Reduzir o consumo de energia. Mais do que utopia, uma
necessidade e possibilidade
Há uma “cultura” em
que é mais fácil e vantajoso construir uma nova hidrelétrica do que aprimorar a
eficiência daquelas já existentes. Reduzir o consumo de energia é uma palavra
de ordem que causa pânico nas distribuidoras de energia. Para o mercado, falar
em economia de energia é um tabu em que não se pode tocar.
“Nem o governo, nem
as autoridades do setor energético, nem os responsáveis pela administração do
setor elétrico brasileiro, nem os distribuidores falam uma só palavra sobre
economia de energia, racionalização do gasto de energia, eficiência,
manutenção, modernização. Só a obra nova parece interessar e ser capaz de gerar
energia no Brasil”, critica Heitor Scalambrini Costa http://www.ecodebate.com.br/?s=Heitor+Scalambrini+Costa
, professor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), em entrevista
especial por e-mail, à IHU On-Line.
Entretanto, o tempo
presente, de crise ecológica, de que a crise energética é um componente entre
outros, requer de nós a capacidade de colocar sobre a mesa temas não muito
populares. Embora tenhamos muito claro onde queremos chegar, no caso o
“decrescimento”, proposta de sociedade que não deixa de ser revolucionária,
como constata o economista francês Serge Latouche, o programa para chegar a ela
é necessariamente reformista.
Nesta perspectiva,
“alternativas como a repotenciação (modernização) das hidrelétricas já
existentes, melhorar a eficiência e conservação de energia, utilizar o aquecimento
de água com energia solar para substituição dos chuveiros elétricos, dentre
outras medidas, seriam suficientes para ofertar a energia elétrica necessária
ao País, sem a necessidade de realizar estas grandes obras”, acredita Heitor
Scalambrini Costa. Estas grandes obras “desnecessárias” a que Costa se refere
são as usinas hidrelétricas no Rio Madeira e no Xingu, obras contempladas no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
“Com a eficiência
energética, o crescimento da oferta se dá em um ritmo mais lento. Se é possível
reduzir a quantidade de energia que alimenta o desperdício e o parque gerador
continua o mesmo, obviamente o restante pode ser disponibilizado para uma nova
demanda”, de acordo com Ricardo David, da Associação Brasileira das Empresas de
Serviços de Conservação de Energia (Abesco), o processo de eficiência deve
reduzir a necessidade de novas fontes e não substituí-las.
Um caminho possível,
portanto, diz respeito à busca de formas de aumentar a eficiência e a
conservação de energia, e de encontrar, na diversidade das fontes renováveis,
as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.
Nesta direção, ganha
força a implantação de redes elétricas inteligentes, que já são uma realidade
de sucesso em vários países. O que são as redes elétricas inteligentes? Segundo
Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace,
“Redes inteligentes enviam a eletricidade dos pontos de geração até os
consumidores, utilizando um sistema de monitoramento completo do fluxo de
energia, a partir de tecnologia digital, que permite o rastreamento tanto da
energia que entra no sistema, gerada em diferentes pontos, quanto da energia
consumida por residências, edifícios e indústrias”.
“As redes
inteligentes permitirão – prossegue Baitelo – o controle não apenas da geração
descentralizada, realizada em milhares de pontos, como também o controle do
consumo de aparelhos e eletrodomésticos em residências e edifícios. A proposta
de pulverizar o sistema elétrico em uma rede de microgeradores e a revolução
provocada por isto guardam semelhanças com a grande pulverização de informação
provocada pela Internet”.
“Com redes
inteligentes, nós basicamente combinamos internet com eletricidade”, comenta,
por sua vez, o especialista em energia do escritório internacional do
Greenpeace, Sven Teske. “Reforçar as redes inteligentes é uma grande
oportunidade de negócios, especialmente para companhias de tecnologia. Na
Europa, o investimento anual necessário ficaria em torno de € 5 bilhões, ou
seja, menos de € 5 por ano por casa. Para destravar o investimento necessário
em uma estrutura que seja amigável com o clima, precisamos urgentemente de
políticas que apoiem a transição para uma oferta de eletricidade 100%
renovável”, afirma Teske.
Outro setor em que é
possível avançar em termos de eficiência energética é o dos edifícios verdes ou
edifícios inteligentes, que já são uma realidade em países como a Alemanha.
É fácil constatar
como em muitas casas, escritórios, salas, salões no Brasil há uma enorme
quantidade de energia desperdiçada pelo fato de não aproveitarem corretamente a
luz natural, o que representa um enorme desafio para a arquitetura.
A eficiência
energética passa também pela questão dos transportes. Um automóvel, que carrega
uma só pessoa, representa um enorme desperdício de energia quando se leva em
conta que um carro pequeno pesa cerca de uma tonelada… e transporta cerca de 75
kg.
Seguindo na linha da
sobriedade no consumo de energia, é hoje possível diminuir de 40% a 50% o nosso
consumo sem comprometer o nosso conforto. Como? Monitorando os desperdícios e
as necessidades supérfluas. Estão na mira: “Os outdoors que consomem em média
7.000 kWh por ano, ou seja, o equivalente ao que consomem seis franceses em um
ano”, exaspera-se Thierry Salomon, engenheiro e presidente da Associação
Négawatt. Ou ainda, a má gestão da iluminação pública. O fato é que “hoje, a
sociedade está em estado de embriaguez energética”, como constata Thierry
Salomon. É mais difícil sair deste estado de embriaguez do que aplicar ações e
políticas de contenção dos desperdícios em energia.
Mais fácil é
acreditar que as leis do mercado dão conta de resolver a escassez energética da
melhor forma possível e desejável. “Muitos acreditam e manifestam a crença de
que o mercado pode ser o responsável pela implantação da filosofia do
desenvolvimento sustentável. Acreditam que com o decorrer do tempo, e com o
surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais podem ser sanados e
superados, resultando uma melhoria no bem-estar social ou mesmo a diminuição
das desigualdades sociais”, denuncia Heitor Scalambrini Costa.
Mas, como o fácil ou
o difícil não é critério de decisão, “um modelo sustentável só será possível a
partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade. É a razão
capitalista com base no consumismo, no militarismo, e na da lógica de
acumulação do capital que está levando o nosso planeta – e os seres vivos que o
habitam – a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio ambiente, das
condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral”, insiste Costa.
E conclui: “O
paradigma do crescimento econômico deve e precisa ser profundamente alterado.
(…) Para estar à altura dos acontecimentos, uma boa ideia é começar a deixar de
lado um conceito de crescimento econômico que nos foi imposto pelo próprio
capitalismo”.
Fundamental é ganhar
em eficiência na produção da energia; fundamental é ganhar racionalidade no
consumo da energia necessária. Mas fundamental mesmo é precisar usar menos
energia. Quem nos prepara para isso? (EcoDebate)
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