O pico de Hubbert e o fim dos combustíveis fósseis
A economia mundial cresceu cerca de 60 vezes entre 1800 e 2010. Foi um crescimento espetacular, sendo que em 210 anos o mundo cresceu várias vezes mais do que em toda a história da humanidade. Isto só foi possível devido aos combustíveis fósseis: carvão mineral, petróleo e gás. Durante milhões de anos, o Planeta estocou combustíveis fósseis como resultado da decomposição de matéria orgânica. Em dois ou três séculos os seres humanos vão queimar esta riqueza acumulada em milhões de anos, como se fossem os filhos pródigos queimando a herança da Mãe Terra.
Mas existe uma lei da física que diz que na natureza “nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. Portanto, a queima destes combustíveis libera o Dióxido de Carbono (CO2), biologicamente fixado nas matérias fósseis. O CO2 liberado no uso da energia se acumula na atmosfera e se transforma em um dos principais gases do efeito estufa que provoca o aquecimento global.
Quanto maior for o aquecimento global, maiores serão as mudanças climáticas e os danos sobre a biologia do Planeta. Ou seja, as gerações passadas e as atuais herdaram riquezas em forma de energia e vão deixar como herança a poluição e o aquecimento do Planeta.
Portanto, os combustíveis fósseis foram uma “benção” para o crescimento econômico e agora estão se tornando um “castigo” para a humanidade. Algumas pessoas chegam a dizer que a natureza está se vingando dos abusos do consumo humano.
Mas os combustíveis fósseis (com exceção do carvão vegetal) estão com os dias (ou anos) contados, porque não são renováveis. O petróleo, o gás e o carvão mineral vão se esgotar em um futuro não muito distante. A questão é saber: quando?
O pico de Hubbert (Hubbert’s peak) é uma teoria que modela a produção de petróleo indicando que as descobertas e a produção seguem, de início, a forma de uma curva logística – apresentando um crescimento lento no começo, se acelerando em um estágio posterior e depois se desacelerando até se inverter e fazer o movimento logístico para baixo. Ou seja, a produção de petróleo segue o comportamento de uma curva normal, ou em forma de sino (curva de Gauss). A teoria foi desenvolvida pelo geofísico americano M. King Hubbert, que em 1956, publicou um artigo mostrando que o pico (máximo da produção) de petróleo, no mundo, deveria ser atingido em torno de 50 anos. Depois deste pico, a produção cairia rapidamente, podendo criar um grande desequilíbrio entre a demanda e a oferta, o que provocaria um grande aumento do preço dos combustíveis fósseis.
Será que já chegamos no Pico de Hubbert?
Alguns autores dizem que sim, pois, desde 2008, o preço do petróleo se mantém elevado e só não disparou por conta da menor demanda ocorrida em função da crise econômica internacional. Por outro lado, o aumento do preço do petróleo viabilizou a exploração de novas reservas (como em águas profundas) e o uso de novas tecnologias que não eram viáveis economicamente quando o preço era baixo. Portanto, o pico do petróleo pode até ser adiado, porém, a um custo crescente.
Já a indústria do petróleo e seus funcionários dizem que ainda falta muito tempo para se chegar ao pico e que o esgotamento das reservas ainda não ocorreu. Por exemplo, a produção mundial de petróleo em águas profundas está em cerca de 2,8 milhões de barris por dia e deverá atingir 9 milhões em 2020. Além disto, os novos preços possibilitaram a utilização dos depósitos de “tar sands” (areias betuminosas) que estão localizados na província de Alberta, no Canadá e existe uma proposta de se criar um oleoduto (Keystone XL) até o Texas para o refino nos Estados Unidos. Por enquanto, o presidente Barack Obama barrou a construção do oleoduto, mas se o Partido Republicano voltar à Casa Branca, vai dar sinal verde para o Keystone XL. Na recusa dos EUA, a China já está de olho nas “tar sands”.
Outra fonte de exploração são as rochas sedimentares de gás de xisto (shale). Utilizando processos que envolvem a perfuração de poços que atravessam essas camadas horizontalmente e depois da injeção de fluidos a altíssimas pressões, essas rochas são fraturadas e permitem que os poços passem a ter produções economicamente viáveis. É a exploração de gás por fraturamento hidráulico (ou hydrofracking, em inglês), que tem um alto impacto ambiental.
Atualmente estas duas alternativas estão em amplo processo de debate nos EUA. Os defensores dos combustíveis fósseis dizem que a utilização das “tar sands” e do gás de xisto poderia gerar milhões de empregos e garantir a segurança energética dos EUA. Os candidatos do Partido Republicano e o lobby da indústria do petróleo têm acusado o Presidente Barack Obama de adiar o início da exploração destas “novas fronteiras” econômicas. Em nome do crescimento econômico querem acelerar as perfurações, como no slogan: Drill, baby, drill.
Já os ecologistas têm protestado e feito pressão sobre o Presidente Obama para que estes recursos não sejam utilizados, pois iriam causar danos ambientais incalculáveis. As areias betuminosas (tar sands), por exemplo, possuem uma composição de areia, argila e petróleo localizada abaixo da Floresta Boreal de Alberta e para serem exploradas necessitam da utilização de 3 barris de água para cada um de óleo. No processo de produção a água volta contaminada e, mesmo com o tratamento, é grande a probabilidade de se contaminar os lençóis freáticos e a população. O aumento da demanda por água e os perigos da poluição poderão tornar perigosa a extração em larga escala do gás de xisto. Além disto, a liberação de gases de efeito estufa são maiores.
Desta forma, enquanto os interesses da indústria da energia fóssil argumentam que as atuais e as próximas gerações vão se beneficiar da riqueza gerada pela exploração destas novas (e caras) fontes de combustíveis fósseis, os ecologistas argumentam que os custos e os danos ambientais vão ser maiores do que os tais benefícios apregoados.
O fato é que o pico de Hubbert está cada vez mais próximo. Talvez ele possa ser adiado se a loucura da produção indiscriminada de novas fontes de petróleo e gás forem acionadas, como no caso da exploração do petróleo do pré-sal no Brasil. Mas uma coisa é certa: o petróleo e o gás são recursos finitos e vão acabar, mais dia ou menos dia.
No livro “Energy and the Wealth of Nations: Understanding the Biophysical Economy” Charles Hall e Kent Klitgaard mostram que durante os últimos 150 anos, a economia tem sido tratada como uma ciência social com base no fluxo circular de renda entre produtores e consumidores, ignorando o fluxo de energia e materiais do ambiente e vice-versa. Mas o mundo está entrando em uma fase de escassez de energia fóssil, o que pode minar a riqueza das nações.
Como mostrou James Howard Kunstler no livro “The Long Emergency: Surviving the Converging Catastrophes of the Twenty-first Century” (Grove/Atlantic, 2005) o pico do petróleo já chegou para os Estados Unidos desde a década de 1970 e para o mundo em torno de 2005. Atualmente, a produção está em um plateau elevado, mas vai começar a diminuir em breve. O autor considera que o pico de produção mundial de petróleo, coincidindo com as mudanças climáticas, a escassez de água e a instabilidade econômica mundial pode provocar um caos para as gerações futuras. Isto irá forçar os americanos, assim como outras populações do mundo, a viver de forma mais localizada e em comunidades auto-suficientes. Toda a economia e o estilo de vida terão que se adaptar ao esgotamento dos combustíveis fósseis.
Chris Nelder, no artigo “The End of Fossil Fuel” para a revista Forbes (24/07/2009) considera que o pico do petróleo será atingido entre 2010 e 2020 e quando ele começar a declinar a produção deverá cair em 5% ao ano: “Aproximadamente o equivalente a perder toda a produção da América Latina ou na Europa a cada ano”. O autor alerta os governos do mundo a se preparar para um estilo de vida radicalmente diferente após se chegar neste ponto de inflexão da história.
Mas, sendo possível, seria bom adiar o fim do mundo do petróleo?
A resposta é não. O mundo pode ultrapassar a era do petróleo antes que ele acabe, assim como a era da pedra não acabou por falta de pedras. Os danos que o uso da energia fóssil estão provocando já estão superando os seus benefícios. Além disto já existe tecnologia e conhecimento para a utilização em larga escala de energias alternativas e limpas, como aquelas advindas do sol e do vento. O uso amplo da energia solar e eólica pode não só contribuir para mitigar a emissão de gases de efeito estufa – utilizando recursos renováveis e limpos – como criar novas oportunidades de criação de empregos verdes.
Mesmo a energia da biomassa é menos poluente do que a energia fóssil. O governo brasileiro, no afã de investir no petróleo do pré-sal, deixou de lado os investimentos no pró-álcool e hoje em dia existe escassez de álcool hidratado para abastecer a frota brasileira de automóveis, que precisa recorrer à gasolina, que é mais poluente (parte da gasolina está sendo importada o que provoca problemas cambiais).
Portanto, quanto mais cedo superarmos a era do petróleo melhor. Quanto mais rápido os países avançarem na produção de energias renováveis e limpas, menor será o efeito negativo do pico de Hubbert. Com planejamento e investimentos corretos, a economia e o meio ambiente só têm a ganhar com o fim do mundo do petróleo. (EcoDebate)
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