terça-feira, 4 de abril de 2017

A hora das renováveis no meio rural


Com experiências exitosas no uso de biogás e solar fotovoltaica, escolha por benefícios ambientais e segurança no suprimento duela com tarifa rural mais baixa.
Sempre obtendo resultados expressivos ano após ano e considerada um dos pilares da economia, a agropecuária brasileira também é um setor aonde a relação com a energia fala mais forte. Com forte demanda para atividades de irrigação, refrigeração ou mesmo armazenamento de insumos, o setor pode se transformar em uma seara para as fontes renováveis. Com cerca de 70% dos alimentos consumidos em todo o país vindo da agricultura familiar, oportunidades com geração distribuída e autoprodução se utilizando de biogás e energia solar fotovoltaica começam a tomar forma.
Com um histórico de quem já atua nessa frente de pesquisa há mais de dez anos, Itaipu Binacional vem liderando os projetos de inserção de renováveis no setor rural. Aproveitando-se do potencial pecuário da região do entorno da hidrelétrica, o biogás e o biometano obtido dos dejetos das criações de aves, suínos e gado são o insumo obtido. De acordo com Herlon Goelzer de Almeida, chefe da Assessoria de Energias Renováveis de Itaipu Binacional, a tendência de crescimento do setor agropecuário leva a um aumento no volume de dejetos, o que favorece o uso para fins energéticos. “Esse setor está empregando e está crescendo. Vamos ter mais dejetos. Esses setores são grandes demandantes de energia. Todo produtor que tem aviário, ordenha ou pocilga é cada vez mais demandante de energia”, afirma.
A adoção de um sistema de autoprodução de energia traz a segurança necessária para o produtor que não pode ficar refém das oscilações da rede de uma distribuidora. Uma longa duração na interrupção do fornecimento pode ser fatal para determinadas produções, como frango. Na geração distribuída, ele ainda pode fazer o mútuo com a distribuidora e ver os seus custos com energia reduzidos. O biogás pode ser utilizado para gerar energia elétrica ou mesmo gás natural veicular. Em Itaipu, o biometano gerado por resíduos dos produtores da região é combustível para abastecer 59 carros da empresa. Até o fim do ano, serão 70 veículos. “Temos projetos individuais, com grandes agricultores e grandes cooperativas. Todos estão funcionando, gerando energia das mais diferentes formas”, avisa Almeida.
A solução ambiental também entra como atrativo para o uso de uma fonte renovável no meio rural. A transformação em energia acaba com o passivo ambiental dos dejetos. A quantidade de resíduos gerada por dia é maior do que a produção da propriedade. O processo de engorda do suíno é desproporcional ao volume de dejetos que ele gera diariamente. “Tudo que se produz no meio rural, o resíduo é maior que o produzido. Isso é um desequilíbrio”, explica Cicero Bley, presidente da Associação Brasileira de Biogás. Ele não se conforma com o pouco aproveitamento do resíduo no meio rural, quando no exterior ele já é largamente utilizado. “É uma riqueza potencial que tem sido jogada fora, tem se transformado em verdadeiro pesadelo para os produtores rurais, não sabem o que fazer”, diz.
Para o presidente da associação, a ausência de regulação e políticas públicas impede o incremento da fonte na agropecuária. A não inclusão do biogás como possibilidade energética também prejudicou o movimento. Fracassos de experiências anteriores não deram ao investidor a certeza no investimento. Bley também lembra que os descuidos com a manutenção dos biodigestores levaram a descontinuidade de projetos. “Energia não é um ativo fácil de se fazer, sem manutenção não há energia. Equipamentos se desgastam, vão perdendo eficiência e param. Nessa hora, o produtor não sabe o que fazer”, comenta, pedindo mais atenção para o pós-venda das máquinas e com a operação e a manutenção.
Mas nem todos os produtores do campo tem a consciência que tem uma fonte renovável na sua própria propriedade e que pode ser um autoprodutor. A adesão aos projetos ainda é considerada baixa e predomina uma visão antiga sobre os biodigestores. Porém quando descobrem os benefícios ambientais e a possibilidade energética, acontece a adesão. “Cada ano que passa vemos mais plantas de biogás instaladas no país e aqui no Paraná vemos cooperativas nessa de seguir com o biogás para garantir a segurança energética”, observa Rodrigo Regis, diretor do Centro Internacional de Energias Renováveis–Biogás.
Investimentos sem medo
Cícero Bley, da Abiogás
Regis dá como exemplo exitoso quando ouviu de um produtor que a compra de um biodigestor para a sua propriedade até poderia ser mais cara, mas não seria pior que ficar sem energia de modo a ter que interromper a sua produção. A Granja Haacke, em Santa Helena (PR), é um dos locais dos projetos de Itaipu Binacional. Lá há estrutura com biodigestor, compressor e filtros para tratar os dejetos gerados por gado confinado e galinhas poedeiras. A granja tem uma produção de biogás de 1.000m3/dia. O gás que sai da granja vai abastecer a frota brasileira de carros de Itaipu. A binacional também firmou uma parceria com a New Holland para testes com um trator movido a gás natural. O trator ficou 60 dias na granja e teve desempenho perfeito.
A falta de divulgação aos agricultores familiares também é criticada por Antoninho Rovaris, secretário de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Considerando o uso das renováveis como uma das grandes questões do futuro no setor, ele vê disparidades nos preços entre os estados. “Ainda há uma dispersão muito grande em relação a valores”, conta.
A resolução 687 da Agência Nacional de Energia Elétrica vai abrir um grande horizonte para o biogás, na opinião de Alessandro Gadermann, diretor da GEO Energética. Ela é uma das maiores produtoras de bioeletricidade do Brasil e vê na região sul o cenário mais propenso. “No Sul o biogás é perfeito e ainda resolve o problema ambiental”, comenta. Ele pede mais investidores no setor, uma vez que as tecnologias já estão consolidadas.
Trator da New Holland movido a gás trazido ao Brasil por Itaipu
Surfando na onda do número crescente de conexões para geração distribuída, a fonte solar também busca seu espaço no meio rural. O uso de placas fotovoltaicas também aparece para atender funções como gerar a energia para irrigação de hortas, bombeamento de reservatórios de peixes ou refrigeração de gado leiteiro. Com a competitividade alcançada pela fonte, empreendimentos rurais já conectados à rede podem complementar o atendimento. De acordo com Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, a possibilidade de levar energia até partes remotas de uma propriedade ainda sem conexão também dá força ao movimento. “Em vez dele estender a rede até uma região, ele usa um sistema autônomo, com corrente contínua”, observa.
Sauaia recorda que o início do uso de energia solar no país se deu fora do ambiente urbano conectado, em zonas rurais. A fonte fotovoltaica se mostrou uma tecnologia estratégica, gerando energia em uma região de difícil acesso. A associação vem trabalhando com entidades e associações da agricultura para fomentar a tecnologia no meio rural. “A energia solar no ambiente rural atende a uma série de funções, de demandas do meio”, revela. Assim como com o biogás, o impacto ambiental é reduzido e no caso das placas, a necessidade de operação e manutenção é mais baixa em relação aos biodigestores do biogás.
Solar atende demandas do meio rural
Rodrigo Sauaia, da Absolar
Em parceria com a Absolar e a Associação Brasileira de Energia Eólica, o Governo Federal oferece desde 2015 a linha de crédito do Pronaf Eco. Com juros subsidiados, carência de três anos e prazo de até dez anos para pagar, a Secretaria de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário espera ver a adesão dos produtores a energia renovável. André Luiz Lemes Martins, Coordenador Geral de Agroecologia e Energias Renováveis da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, vê com bons olhos essa inserção de renováveis em áreas rurais. A secretaria planeja realizar seminários para divulgar a linha do Pronaf.
“Para ter acesso a linha, basta que o agricultor procure o sindicato rural ou a Emater para obtenção da Declaração de Aptidão ao Pronaf. Em seguida ele deve ir até a ATER da cidade para elaborar o projeto técnico de financiamento”, explica Martins. Após essa etapa, ele deve encaminhar o projeto para análise de crédito e aprovação do agente financeiro. Com o Projeto Técnico, ele negocia o financiamento com o agente financeiro. Aprovado o Projeto Técnico, o agricultor familiar está apto a acessar o recurso.
Sem ter avaliado o contingente de produtores que já usaram a linha, Martins explica que atualmente são 95 equipamentos solar cadastrados para financiamento na secretaria. Para o secretário, também há pouca divulgação das possibilidades do uso de renováveis na agricultura familiar. Ele aceita que com o tempo e a disseminação dos bons exemplos aliados com o empenho das esferas de governo, vai ser possível incrementar a adoção de soluções de energia renovável.
Informações da secretaria dão conta que em fevereiro de 2016, a fábrica de polpa de frutas da Comunidade de Barreiras, na zona rural de Quixeré (CE), usa energia renovável na confecção do seu produto. Ela reduziu os gastos com energia pela metade. A economia permitiu também que o preço da mercadoria caísse, o que deu mais competitividade a ele no mercado.
O bom desenvolvimento de um projeto vai fazer com que os seus riscos sejam mitigados. A presença dos técnicos e especialistas nesse momento é fundamental, para que a relação entre o tempo de retorno e o investimento não sofra qualquer tipo de desvio. “Não há motivo para ter medo de fazer investimento em produção de energia. Isso significa assegurar a possibilidade que o projeto em retorno viável”, ressalta Cícero Bley, da Abiogás.
Mas se para um produtor rural não parece ser difícil financiar um projeto desse tipo na sua propriedade, há um fator estrutural que torna a entrada das renováveis no setor agropecuário desafiadora. Devido a posição estratégica do setor, algumas atividades rurais tem uma tarifa diferenciada, bem abaixo da cobrada para os demais usuários. Por exemplo, o retorno do investimento sobre uma instalação de placas fotovoltaicas vai demorar muito mais caso fosse aplicada sobre uma tarifa comum, tirando a sua competitividade. “Representa certa dificuldade incentivar os agricultores em investir em geração própria de energia”
Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, gostaria de um debate maior sobre esse tema da tarifa, uma vez que a Conta de Desenvolvimento Energético, encargo pago por todos os consumidores, subsidia esse desconto. Segundo ele, poderia haver um reenquadramento do subsídio. “Seria importante entender até que perfil de agricultor se justifica o incentivo e se não seria interessante no caso de agricultores mais estruturados, outros incentivos para torná-los mais autônomos, em vez de apenas conceder subsídio tarifário”, observa.
Já Antoninho Rovaris, da Contag, não acredita que a tarifa rural baixa seja um obstáculo para a instalação de um sistema de microgeração ou geração distribuída em uma fazenda, por exemplo. Ele aponta que a operação de mútuo não fica interessante para o produtor rural, tendo preferência pela comercialização simples da energia. “O valor da energia não é impeditivo. Impeditivo é poder gerar e jogar na rede e não receber por isso”, diz. O dirigente coloca a questão do coletivo em primeiro plano e faz uma crítica aos mecanismos que privilegiam apenas o individual. Ele gostaria que a energia renovável também fosse fonte de renda para o agricultor familiar organizado em grupos. “Os normativos nos impedem de ter uma cooperativa com 200 agricultores familiares produzindo uma quantidade de energia e não ter comprador para ela porque a norma só nos permite a compensação”, define.
Rovaris elogia a redução nos custos de energia que a GD proporciona, mas alerta para os valores cobrados na instalação de sistemas. “O custo da implantação ainda está muito alto”, frisa. Ele vê no uso das renováveis na produção um aliado importante para a manutenção do trabalho no campo. No biogás, por conta do aspecto ambiental e da diversidade da fonte, o investimento consegue mais justificativas para o retorno. Mais de 90% dos casos dão viabilidade econômica com as linhas de crédito.
Uso de placas fotovoltaicas no meio rural
No campo técnico, a insegurança já não existe, faltando um poder de decisão mais firme dos produtores rurais. Os resultados obtidos com os projetos experimentais já credenciam para projetos em escala. Rodrigo Régis, do Cibiogás, evidencia a necessidade de capacitação constante de profissionais como agrônomos, engenheiros para dar conta da expansão das renováveis no campo. Temos que quebrar essa insegurança, fazer com que isso ande. “É uma nova área que vai fazer um arranjo de profissionais qualificados para entrar e atuar”, afirma.
Em outubro do ano passado, Itaipu anunciou a realização de um estudo de viabilidade técnica e econômica da geração de energia solar, para que os resultados sejam a base para elaboração de políticas públicas de incentivo. Três propriedades receberão uma cobertura de 180 m² de módulos fotovoltaicos, o correspondente a uma produção de 20 kW ou 2 MWh ao mês. A pesquisa será feita pelo Centro de Energia Solar da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que tem 20 anos de pesquisa no tema solar. (energia)


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