Com experiências exitosas
no uso de biogás e solar fotovoltaica, escolha por benefícios ambientais e
segurança no suprimento duela com tarifa rural mais baixa.
Sempre obtendo resultados expressivos ano após ano
e considerada um dos pilares da economia, a agropecuária brasileira também é um
setor aonde a relação com a energia fala mais forte. Com forte demanda para
atividades de irrigação, refrigeração ou mesmo armazenamento de insumos, o
setor pode se transformar em uma seara para as fontes renováveis. Com cerca de
70% dos alimentos consumidos em todo o país vindo da agricultura familiar,
oportunidades com geração distribuída e autoprodução se utilizando de biogás e
energia solar fotovoltaica começam a tomar forma.
Com um histórico de quem já atua nessa frente de
pesquisa há mais de dez anos, Itaipu Binacional vem liderando os projetos de
inserção de renováveis no setor rural. Aproveitando-se do potencial pecuário da
região do entorno da hidrelétrica, o biogás e o biometano obtido dos dejetos
das criações de aves, suínos e gado são o insumo obtido. De acordo com Herlon
Goelzer de Almeida, chefe da Assessoria de Energias Renováveis de Itaipu
Binacional, a tendência de crescimento do setor agropecuário leva a um aumento
no volume de dejetos, o que favorece o uso para fins energéticos. “Esse setor
está empregando e está crescendo. Vamos ter mais dejetos. Esses setores são
grandes demandantes de energia. Todo produtor que tem aviário, ordenha ou
pocilga é cada vez mais demandante de energia”, afirma.
A adoção de um sistema de autoprodução de energia
traz a segurança necessária para o produtor que não pode ficar refém das
oscilações da rede de uma distribuidora. Uma longa duração na interrupção do
fornecimento pode ser fatal para determinadas produções, como frango. Na
geração distribuída, ele ainda pode fazer o mútuo com a distribuidora e ver os
seus custos com energia reduzidos. O biogás pode ser utilizado para gerar
energia elétrica ou mesmo gás natural veicular. Em Itaipu, o biometano gerado
por resíduos dos produtores da região é combustível para abastecer 59 carros da
empresa. Até o fim do ano, serão 70 veículos. “Temos projetos individuais, com
grandes agricultores e grandes cooperativas. Todos estão funcionando, gerando
energia das mais diferentes formas”, avisa Almeida.
A solução ambiental também entra como atrativo para
o uso de uma fonte renovável no meio rural. A transformação em energia acaba
com o passivo ambiental dos dejetos. A quantidade de resíduos gerada por dia é
maior do que a produção da propriedade. O processo de engorda do suíno é
desproporcional ao volume de dejetos que ele gera diariamente. “Tudo que se
produz no meio rural, o resíduo é maior que o produzido. Isso é um
desequilíbrio”, explica Cicero Bley, presidente da Associação Brasileira de
Biogás. Ele não se conforma com o pouco aproveitamento do resíduo no meio
rural, quando no exterior ele já é largamente utilizado. “É uma riqueza
potencial que tem sido jogada fora, tem se transformado em verdadeiro pesadelo
para os produtores rurais, não sabem o que fazer”, diz.
Para o presidente da associação, a ausência de
regulação e políticas públicas impede o incremento da fonte na agropecuária. A
não inclusão do biogás como possibilidade energética também prejudicou o
movimento. Fracassos de experiências anteriores não deram ao investidor a
certeza no investimento. Bley também lembra que os descuidos com a manutenção
dos biodigestores levaram a descontinuidade de projetos. “Energia não é um
ativo fácil de se fazer, sem manutenção não há energia. Equipamentos se
desgastam, vão perdendo eficiência e param. Nessa hora, o produtor não sabe o
que fazer”, comenta, pedindo mais atenção para o pós-venda das máquinas e com a
operação e a manutenção.
Mas nem todos os produtores do campo tem a consciência
que tem uma fonte renovável na sua própria propriedade e que pode ser um
autoprodutor. A adesão aos projetos ainda é considerada baixa e predomina uma
visão antiga sobre os biodigestores. Porém quando descobrem os benefícios
ambientais e a possibilidade energética, acontece a adesão. “Cada ano que passa
vemos mais plantas de biogás instaladas no país e aqui no Paraná vemos
cooperativas nessa de seguir com o biogás para garantir a segurança
energética”, observa Rodrigo Regis, diretor do Centro Internacional de Energias
Renováveis–Biogás.
Investimentos sem medo
Cícero Bley, da Abiogás
Regis dá como exemplo exitoso quando ouviu de um
produtor que a compra de um biodigestor para a sua propriedade até poderia ser
mais cara, mas não seria pior que ficar sem energia de modo a ter que
interromper a sua produção. A Granja Haacke, em Santa Helena (PR), é um dos
locais dos projetos de Itaipu Binacional. Lá há estrutura com biodigestor,
compressor e filtros para tratar os dejetos gerados por gado confinado e galinhas
poedeiras. A granja tem uma produção de biogás de 1.000m3/dia. O gás
que sai da granja vai abastecer a frota brasileira de carros de Itaipu. A
binacional também firmou uma parceria com a New Holland para testes com um
trator movido a gás natural. O trator ficou 60 dias na granja e teve desempenho
perfeito.
A falta de divulgação aos agricultores familiares
também é criticada por Antoninho Rovaris, secretário de Meio Ambiente da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Considerando o uso das
renováveis como uma das grandes questões do futuro no setor, ele vê
disparidades nos preços entre os estados. “Ainda há uma dispersão muito grande
em relação a valores”, conta.
A resolução 687 da Agência Nacional de Energia
Elétrica vai abrir um grande horizonte para o biogás, na opinião de Alessandro
Gadermann, diretor da GEO Energética. Ela é uma das maiores produtoras de
bioeletricidade do Brasil e vê na região sul o cenário mais propenso. “No Sul o
biogás é perfeito e ainda resolve o problema ambiental”, comenta. Ele pede mais
investidores no setor, uma vez que as tecnologias já estão consolidadas.
Trator da New Holland movido a gás trazido ao
Brasil por Itaipu
Surfando na onda do número crescente de conexões
para geração distribuída, a fonte solar também busca seu espaço no meio rural.
O uso de placas fotovoltaicas também aparece para atender funções como gerar a
energia para irrigação de hortas, bombeamento de reservatórios de peixes ou
refrigeração de gado leiteiro. Com a competitividade alcançada pela fonte,
empreendimentos rurais já conectados à rede podem complementar o atendimento.
De acordo com Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de
Energia Solar Fotovoltaica, a possibilidade de levar energia até partes remotas
de uma propriedade ainda sem conexão também dá força ao movimento. “Em vez dele
estender a rede até uma região, ele usa um sistema autônomo, com corrente
contínua”, observa.
Sauaia
recorda que o início do uso de energia solar no país se deu fora do ambiente
urbano conectado, em zonas rurais. A fonte fotovoltaica se mostrou uma
tecnologia estratégica, gerando energia em uma região de difícil acesso. A
associação vem trabalhando com entidades e associações da agricultura para
fomentar a tecnologia no meio rural. “A energia solar no ambiente rural atende
a uma série de funções, de demandas do meio”, revela. Assim como com o biogás,
o impacto ambiental é reduzido e no caso das placas, a necessidade de operação
e manutenção é mais baixa em relação aos biodigestores do biogás.
Solar atende demandas do meio rural
Rodrigo Sauaia, da Absolar
Em parceria com a Absolar e a Associação Brasileira
de Energia Eólica, o Governo Federal oferece desde 2015 a linha de crédito do
Pronaf Eco. Com juros subsidiados, carência de três anos e prazo de até dez
anos para pagar, a Secretaria de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento
Agrário espera ver a adesão dos produtores a energia renovável. André Luiz
Lemes Martins, Coordenador Geral de Agroecologia e Energias Renováveis da
Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, vê
com bons olhos essa inserção de renováveis em áreas rurais. A secretaria
planeja realizar seminários para divulgar a linha do Pronaf.
“Para ter acesso a linha, basta que o agricultor
procure o sindicato rural ou a Emater para obtenção da Declaração de Aptidão ao
Pronaf. Em seguida ele deve ir até a ATER da cidade para elaborar o projeto
técnico de financiamento”, explica Martins. Após essa etapa, ele deve
encaminhar o projeto para análise de crédito e aprovação do agente financeiro.
Com o Projeto Técnico, ele negocia o financiamento com o agente financeiro.
Aprovado o Projeto Técnico, o agricultor familiar está apto a acessar o
recurso.
Sem ter avaliado o contingente de produtores que já
usaram a linha, Martins explica que atualmente são 95 equipamentos solar
cadastrados para financiamento na secretaria. Para o secretário, também há
pouca divulgação das possibilidades do uso de renováveis na agricultura
familiar. Ele aceita que com o tempo e a disseminação dos bons exemplos aliados
com o empenho das esferas de governo, vai ser possível incrementar a adoção de
soluções de energia renovável.
Informações da secretaria dão conta que em
fevereiro de 2016, a fábrica de polpa de frutas da Comunidade de Barreiras, na
zona rural de Quixeré (CE), usa energia renovável na confecção do seu produto.
Ela reduziu os gastos com energia pela metade. A economia permitiu também que o
preço da mercadoria caísse, o que deu mais competitividade a ele no mercado.
O bom desenvolvimento de um projeto vai fazer com
que os seus riscos sejam mitigados. A presença dos técnicos e especialistas
nesse momento é fundamental, para que a relação entre o tempo de retorno e o
investimento não sofra qualquer tipo de desvio. “Não há motivo para ter medo de
fazer investimento em produção de energia. Isso significa assegurar a
possibilidade que o projeto em retorno viável”, ressalta Cícero Bley, da
Abiogás.
Mas se para um produtor rural não parece ser
difícil financiar um projeto desse tipo na sua propriedade, há um fator
estrutural que torna a entrada das renováveis no setor agropecuário
desafiadora. Devido a posição estratégica do setor, algumas atividades rurais
tem uma tarifa diferenciada, bem abaixo da cobrada para os demais usuários. Por
exemplo, o retorno do investimento sobre uma instalação de placas fotovoltaicas
vai demorar muito mais caso fosse aplicada sobre uma tarifa comum, tirando a
sua competitividade. “Representa certa dificuldade incentivar os agricultores
em investir em geração própria de energia”
Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, gostaria de
um debate maior sobre esse tema da tarifa, uma vez que a Conta de
Desenvolvimento Energético, encargo pago por todos os consumidores, subsidia
esse desconto. Segundo ele, poderia haver um reenquadramento do subsídio.
“Seria importante entender até que perfil de agricultor se justifica o
incentivo e se não seria interessante no caso de agricultores mais
estruturados, outros incentivos para torná-los mais autônomos, em vez de apenas
conceder subsídio tarifário”, observa.
Já Antoninho Rovaris, da Contag, não acredita que a
tarifa rural baixa seja um obstáculo para a instalação de um sistema de
microgeração ou geração distribuída em uma fazenda, por exemplo. Ele aponta que
a operação de mútuo não fica interessante para o produtor rural, tendo
preferência pela comercialização simples da energia. “O valor da energia não é
impeditivo. Impeditivo é poder gerar e jogar na rede e não receber por isso”,
diz. O dirigente coloca a questão do coletivo em primeiro plano e faz uma
crítica aos mecanismos que privilegiam apenas o individual. Ele gostaria que a
energia renovável também fosse fonte de renda para o agricultor familiar
organizado em grupos. “Os normativos nos impedem de ter uma cooperativa com 200
agricultores familiares produzindo uma quantidade de energia e não ter
comprador para ela porque a norma só nos permite a compensação”, define.
Rovaris elogia a redução nos custos de energia que
a GD proporciona, mas alerta para os valores cobrados na instalação de
sistemas. “O custo da implantação ainda está muito alto”, frisa. Ele vê no uso
das renováveis na produção um aliado importante para a manutenção do trabalho
no campo. No biogás, por conta do aspecto ambiental e da diversidade da fonte,
o investimento consegue mais justificativas para o retorno. Mais de 90% dos
casos dão viabilidade econômica com as linhas de crédito.
Uso de placas fotovoltaicas no meio rural
No campo técnico, a insegurança já não existe,
faltando um poder de decisão mais firme dos produtores rurais. Os resultados
obtidos com os projetos experimentais já credenciam para projetos em escala.
Rodrigo Régis, do Cibiogás, evidencia a necessidade de capacitação constante de
profissionais como agrônomos, engenheiros para dar conta da expansão das
renováveis no campo. Temos que quebrar essa insegurança, fazer com que isso
ande. “É uma nova área que vai fazer um arranjo de profissionais qualificados
para entrar e atuar”, afirma.
Em
outubro do ano passado, Itaipu anunciou a realização de um estudo de
viabilidade técnica e econômica da geração de energia solar, para que os
resultados sejam a base para elaboração de políticas públicas de incentivo.
Três propriedades receberão uma cobertura de 180 m² de módulos fotovoltaicos, o
correspondente a uma produção de 20 kW ou 2 MWh ao mês. A pesquisa será feita
pelo Centro de Energia Solar da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, que tem 20 anos de pesquisa no tema solar. (energia)
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