Instabilidade do sistema
cresce com construção de usinas
Fontes renováveis de energia reduzem a emissão de carbono, mas também
comprometem a segurança pela sua complexidade, o que pode resultar em mais
‘apaguinhos’
Hidrelétrica de Belo
Monte: sem represa para água. Discussão é a volta de grandes reservatórios
A manutenção do
título de melhor matriz energética do mundo não sairá de graça para o Brasil.
Se por um lado a forte participação das fontes renováveis significará redução
das emissões de carbono, por outro tornará o sistema nacional mais instável e
sua operação, bem mais complexa. Sem um bom planejamento, o país ficará mais
exposto aos “apaguinhos”, que se tornaram frequentes nas últimas semanas.
A explicação para
isso é a construção de grandes usinas, sem reservatório, distantes milhares de
quilômetros dos centros urbanos, e uma série de pequenas centrais elétricas,
como as eólicas e as usinas de biomassa. A expectativa é que até 2021 o Brasil
mantenha os atuais 84% da matriz elétrica com fontes renováveis. Mas o mix de
usinas será diferente. A participação das hidrelétricas vai cair de 72% para
64%.
As pequenas centrais
hidrelétricas (PCHs) e as usinas de biomassa continuarão com 4% e 7%,
respectivamente. A diferença virá das eólicas, que passarão de 1% para 9% até
2021, prevê o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício
Tolmasquim:
— Com esse novo
desenho, a operação do sistema muda. Era mais simples. Ficará mais complexa.
Um dos principais
motivos para a mudança está nas restrições para construir hidrelétricas com
reservatório, as chamadas usinas a fio d’água. Por questões ambientais, a
maioria não tem represa, como as hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo
Antônio. Isso significa que o Brasil está perdendo capacidade de poupança para
suportar períodos com poucas chuvas.
Dados do Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que, em 2001, a capacidade dos reservatórios
era suficiente para atender a seis meses de carga de energia de todo o sistema
interligado nacional. Em 2009, o volume já tinha caído para cinco meses. E, em
2019, será suficiente para apenas três meses.
— Ninguém quer
construir um reservatório de qualquer jeito. Mas não podemos simplesmente
eliminar a possibilidade de construir uma hidrelétrica com reservatório. Ao
menos precisamos calcular qual o custo ambiental. Hoje nem isso é permitido
fazer — afirma o presidente da consultoria PSR, Mario Veiga, um dos maiores
especialistas no setor, reconhecendo, porém, que o mix de energia renovável,
com hidrelétricas, eólicas e biomassa, é muito bom.
Fontes renováveis
dependem do clima
É no período mais
seco que as eólicas e as usinas de biomassa têm o maior potencial de produção,
explica Tolmasquim. A safra de cana-de-açúcar ocorre entre maio e novembro, e
os ventos são mais fortes também nessa época.
— Enquanto essas
unidades produzem mais energia, estocamos água nos reservatórios. Elas têm um
papel sustentável incrível — diz.
Por outro lado, as
três fontes de energia são muito dependentes das condições climáticas.
— Seria muito
arriscado depender apenas das condições climáticas. Precisamos ter backup —
argumenta o presidente da EPE.
Com menos
reservatórios, o país terá de acionar mais térmicas para complementar a
produção de energia elétrica. É o que está ocorrendo neste momento. O ONS
decidiu, no fim de outubro, pôr todas as térmicas disponíveis no Brasil para
funcionar por causa do período seco.
Sem chuvas
suficientes, os reservatórios de algumas regiões, como Sudeste e Centro-Oeste,
estão no menor nível desde 2000, antes do racionamento. Para evitar que o
problema piore, o ONS não teve escolha e acionou até mesmo as térmicas movidas
a óleo combustível, diesel e carvão, bem mais caras e poluentes.
Hoje, cerca de 11
mil megawatts (MW) de energia térmica estão em operação no sistema. O preço do
megawatt-hora (MWh) gerado pelas térmicas a óleo varia entre R$ 310,41 e R$
1.047,38, segundo relatório do ONS. As térmicas a gás, que já estão em
operação, têm custo entre R$ 6,27 e R$ 401,67; e as movidas a carvão, entre R$
56,34 e R$ 341,89.
— Não temos
alternativa. Sem reserva suficiente, temos de usar as térmicas. O problema é
que elas são caras — avalia Erico Evaristo, membro do Conselho da Bolt
Energias.
Ele observa que uma
saída seria incrementar a matriz elétrica com termelétricas movidas a gás
natural. Mas, no momento, a Petrobras, principal produtora, não tem oferta
suficiente para atender à demanda. Parte das usinas movidas a gás em operação
funciona com gás natural liquefeito (GNL) importado, bem mais caro.
Sol é a fonte de
energia do futuro
Para o presidente da
Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, a matriz
energética brasileira é invejável:
— Por isso, não
podemos usá-la pela metade. Os reservatórios são um mal necessário. Não tem
outra forma de regularizar o sistema, deixá-lo mais estável.
A nova promessa é a
energia solar. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acaba de aprovar
novas regras que preveem, por exemplo, que o consumidor que instalar placas
solares em sua residência e não consumir toda a energia produzida, terá o
restante repassado à distribuidora e o crédito será abatido no consumo dos
meses subsequentes. (globo)
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