Heitor Scalambrini Costa -
Professor associado, aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
Zoraide Vilasboas - Ativista
por Direitos Humanos e da Natureza e facilitadora da Articulação Antinuclear
Brasileira
A produção de energia, seja
de fontes renováveis ou não renováveis, inevitavelmente causa impactos no meio
ambiente e na saúde dos seres vivos. A geração de energia, a partir de
combustíveis fósseis, contribui para a poluição do ar com gases tóxicos e
emissões de gases de efeito estufa, agravando o estado de emergência climática.
Já a poluição por minérios radioativos se dá pela contaminação do meio
ambiente, proveniente de atividades como mineração, usinas nucleares, uso
bélico, e acidentes com vazamento de materiais radioativos. Esta contaminação
pode causar sérios danos, com efeitos que variam, dependendo do tipo de
material radioativo, dose e forma de exposição.
Um dos líderes mundiais na
produção de energia elétrica com fontes renováveis, o Brasil tem cerca de 90%
da oferta de energia elétrica constituída por energia hidroelétrica, eólica,
solar e biomassa. Possui duas usinas nucleares, e uma terceira inacabada, cuja
construção começou nos anos 80 do século passado. A contribuição nuclear à
matriz elétrica é inferior a 2% da potência total instalada, e a energia
produzida é inferior a 3% de toda energia gerada no país. Esta insignificante
participação na matriz elétrica não tem impactado a segurança energética, como
afirmam os lobistas da energia nuclear.
Aproveitando os desafios das
mudanças do clima, novos e distorcidos argumentos vêm sendo divulgados a favor
da expansão de usinas nucleares para as próximas décadas, para a
descarbonização e para garantir a segurança energética. Para justificar a
necessidade de novas usinas apelam para a desinformação, a negação da Ciência e
a falta de transparência na divulgação de informações importantes para a
opinião pública sobre os reais riscos e os aspectos econômicos envolvidos.
O setor nuclear brasileiro
tem uma trajetória de passado nebuloso, repleto de episódios controversos.
Entre eles, está o secretismo do Programa Nuclear Paralelo/Clandestino, a
corrupção no Acordo Nuclear Brasil Alemanha que originou uma CPI, o contrabando
e exportação de areias monazíticas do litoral capixaba/baiano/fluminense,
paralisação das atividades do Grupo do Tório da UFMG, a irresponsabilidade e o
déficit de competência técnico-gerencial, as propinas milionárias recebidas por
gestores do setor, a falta de controle social, o legado de morte e contaminação
deixado pela (antiga estatal) na extração de terras raras, a tragédia do
Césio-137 em Goiânia, o enorme passivo ambiental da mineração de urânio, no
Planalto de Poços de Caldas/MG e em Caetité/BA, a insegurança em radioproteção
acarretando roubos e sumiços de radiofármacos e de fontes radioativas, e a
omissão de informações cruciais para a população sobre graves ocorrências, como
vazamentos de água radioativa das usinas nucleares, em Angra dos Reis/RJ. Esses
e outros episódios aprofundaram perante a opinião pública o crescente
descrédito sobre o desempenho da indústria nuclear e de seus gestores,
privilegiados com supersalários. Este ano, o desgaste da Eletronuclear
(responsável pelas usinas) ficou bem evidenciado, perante uma crise financeira
sem precedentes que acabou numa inédita greve dos trabalhadores das usinas e da
parte administrativa, causando prejuízo diário de R$ 5 milhões.
Algumas inverdades propagadas
são motivadas pelas consequências políticas e econômicas que representam,
merecem esclarecimentos:
Energia nuclear é inesgotável
As usinas nucleares
existentes em sua grande maioria, utilizam como combustível o urânio 235
(isótopo físsil do urânio), encontrado na natureza na proporção, em média, de
0,7%, dentre os isótopos de urânio. Todavia é necessária uma concentração entre
3%-4% para ser usado como combustível. Assim é necessário enriquecê-lo, para aumentar
o teor do elemento físsil. Com a atual tecnologia haverá urânio 235, suficiente
para mais 30-50 anos, para atender as usinas nucleares existentes.
Nuclear é barata
É muito mais cara do que nos
fazem crer, sem contar com os custos de armazenagem do lixo radioativo, e do
desmantelamento das instalações no fim da vida útil da usina, que tem custo
estimado entre 25-30% ao de sua construção. Segundo estudo do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) realizado em 2024, no âmbito do projeto
de Angra 3, o custo da energia nucleoelétricas está em torno de R$ 653,31 por
MWh, cerca de 2 a 3 vezes mais que o da solar fotovoltaica, eólica e
hidroelétrica. A omissão de informações é prática recorrente. Seguem em sigilo,
por exemplo, estudos comparativos entre alternativas de geração, finalizados
pela Empresa de Pesquisa Energética, desde 2022.
Desastre nuclear causa baixa
mortalidade
O contato de seres vivos, em particular de humanos, com a radiação liberada, tem efeitos biológicos dramáticos, e vai depender de uma série de fatores, como o tipo de radiação, o tecido vivo atingido, o tempo de exposição e a intensidade da fonte radioativa. Em casos de acidentes severos já ocorridos, o número de mortes logo após o contato com material radioativo não foi grande, mas as mortes posteriores foram expressivas. Nestes casos, a dificuldade de contabilizar a verdadeira taxa de mortalidade é dificultada pela mobilidade das vítimas. Pessoas que moravam próximas ao local destas tragédias, e que foram contaminadas, se mudam, ficando praticamente impossível acompanhar caso a caso.
A nuclear é segura
Embora o risco de acidente
seja pequeno, é preciso considerá-lo, pois já aconteceu em diferentes momentos
da história e possui consequências devastadoras. Um desastre nuclear torna a
área em que ocorreu inabitável. Rios, lagos, lençóis freáticos e solos são
contaminados e ainda ocasiona alterações genéticas em seres vivos. Não existe
risco zero.
O uso da nuclear cresce
Esta é uma falácia recorrente
dos que creditam a esta tecnologia um crescimento mundial. Vários países como
Alemanha, Áustria, Bélgica, Itália e Portugal têm dificultado a expansão de
usinas, e mesmo abandonando a nucleoeletricidade. O movimento antinuclear tem
crescido entre a população em diversos países, como França e Japão.
Nuclear é necessária
No caso do Brasil, duas
usinas existentes participam da matriz elétrica. Embora as projeções
governamentais apontem para mais 10.000 MW até 2050, assim mesmo, a
contribuição da nucleoeletricidade será inferior a 3%. O Brasil, que tem uma
biodiversidade extraordinária e fontes renováveis em abundância, não precisa de
energia nuclear.
É limpa
Não existe uma fonte que só
tenha vantagens. Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder
destruidor que tem qualquer vazamento de radiação, não deve ser usada para
produzir eletricidade.
Os registros de câncer,
malformações, infertilidade, doenças cardíacas e síndromes genéticas são as
consequências da radiação que impactam profundamente a saúde física e mental.
Os impactos da radioatividade seguem presentes no solo, na água e na fauna
local, e continuarão afetando gerações por milhares de anos.
Não é segredo para ninguém a
nefasta simbiose entre a energia nuclear e a indústria bélica. A tecnologia
atômica está no DNA de todos os programas nucleares, mesmo os chamados de
“pacíficos”. O Brasil domina a tecnologia do ciclo do combustível nuclear e
preocupa porque, segundo a World Nuclear Association (Associação Nuclear
Mundial), é uma das 13 nações capazes de enriquecer o minério, imprescindível
para a fabricação da bomba atômica. Tem cobiçadas reservas de urânio e planeja
construir mais usinas nucleares.
Os conflitos geopolíticos
atuais (Ucrânia X Rússia, Israel X Gaza/Irã e outros) vimos, ao vivo e a cores,
instalações nucleares serem atacadas nessa nova escalada da corrida
armamentista, enquanto órgãos como a Organização das Nações Unidas e a Agência
Internacional de Energia Atômica perderam a credibilidade na mediação e de
prevenção, além da capacidade para controlar sequer o uso de artefatos de
urânio empobrecido e as armas nucleares táticas.
Todavia, o perigo nuclear que nos ronda está não só na fabricação e uso de armas nucleares, mas também na proliferação dessas usinas, que usam o urânio 235, enriquecido, produzindo resíduos altamente radioativos. Um desses resíduos é o plutônio-239, isótopo físsil utilizado na bomba lançada em Nagasaki (Japão).
A postura agressiva das empresas, que investem pesado na falsa propaganda de que a energia nuclear é limpa, tentando neutralizar o natural rechaço da população à esta nefasta tecnologia, encontra amparo na ONU, que usa erradamente a expressão Energia Limpa no seu 7° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em que declara “que a energia limpa e acessível assegura o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos”. É necessária e urgente a correção deste equívoco em documentos institucionais, nos debates, produções acadêmicas, entre militantes socioambientais e as pessoas comprometidas com o desarmamento e a cultura da paz global. (ecodebate)
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