A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) integra, com três projetos, o Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, cujo objetivo é desenvolver trabalhos relacionados a avaliações de risco e estratégias de mitigação e adaptação. Projetar cenários para o setor sucroalcooleiro até 2050, visando definições de políticas públicas é o intuito de projeto coordenado pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, com suporte da Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen). No final de 2011, com um ano de trabalho, foi enviado o primeiro relatório à Fapesp. No documento foram apresentadas 37 publicações, entre teses e artigos, além dos resultados de uma série de reuniões com os grupos envolvidos. Outro resultado foi a criação de um website que divulga as ações do projeto e funciona como um banco de dados para trocas de informações entre as áreas.
Intitulado “Geração de Cenários de Produção de Álcool como Apoio para a Formulação de Políticas Públicas Aplicadas à Adaptação do Setor Sucroalcooleiro Nacional às Mudanças Climáticas” o projeto coordenado pelo Cepagri ficou conhecido pela sigla em inglês AlcScens, que também dá nome ao website. São 25 pesquisadores e 14 bolsistas envolvidos. O AlcScens tem vigência até 2014 e recursos de R$ 1 milhão, incluindo as bolsas. Os outros dois projetos da Unicamp que fazem parte do Programa estão vinculados ao Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) e Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam).
“Trata-se de um desafio fazer convergir várias unidades dentro da Unicamp e grupos de fora da Universidade” diz Cláudia Pfeiffer, pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb). Também integram o projeto Fapesp, além do Labeurb, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor); o Núcleo de Estudos de População (Nepo); o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa); o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (Cbmeg); Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA); Faculdade de Ciências Médicas (FCM); Instituto de Geociências (IG); Embrapa; Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); e USP São Carlos.
De acordo com Pfeiffer, o AlcScens “de um lado atende a um projeto de política científica, de fomentar relações multiinstitucionais, e por outro materializa o que o sistema de centros e núcleos já faz há três décadas, que são as pesquisas interdisciplinares”. Segundo a pesquisadora, o projeto é idealizado no sentido de pensar a produção agrícola inserida em todas as práticas sociais.
É a primeira vez que a Unicamp desenvolve cenários para a cana levando em conta não só o clima e a agricultura, mas também outros fatores. A Universidade desenvolve metodologias de zoneamento agrícola para diversas culturas desde 1995/96. A partir de 2001, com a divulgação do primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), e o dado sobre o acréscimo de pelo menos um grau na temperatura do planeta no século 21, os cientistas começaram a ser questionados sobre o que aconteceria com o zoneamento agrícola. Foi então que os pesquisadores da Embraba/Unicamp começaram a investigar, com base em modelos de previsão já disponíveis mais detalhados e de longo prazo.
Primeiro foi a cultura do café. O cenário indicou migração e risco climático alto nas áreas produtoras, além de expressiva redução no tamanho das plantações. Incorporando sempre novos modelos climáticos, a pesquisa prosseguiu com as culturas de soja, milho, feijão e arroz. No ano passado, a Embrapa e o grupo vinculado à Unicamp divulgaram o estudo “Impactos da mudança do clima na produção agrícola”, como parte de uma pesquisa realizada a pedido da Embaixada Britânica no Brasil. A conclusão foi que, se nada for feito em termos de adaptação ou de mitigação nos próximos anos, haverá perdas na produção agrícola da ordem de R$ 7,5 bilhões em 2020, evoluindo anualmente até chegar a R$ 10,7 bilhões em 2050. As perdas econômicas para o país como um todo, nos próximos 40 anos, seriam em torno de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Destaque: das culturas presentes hoje em solo nacional, apenas a cana-de-açúcar será mais produtiva no clima aquecido.
A pesquisa atual foi proposta a partir desses resultados. Jurandir Zullo Júnior, pesquisador responsável do AlcScens, informa que o projeto é “uma continuação” mais abrangente deste anterior. As projeções agora incluem variáveis, entre as quais, os impactos na segurança alimentar e nutricional, a dinâmica demográfica e a saúde, políticas públicas, geoprocessamento e desenvolvimento científico e tecnológico. “São cenários para até 2050 porque depois disso a incerteza em relação à previsão do clima é muito grande”, complementa.
O projeto também prioriza a cultura da cana-de-açúcar em razão da ampliação do uso do álcool combustível no Brasil e no mundo. “Em relação à cana-de-açúcar, se não houver uma política bem definida, a expansão da cultura pode ser desvantajosa”, avalia Zullo.
Relatório - O primeiro relatório enviado Fapesp já apresenta um dado importante para os pesquisadores, que é a análise e comparação de 23 principais modelos climáticos indicadores de anomalias. Os modelos foram arranjados em dois grupos com dois representantes – um inglês e outro japonês. Juntamente com um terceiro modelo a ser criado, o grupo vai projetar os cenários para até 2050. Com base nos primeiros cenários projetados, constatou-se que o modelo inglês é bem mais drástico e aponta risco climático alto em São Paulo, com necessidade de irrigação até o meio do século.
O grupo está trabalhando a expansão da cana-de-açúcar para a região oeste paulista e também para áreas de cerrado, principalmente o estado de Goiás. A geração de cenários para o estado de Goiás traz um diferencial que é a utilização não usual de anomalias de chuva.
Os estudos definem o melhor mês para a expansão do plantio da cana em Goiás, que seria outubro em função das chuvas. Hoje, o Estado segue São Paulo, que geralmente inicia o cultivo em outubro, mas pode estendê-lo para outros meses chuvosos do verão, até março.
Em relação à expansão do plantio da cana, a pesquisa também gera mapas que já “descontam” áreas cultivadas, com declividade acentuada, de proteção ambiental ou urbanizadas.
Zullo comenta que as outras áreas relacionadas no projeto tiveram um primeiro ano de trabalho de revisões de dados e levantamentos. As reuniões do grupo completo ocorrem a cada duas semanas. “As equipes já vêm atuando de modo independente e cada vez mais de forma conjunta”, acrescenta Zullo.
Segundo o pesquisador responsável, o desafio do projeto este ano será a criação de um modelo de cenário que consiga abarcar informações de diferentes origens. “Precisamos cruzar dados levando em consideração a propriedade de cada”.
Portal reúne dados sobre o projeto - O website AlcScens (http://www.cpa.unicamp.br/alcscens/) traz todas as informações sobre o projeto, o perfil dos pesquisadores e bolsistas, além de artigos e publicações científicas, notícias, uma área multimídia para vídeos e áudios, e também a interface com redes sociais. Por exigência da Fapesp, a página foi construída em inglês. “Nosso objetivo, no entanto, é que ela também seja apresentada em breve em português e espanhol”, afirma Vera Regina Toledo de Camargo, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e integrante do projeto.
O idealizador do portal, Marcos Rogério Pereira, que também é pesquisador do AlcScens, explica que o diferencial deste website é que o conteúdo foi inserido no sistema para que o portal acabe funcionando como banco de dados. “O interessante é que você não precisa ‘sair’ da página para acessar determinados conteúdos”, comenta. Estas informações também podem servir como objeto de pesquisa no futuro. “Por exemplo, quem acessa poderá compartilhar as notícias e eventos e poderemos avaliar a divulgação científica nas redes sociais”, completa.
A interface com a divulgação científica também tem o intuito de fomentar discussões sobre as mudanças climáticas na sociedade. “Queremos dar visibilidade às tensões existentes na produção canavieira, trazer a público essas reflexões”, diz Vera Toledo. (ambienteenergia)
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