo cálculos da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Isso equivale a três anos e meio de emissões de CO2 da cidade de São Paulo, como se todos os veículos e fábricas da metrópole tivessem parado de funcionar durante esse período.
Segundo o físico José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, os 42,5 milhões de toneladas poupados representam quase 20% das emissões brasileiras do gás - excluindo o que é emitido via desmatamento e queimadas. "É um número muito significativo", afirma Goldemberg. Essa é a boa notícia.
A má notícia é que, quando se leva em conta as emissões por desmatamento e queimadas na Amazônia, essa economia do álcool se desvaloriza quase que instantaneamente na atmosfera. Em um único mês, a combustão da floresta tropical lança na atmosfera a mesma quantidade de gás carbônico que deixou de ser emitida nos cinco anos de tecnologia Flex Fuel. A comparação foi feita pelo Estado, com base em informações fornecidas por especialistas da academia e da indústria.
Pesquisadores estimam que cada quilômetro quadrado de floresta derrubada e queimada na Amazônia libera para a atmosfera, em média, 44 mil toneladas de CO2. Em 2007, por exemplo, foram derrubados 11.532 km2 de floresta amazônica, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Pelos cálculos dos cientistas, isso implicou na emissão de 507,4 milhões de toneladas de CO2, o que dá uma média de 42,3 milhões de toneladas por mês - quase o mesmo que os 42,5 milhões de toneladas evitadas pelo uso de álcool em motores Flex Fuel em cinco anos.
2007 foi o ano de desmatamento mais baixo no período. Se a comparação for feita com a média de anos anteriores, quando o desmatamento foi maior, o benefício climático do etanol desaparece ainda mais rapidamente. Em 2004, quando foram derrubados 27.423 km2 de floresta, a emissão média chegou a 100,5 milhões de toneladas de CO2/mês, ou 3,3 milhões de toneladas de CO2/dia. A economia de carbono dos motores Flex Fuel foi zerada naquele ano em menos de duas semanas.
Os números mostram que não há saída para o Brasil. Se o País quiser mesmo contribuir para reduzir as mudanças climáticas, a única maneira de fazer isso é reduzir o desmatamento
Tendência de Alta
Após três anos em queda, o desmatamento voltou a crescer este ano na Amazônia. O cálculo oficial de área está sendo feito pelo Inpe, que deverá publicar as estatísticas no mês que vem.
A especialista Suzana Kahn, secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), reconhece que o desmatamento é um problema seríssimo e que ainda está longe de ser resolvido, mas acredita que isso não invalida os resultados positivos obtidos com os esforços ambientais de conservação da floresta e na área energética, com o etanol.
Segundo ela, é importante olhar os dois lados da moeda. Além de contar o carbono que é emitido pela destruição da floresta, diz, é preciso contabilizar o que deixou de ser emitido pela redução do desmatamento.
"O esforço que o Brasil fez para reduzir o desmatamento é mais do que qualquer país conseguiu fazer até hoje para reduzir emissões", afirma Suzana, que também é pesquisadora da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo um cálculo que deverá ser apresentado pelo Brasil na próxima conferência de mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (mais informações nesta pág.), a redução das taxas anuais de desmatamento da Amazônia nos últimos anos evitou a emissão de mais toneladas de CO2 do que a soma de todas as reduções propostas pelo Protocolo de Kyoto nos países desenvolvidos.
Alguns ambientalistas e pesquisadores, porém, questionam o mérito do governo sobre a redução dos últimos anos, que teria sido fortemente influenciada pela redução momentânea dos preços de carne e soja no mercado internacional.
"Evidentemente, não há como o uso do etanol compensar o desmatamento da Amazônia em termos de gases do efeito-estufa e creio que esse propósito não está na cabeça do governo federal nem tampouco do setor produtivo, pois há o reconhecimento de que o desmatamento criminoso e descontrolado deve ser eliminado", avalia o consultor de emissões e tecnologias da Unica, Alfred Szwarc. "O que deve ser considerado é que sem o uso do etanol, nas condições atuais de desmatamento, a emissão do Brasil seria ainda maior."
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