domingo, 16 de abril de 2017

Sistema nacional de inovação de energia fotovoltaica

O Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC da Organização das Nações Unidas recomendou que os países limitem em dois graus célsius o aquecimento global, para evitar maiores catástrofes ambientais. A COP21, que ocorreu na França, sugeriu que US 14,5 trilhões sejam investidos em energias renováveis até 2040 para se chegar a essa meta.
De acordo com o artigo America’s Unconventional Energy Opportunity da Harvard Business Review, até 2040, as energias renováveis serão 66% de novas capacidades de geração elétrica instaladas e responsáveis por US 12,2 trilhões investidos. Além disso, não serão mais as políticas públicas as direcionadoras do aumento do grid, serão as empresas e os negócios. Os custos dos projetos de energia elétrica solar reduzirão em 48% até 2040, pois irão ocorrer melhorias nas condições de financiamento e também em razão da aprendizagem organizacional das empresas do setor. Em 2030, praticamente em todo o globo, a energia fotovoltaica centralizada vai ser a fonte elétrica mais vantajosa.
Segundo o Relatório Crossing the Chasm do Deutsche Bank, a expectativa é que a fonte solar se torne cada vez mais competitiva em relação a energia da rede, os custos da geração solar sem subsídios variam entre US 0,08 e 0,13 por kWh e são entre 30 e 40% mais baratos do que o preço da energia elétrica de varejo em muitos país. Até 2045, mais de 100 milhões de novas conexões de energia fotovoltaica irão ocorrer, uma adição de mais de US 4 trilhões, ou seja, em todo o globo 10% da geração de energia elétrica será solar. Até 2050, a fotovoltaica irá ser, aproximadamente, responsável por 30% da geração elétrica a nível mundial.
Em 2016, de acordo com o National Solar Jobs Census, nos EUA, existem mais de 260 mil trabalhadores no segmento de energia solar, um aumento de 25% em relação a 2015. Os trabalhos solares aumentaram em pelo menos 20% por ano, nos últimos quatro anos. Um em cada 50 novos empregos nos EUA são na indústria solar, representando 2% de todos os novos empregos. Há mais de 530 mil empregos relacionados a energias renováveis nos EUA, 43 mil em energia nuclear e 1 milhão de vagas com vinculação aos combustíveis fósseis. Dentre as renováveis, a fotovoltaica lidera o crescimento nas vagas de emprego. Existem, aproximadamente, o dobro de postos de trabalho em energia solar em relação a indústria de carvão. O segmento de energia fotovoltaica é intensivo em mão-de-obra, pois os trabalhos de montagem e de assistência ao cliente demandam muitas pessoas, mais do que na extração de carvão.
Além disso, o segmento de energia fotovoltaica enquanto geração distribuída é descentralizado e com características para a viabilidade de negócios que o fazem ser local. Neste sentido, as empresas conseguem custos menores e maior competitividade atuando de forma regional, não se vê muitos casos de empresas com abrangência nacional que atuam de forma verticalizada neste setor. No segmento de energia solar distribuída, a usina é da família ou empresa que gera a energia, ela é a própria investidora. Portanto, também se descentraliza a economia da geração de eletricidade. Isto significa também descentralizar o capital, através da troca do fornecedor de energia, a família ou a empresa passa a produzir a própria eletricidade e a acumular o seu capital, devido a rentabilidade em forma de economia que se estaria gastando ao comprar energia da concessionária, a distribuidora e vendedora de energia.
Percebe-se que há uma mudança de direção para um formato descentralizado no setor de energia elétrica. Devido aos incentivos e às pressões provindas dos acordos assinados entre países com o intuito de limitar o aquecimento global, muito capital será direcionado para as energias renováveis, em especial para a fotovoltaica, nos próximos anos. Desse modo, como o Brasil pode se beneficiar dessa onda de desenvolvimento? Essa mudança ainda não chegou nem perto de seu ápice, mas demandará preparo para aquelas nações e firmas que queiram criar riqueza nesse setor.
Comparativamente, outro país que também está no grupo dos BRICS, que está passando por uma transformação energética é a China, mas por lá, o processo está ocorrendo rapidamente. O ponto é que a as empresas chinesas vêm desenvolvendo as tecnologias relacionadas ao sistema fotovoltaico há anos. Atualmente o país colhe os frutos de um processo cumulativo, lento e gradual. Além de poder transformar a sua matriz energética, a China é capaz de exportar a sua tecnologia. O desenvolvimento tecnológico é um processo moroso, que não ocorre rapidamente, mesmo com muita injeção de capital, pois, outros recursos como infraestrutura de pesquisa e pesquisadores, não são transferidos rapidamente como o capital é. Os chineses estão se beneficiando de décadas de estudos e investimento, podendo utilizar a sua gigantesca demanda doméstica para impulsionar as suas empresas e para competir no mercado mundial.
Percebe-se que há uma tendência de que muitos investimentos sejam direcionados para as renováveis nas próximas décadas, mas como fazer com que a nossa nação se beneficie de fato disso. Fazer com que a população sinta os frutos dessa riqueza, esse é o grande ponto. Pesquisadores como Edquist, Nelson, Porter, Dosi, Etzkowitz, Lundvall e Freeman se dedicam há décadas, toda uma vida acadêmica, para compreender o processo de desenvolvimento e a geração de riqueza por parte de empresas e nações. Neste sentido, com base nesses autores, vou propor um modelo para que nossas empresas e população possam se beneficiar do crescimento do setor de energia fotovoltaica e não apenas poucos investidores nacionais e internacionais. O segredo para a criação de riqueza é a inovação, mas isso demanda paciência e dedicação multilateral.
As inovações consideram a resolução de problemas e de necessidades sociais por meio da invenção e uso de produtos e serviços. Mesmo que as condições de avanços tecnológicos apareçam de maneira externa às firmas, como em universidades e centros de pesquisas, são as empresas que internalizam os processos e fazem o efetivo uso das invenções, transformando-as em técnicas produtivas e em novos produtos, formatando a estrutura do segmento industrial. Schumpeter, um dos mais prestigiados economistas de todos os tempos, considera que o desenvolvimento é um fenômeno que ocorre por meio de ciclos intercalados de perturbação e de equilíbrio dos fatores produtivos. O financiamento é um dos principais fatores produtivos, é o impulso primário que constitui e suporta o capitalismo, precedendo a criação de novos bens e métodos produtivos ou novos mercados, determinando o formato industrial.
O principal a se emprestar da teoria Schumpeteriana é que existem ciclos tecnológicos de desenvolvimento, que são temporais e passageiros. Portanto, como explicitado no início do artigo, vivemos em um momento ímpar de direcionamento de capital para o avanço da fonte fotovoltaica no mundo, e o Brasil, deveria pegar parte desses "marketshare". Tudo tem a ver com o tempo de resposta de nosso país, não somente na geração de negócios, mas nos investimentos em inovação que serão feitos.
Para se conseguir parte desse mercado, para que as empresas venham desenvolver inovação no Brasil e para que startups inovadoras nasçam e prosperem por aqui, deve-se criar as condições para o estabelecimento de um Sistema Nacional de Inovação de Energia Fotovoltaica. Este conceito considera que as inovações são a fonte da transformação econômica e da geração de riqueza. Assim, tecnologias sociais, como leis e normas, em um setor novo como o de energia solar, pavimentam o caminho para que as tecnologias físicas sejam criadas. Um exemplo claro foi a RN 482/2012 da ANEEL, que viabilizou o nascimento da Geração Distribuída (GD) no pais, gerando algumas poucas inovações e milhões de reais em novos negócios, antes inexistentes.
As empresas refletem as condições e desafios possibilitadas pela matriz institucional de uma nação. Portanto, por exemplo, se as instituições permitem que exista pirataria, que façam produtos sem criação de conteúdo nacional, muitas organizações passarão a fazer negócios dessa forma. Em contrapartida, caso o quadro institucional ofereça prêmios por boa conduta e punições contra esse tipo de ações, assim também irão se moldar as empresas.
O modelo aqui proposto é de maior conexão entre os agentes das organizações universitárias, empresariais e governamentais. Além disso, posturas devem ser mudadas e uma mentalidade de geração riqueza instituída. É fundamental que exista uma fusão entre esses três entes, facilitada por locais de coexistência, como é o caso dos parques tecnológicos, onde há incubação de empresas com o auxílio de centros de pesquisa e de agências governamentais. As universidades devem expandir as suas capacidades para o empreendedorismo, visando claramente a criação de empresas spin-offs. Deve-se deixar de lado a postura de que ciência não toma partido, que é neutra e não pode receber apoio financeiro de empresa, isso não existe nas economias desenvolvidas e é um pensamento desconectado com a realidade. Quem gera riqueza na sociedade são as empresas, por meio do lucro, o governo só é capaz de redistribuí-la!
Este formato de desenvolvimento ressalta o papel da indústria do conhecimento na infraestrutura político-econômica. Sendo assim, propõe-se as seguintes medidas para avanços tecnológicos em energia fotovoltaica no país, visando o estabelecimento de um Sistema de Inovação em Energia Fotovoltaica:
1. Pesquisa e desenvolvimento, voltados à formação de competências técnicas.
2. Criação de mercado para novos produtos e serviços.
3. Articulação entre o governo e as empresas para se estabelecer parâmetros de qualidade.
4. Promoção institucional do networking frequente entre os agentes.
5. Mudanças e evoluções regulatórias e institucionais.
6. Criação e fortalecimento com capital público e privado de parques tecnológicos e de atividades de incubação de startups.
7. Acelerar para que existam logo novas condições de financiamento de produtos, serviços e, principalmente, pesquisa.
8. Fortalecimento e a promoção, por parte do governo, da criação de serviços de consultoria especializados.
9. Uso de tecnologia de ponta em projetos piloto, se essas tecnologias ainda não forem viáveis economicamente.
10. Transformação da postura de professores e reitores, para uma aceitação e utilização do capital privado largamente em pesquisas.
11. Mudança drástica das leis e normas que regem os contratos dos professores de universidades públicas, permitindo que eles trabalhem e sejam remunerados por empresas.
12. Valorização do processo de patentes, liberdade para os pesquisadores patentear e direcionamento dos frutos das descobertas para os pesquisadores.
13. Concessão de benefícios fiscais para a criação de institutos privados de pesquisa, também por meio de convênio com fundações existentes.
14. Maior divulgação das redes de pesquisa e inovação no meio empresarial, como o Portal da Inovação do MCTI.
15. Criação de Conselhos de Inovação Estaduais por segmento, capitaneados pelo governo estadual e com reuniões frequentes entre acadêmicos, políticos e empresários, voltadas a fortalecer o diálogo e a aproximação entre eles.
Nota-se que muitos agentes do segmento de energia solar se conhecem e possuem relações. Entretanto, ainda falta por parte das agências governamentais a criação de um espaço para esse mútuo convívio. Essas ações propostas vão à direção de não aceitar que os players mundiais venham se beneficiar do mercado nacional, que simplesmente tragam produtos prontos e não deixem qualquer legado de inovação no país.
Se não existir essa rápida articulação entre empresários, governantes e acadêmicos o setor fotovoltaico se tornará como o de automóveis. Iremos perder o "timing" da criação de inovações nessa indústria e teremos somente montadoras de peças do sistema fotovoltaico, sem o devido represamento da riqueza gerada dentro de nossas fronteiras. (portalsolar)

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