segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Competitividade internacional do etanol

Competitividade internacional do etanol brasileiro: oportunidades e ameaças
A competitividade é um dos principais fatores que garantem o crescimento e o sucesso de um produtor ou de um país. Competitividade é uma questão de grau. Existe um espectro de possibilidades (níveis) de modo que não se trata apenas de ter ou não ter, mas em se possuindo alguma competitividade, importa saber em que patamar ela se encontra. O conceito de competitividade é relativo e se define pela comparação entre produtores ou países. Ela pode ser mensurada, basicamente, por meio do ritmo de crescimento das vendas, da rentabilidade e, principalmente, da participação de mercado (market-share) do agente ou do conjunto de agentes em análise.
Deste modo, é possível que os elementos que compõem a competitividade de uma indústria sofram uma piora em certo momento, mas a indústria pode permanecer competitiva em alguma medida. Em mercados de produto homogêneo, ou com poucas diferenças qualitativas (como é o caso do etanol), o preço é um elemento decisivo na determinação da competitividade. Quando um produtor é capaz de praticar preços abaixo de seus concorrentes, suas vendas podem crescer e ele pode conquistar e manter uma maior participação de mercado. O preço também pode oferecer sinais de mercado a respeito da estrutura de custos e da eficiência de um produtor. É basicamente a relação entre os custos e os preços que determina a rentabilidade do negócio. Assim, os produtores eficientes em custos têm condições para serem mais competitivos no mercado global, mantendo o crescimento das vendas e um maior market-share, ao sustentar preços abaixo daqueles praticados por seus concorrentes.
A produção brasileira de cana-de-açúcar, de etanol e de açúcar tem um nível elevado de competitividade internacional. Os baixos custos de produção e o maior market-share das exportações mundiais de etanol e açúcar manifestariam tal condição. A indústria sucroenergética nacional se beneficia do uso da cana-de-açúcar como matéria-prima, pois geralmente seus custos são inferiores aos do milho americano. A produtividade agroindustrial do etanol de cana era quase duas vezes superior ao do etanol de milho no passado recente.
Adicionalmente, o consumo de etanol no Brasil e nos Estados Unidos cresceu muito na segunda metade da década de 2000. O aumento da produção gerou um ambiente mais competitivo e permitiu a apropriação de economias de escala por parte dos produtores desses dois países. Além disso, as oportunidades oferecidas pelos subprodutos da fabricação do etanol vêm sendo aproveitadas de forma mais apropriada. Tudo isso contribuiu para a redução dos custos do etanol feito de cana-de-açúcar e do etanol produzido com o milho.
No que se refere à análise de competitividade, a maioria dos estudos não contempla adequadamente os custos de transporte do etanol de cana para os EUA e foram realizados quando o câmbio estava desvalorizado para os níveis atuais. Na prática as vantagens do etanol de cana dependem do câmbio, do preço da matéria-prima, do transporte e da influência dos subprodutos de cada processo produtivo, os quais reduzem os custos operacionais. Isso sem considerar as barreiras tarifárias ao comércio internacional. Em verdade, os custos operacionais na produção dos dois tipos de etanol são parecidos, enquanto o custo da matéria-prima no Brasil é inferior ao do milho americano. Entretanto, dois aspectos compensariam essa desvantagem. Por um lado, os custos de transporte encarecem o etanol brasileiro e, por outro, os produtos obtidos com o milho desoneram o etanol dos EUA, tornando-o mais competitivo naquele país.
Como se pode observar na Figura 1, em 2006, o custo do litro de etanol produzido por meio de cana de açúcar no Brasil variava entre US$ 0,25/litro e US$ 0,35/litro. Já a faixa de custo do litro de etanol feito do milho americano estava entre US$ 0,40/litro e US$ 0,60/litro naquele ano. Embora esses custos possam variar com as oscilações econômicas, a tendência recente desses custos teria sido de queda. Depois das safras recordes de 2007 e 2008, o custo do etanol de milho americano teria caído. Em 2005 o seu custo médio era de aproximadamente US$ 0,54/litro. De janeiro a maio deste ano, o custo da matéria-prima (milho) figurava em US$ 0,24/litro, enquanto o custo total do etanol era de US$ 0,35/litro.
Essas condições de custos permitiram que o etanol americano importado chegasse ao Brasil com o preço de R$ 1,05 mil/metro cúbico em certas ocasiões de 2010, por exemplo. Embora a média de preço do etanol brasileiro tenha figura próxima dos R$ 1,02 mil/metro cúbico neste ano, em muitos momentos os preços estiveram acima desse patamar. Já a máxima do ano foi de cerca de R$ 1,32 mil/metro cúbico. Em 2010 o etanol brasileiro – livre de impostos e frete – esteve mais caro do que o americano. Isso ocorreu até mesmo no mês de junho em que o preço doméstico atingiu a menor média de preço do ano: R$ 783/metro cúbico. O preço médio FOB (free on bord) de setembro esteve em R$ 823/metro cúbico – mês em que o preço médio das exportações brasileiras de etanol esteve no patamar mais baixo do ano.
Figura 1: Faixa de Custo por litro de Etanol
A investigação a respeito dos custos de produção de etanol depende das premissas e das condições em que se encontram as variáveis econômicas relevantes. Como os custos são expressos em dólares o câmbio tem um impacto significativo na definição dos mesmos. Assim, uma análise que considere fixo o câmbio no nível médio da década de 2000 (cerca de R$ 2,30) poderia concluir por uma quase equivalência no grau de competitividade entre o etanol de milho e de cana-de-açúcar.
É razoável o argumento de que essa situação seria sustentada pela tarifa de importação e pelos subsídios do governo americano ao etanol. Todavia, essa ilação feita de modo simplista pode induzir a equívocos. Ela tende a desconsiderar que mudanças técnicas e econômicas podem ser capazes de sustentar ganhos de competitividade do etanol americano, mesmo em um contexto de ausência de subsídios e tarifas de importação no mercado americano.
Já uma análise que enfatize a sensibilidade dos custos em relação à variável câmbio e à tecnologia, pode, por exemplo, apontar uma superioridade consistente do etanol americano em um contexto em que a cotação do dólar permaneça abaixo dos R$ 1,90 (como ocorreu em 2010). Ao se adicionar os custos de frete o etanol brasileiro ficaria mais caro nas duas análises. Quando se somam os impostos de importação a diferença se amplia mais em benefício do etanol de milho dos EUA, quando o lócus de comparação está referenciado no mercado americano.
A Figura 2 mostra que a partir de agosto de 2009 o preço do etanol paulistano (com o frete) superou o preço do etanol americano (free on bord).
Figura 2: Preço do Etanol (inclui frete para Nova Iorque)
Nos três primeiros trimestres de 2010, os EUA teriam exportado mais de 900 milhões de litros de etanol. Na condição de maior produtor e principal consumidor de etanol o país também estaria esboçando interesses no mercado internacional. A expectativa é que os EUA exportem cerca de 1,2 bilhões de litros de etanol em 2010 – valor não muito inferior aos 1,7 bilhões de litros estimados para as exportações brasileiras em 2010. Nos últimos dois anos as exportações do Brasil retrocederam. Na safra 2008-2009 as exportações atingiram os 4,8 bilhões de litros. Em se mantendo essa tendência, o market-share americano pode se igualar e até superar o brasileiro ameaçando a liderança do Brasil no mercado mundial de etanol no curto prazo. Em verdade, a desvalorização do dólar também foi decisiva para a recente melhoria na competitividade e no desempenho exportador do etanol americano.
É bem verdade que além de problemas sazonais e de conjuntura econômica, os produtores brasileiros enfrentam obstáculos de natureza tarifária às exportações do etanol. Os subsídios ao produto americano também são significativos e estiveram entre US$ 5,5 bilhões e US$ 7,3 bilhões. Eles equivalem ao valor aproximado de US$ 0,45 por galão (cerca de US$ 0,12 por litro). Os produtores brasileiros são prejudicados com os incentivos oferecidos ao produtor americano, tais como os empréstimos a “fundo perdido” que na prática funcionam como subvenções. Tais instrumentos alteram a estrutura de custos da indústria americana e a torna mais competitiva.
Contudo, a proteção tarifária e parte dos subsídios americanos podem se reduzir no curto prazo. Há um embate político no congresso americano diante da necessidade de ajuste fiscal do governo americano. Independente disso os produtores brasileiros precisam demonstrar que a segurança energética em relação ao etanol estará garantida caso o driver de crescimento da produção de etanol seja o Brasil. O processo de consolidação do setor pode ajudar a aumentar a estabilidade do setor.
A natureza sazonal da produção agrícola da cana-de-açúcar atua no sentido de conferir instabilidade ao mercado de etanol brasileiro. Diante dos aspectos tratados aqui, as vantagens econômicas do etanol brasileiro costumam variar em ciclos, de modo que a maior parte das exportações tende a ocorrer em janelas de oportunidade ao longo do ano. Algo semelhante ocorre no que se refere à viabilidade econômica de importar etanol dos EUA. Os produtores americanos começam a aproveitar melhor essas oportunidades, as quais, para o Brasil podem se traduzir em ameaças. Diante do potencial teórico de aumento da produção de etanol doméstica, pode não ser apropriada para a imagem do Brasil uma situação hipotética de se tornar importador líquido de etanol, por exemplo. Em 2010 o país importou gasolina e etanol.
Para o aumento da competitividade do etanol nacional a construção de etanol-dutos contribui muito na medida em que reduz os custos de transporte (podendo chegara 57% de redução) e estimular um novo ciclo de investimentos no setor, mas resolvem apenas uma parte (importante) do problema. Os investimentos na modernização das caldeiras também têm uma influência significativa nos custos globais do negócio sucroenergético, podendo ter impacto positivo de cerca de 20% nos resultados financeiros de uma usina. Caldeiras mais eficientes geram mais energia elétrica e, portanto, podem permitir a redução do preço do etanol, bem como podem elevar a rentabilidade das usinas na medida em que essa energia é comercializada.
Embora o etanol de cana brasileiro seja bem superior do ponto de vista ambiental, não é razoável que a indústria nacional se apóie somente no discurso da sustentabilidade para emplacar o aumento de suas vendas, seja no plano doméstico ou internacional. É desejável que o benefício ambiental seja um elemento adicional à viabilidade econômica da utilização de um etanol que pode ser produzido em condições competitivas no Brasil. Certamente a determinação do nível do câmbio transcende a capacidade dos produtores brasileiros de reduzir custos, mas a modernização da indústria deve ser perseguida efetivamente. A melhoria na eficiência da cogeração é uma oportunidade ainda pouco explorada. Somente um quinto das usinas tem caldeiras de alta eficiência no Brasil.
Por fim, é preciso assinalar que incrementos de competitividade do etanol brasileiro podem ser obtidos de diversos modos, dentre eles figuram: os investimentos em infra-estrutura, a modernização das plantas e a formação de estoques reguladores. A melhoria nos índices de liquidez e endividamento do setor também é essencial para a competitividade. Tudo isso ajuda a manter a estabilidade e rentabilidade do negócio independentemente de subsídios ou mudanças nos mercados de etanol ao redor do mundo. Cabe ao governo enfrentar o desafio relativo ao câmbio valorizado para não comprometer a competitividade dos distintos ramos industriais da economia nacional. (ambienteenergia)

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