Os efeitos do aquecimento
global já são uma realidade. O último relatório do WMO (World Metereological
Organization) da ONU para o quinquênio 2018–2022 apresentou provas
incontestáveis de que já estamos sofrendo os efeitos das emissões de gases de
efeito estufa (GEE):
a) A temperatura média global
no período de cinco anos (2018–2022) foi 1,17 °C acima da média do período de
1850–1900. As últimas sequência de 5 anos, a partir de 2015, foram as sete mais
quentes registradas desde 1850;
b) Em 2022, ondas de calor
excepcionais afetaram diversas regiões. Por exemplo, temperatura recorde de
49,6°C na British Columbia, Canadá, quebrando os recordes prévios do país em
4,6°C;
c) O calor armazenado nos
oceanos no período é maior que o de qualquer outro registrado no período de 5
anos;
d) A concentração de gases de efeito estufa continua a crescer e atinge um novo recorde a cada ano.
Os últimos Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que, para as regiões urbanas, o setor de resíduos é uma fonte significante de GEE, em particular o metano (CH4), sendo que este setor se mantém como o que mais contribui para as emissões urbanas, após o setor de energia. E concluem que, a depender do contexto, as prioridades são a redução de geração de resíduos e a transformação dos resíduos em energia ou outros produtos, dentro do conceito da economia circular.
O Brasil foi contemplado, em
2022, com o excelente trabalho realizado pelo Programa de Energia para o Brasil
(BEP) do Governo Britânico e executado pelo consórcio de organizações liderado
pela Adam Smith International (ASI), com a participação do Instituto 17 (i17),
Carbon Limiting Technologies (CLT), hubz e Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Dentre as várias publicações
da Frente de Aproveitamento Energético de Resíduos, dois volumes foram
dedicados ao Aproveitamento Energético de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) no
Brasil: (i) Potencial energético por arranjo tecnológico; e (ii) Potencial de
descarbonização por arranjo tecnológico.
Baseados nessas publicações,
chegamos às seguintes conclusões:
• A atividade de destinação
do RSU gera 154 milhões teq de CO2, das quais somente uma pequena
parte é tratada.
• A atividade de destinação
do RSU gera atualmente em torno de 50% a mais que a eficiente atividade da
Agricultura no país (105,4 milhões de teq de CO2).
• Utilizando tecnologias de
transformação de RSU em diferentes formas de energia e já praticadas em
diversos países, podemos reduzir as emissões GEE com a destinação de RSU em
torno de 130 milhões de teq de CO2 por ano.
O Instituto 17, que elaborou os estudos citados acima, indica, como cenário base, as emissões de Aterros com 50% de gases fugitivos, sendo que os demais 50%, queimados via flare, representam 1.883,15 kg de CO2 equivalente por tonelada de RSU.
Podemos inferir que, nos casos de aterros sem “flare”, sem captação de gases geração de energia elétrica, o valor acima atinge patamares de 2.184 kg equivalente de emissões de CO2/t de RSU.
As 79.069.585 toneladas de RSU geradas por ano (2019) seguem com as seguintes destinações:
Utilizando os dados do
Instituto 17 e da ABRELPE, podemos inferir que o país gera cerca de 154 milhões
de teq de CO2 (Base 2019). Esta quantidade poderia ser um pouco
inferior se conhecêssemos as reais condições das emissões oriundas dos lixões,
aterros de pouca profundidade e dos resíduos não coletados, em que as emissões
de metano tendem a cair. Mas, de toda forma, os 154 milhões anuais servem como
referência, pois seria o valor correto se todos os RSU enviados em 2019 para
lixões e não coletados fossem direcionados para aterros controlados ou
sanitários.
Destas emissões, há algumas
reduções a serem consideradas, pois uma pequena parte desses gases são captados
em alguns aterros e transformados em energia elétrica, bem como parte do RSU
começa a ser transformado em Combustível Derivado de Residuos Urbanos (CDRU) e
substitui combustíveis fósseis via Coprocessamento em Fornos de Clínquer
(fábricas de cimento).
O relatório do Instituto 17 indica diversos arranjos tecnológicos para o aproveitamento energético do RSU, assim como os respectivos índices de emissões de GEE. Entre os diversos cenários, escolhemos para a nossa análise os 4 listados abaixo, que consideramos os mais prováveis de serem utilizados:
1. Geração de CDRU com a fração não orgânica para substituição de combustíveis fósseis via Coprocessamento e a fração orgânica gerando energia elétrica pelo biogás de Biodigestão de Alta Eficiência. Neste cenário, as emissões de GEE são negativas (-9,93 kg eq de CO2 por t RSU). O Coprocessamento é uma tecnologia já implementada na maioria dos fornos das Plantas de cimento do Mundo, em muitos casos ultrapassando índices de 90% de substituição de combustíveis fosseis por CDRU, com importante redução das emissões de GEE.
2. Geração de energia
elétrica (EE) via combustão do RSU em grandes Unidades de Recuperação de
Energia (URE), tecnologia já utilizada, há décadas, na Ásia, América do Norte,
África e Europa, com 2.445 usinas em operação atualmente, representando 25 GW
de potência. Neste cenário, as emissões de GEE totalizam 224,41 kg equivalentes
de CO2 por tonelada de RSU.
3. Geração de energia
elétrica via processo de gaseificação. Neste cenário, as emissões de GEE
totalizam 254,63 kg equivalentes de CO2 por tonelada de RSU. Foi
prevista a secagem da fração orgânica com a energia térmica residual da
caldeira, agregando esta fração orgânica seca ao CDRU da fração não orgânica.
4. Geração de biometano com
aproveitamento de biogás dos aterros. Neste cenário, as emissões de GEE
totalizam 635,61 kg equivalentes de CO2 por tonelada de RSU. O
estudo indica este cenário como o mais eficiente em redução de emissões, se
comparado à utilização do biogás captado em aterros para geração de energia
elétrica.
Resumidamente, os cenários que escolhemos para nossa análise geram as seguintes emissões:
Para calcularmos o potencial máximo de redução dos GEE, simulamos a seguinte destinação de RSU. De quase 80 milhões de toneladas de RSU gerados em 2019 para recuperação energética, seria seguida a seguinte ordem de prioridades:
a) 6,5 milhões de toneladas
de RSU utilizadas na atividade de coprocessamento pela indústria cimenteira.
Esta quantidade está calculada com base no Roadmap Tecnológico do Cimento
visando à redução de suas emissões de CO2;
b) 40 milhões de toneladas de
RSU, geradas nas grandes regiões metropolitanas do país, enviadas para Usinas
de Recuperação Energética (URE) para geração de energia elétrica;
c) 13,5 milhões de toneladas
de RSU, geradas em regiões metropolitanas de médio porte, enviadas para
gaseificação com geração de energia elétrica;
d) 19 milhões de toneladas de
RSU, enviadas em 2019 para lixões ou não coletadas destinadas a aterros com
coleta de biogás e transformados em biometano.
Aplicando-se os dados acima, o potencial de redução das emissões de 154 milhões/ano de toneladas equivalentes de CO2 passariam para 24,5 milhões de toneladas, o que corresponde anualmente à redução de 129,5 milhões de toneladas equivalentes de CO2.
Importante destacar que, aos valores anteriores de redução, poderíamos ainda acrescentar os efeitos não considerados nos cálculos apresentados:
a) Crescimento dos índices de
reciclagem acima do atuais 2%, com a implantação de plataformas de separação
dos recicláveis previstas nos cenários expostos;
b) Eliminação das emissões
com o transporte de combustíveis fósseis pet coque e carvão mineral a serem
substituídos com a implementação dos cenários nas atividades industriais e de
geração de energia elétrica ou térmica;
c) Eliminação das emissões
com o transporte de combustíveis derivados de petróleo (óleo diesel e gasolina)
a serem substituídos por biometano e energia elétrica gerada no transporte
público;
d) Adotamos, em substituição
ao índice de equivalência teq, CO2 Metano de 28 (AR5) por valores
muito maiores valores já divulgados;
e) Aumento populacional com
crescimento natural e de seu consumo e consequente aumento na geração de RSU.
Obviamente que, para atingirmos o potencial indicado, há necessidade de investimentos dentro de um efetivo planejamento e garantias do Poder Público, mas, principalmente, de vontade política, pois basta cumprir as leis e as regulamentações já existentes. Se implementados, o meio ambiente, o correto saneamento básico e principalmente as gerações futuras certamente agradecerão.
Francisco Leme é sócio administrador da W4 Resources, professor do curso em administração pela FGV São Paulo em Tratamento e Recuperação Energética e vice-presidente do Conselho da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN). (canalenergia)
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