Reservatórios de água estão sujeitos a colapso caso não comece a chover
forte nos próximos dias
O mineiro Gener Custódio da Silva, de 66 anos, montou uma
barraca na terra rachada que brotou onde só se via água, às margens do Lago de
Furnas, em seu sítio no município de Alfenas (MG). Desde que levou os tanques
de criação de peixes 500 metros represa adentro, por causa da pior seca dos
últimos dez anos, ele passa as noites em vigília.
"De outubro até hoje baixou muito o nível da água e
mudamos os 50 tanques, que antes ficavam em frente ao sítio, para cá. Para
evitar prejuízos, passo as noites aqui." O drama do pescador ilustra a
situação crítica dos reservatórios de água - força motriz do sistema energético
brasileiro -, sujeitos a um colapso caso não comece a chover mais forte nos
próximos dias.
O Sudeste, principalmente Minas Gerais, é estratégico para o
abastecimento de energia do País por seu potencial hídrico. Furnas é um bom
exemplo. Com capacidade para armazenar 23 bilhões de metros cúbicos, a represa
é um imenso espelho d'água, de 1,4 mil quilômetros quadrados, que entrecorta 34
municípios mineiros.
Seu papel é fundamental para manter o País longe do apagão.
Suas águas colocam em funcionamento 13 usinas hidrelétricas ao longo dos Rios
Grande e Paraná, nos Estados de Minas e São Paulo. Juntas, produzem um terço da
energia gerada no Brasil.
Das dez maiores usinas hidrelétricas em operação no Brasil,
seis estão nesses Estados. Juntas, têm capacidade de produzir 11,7 mil MW.
Somadas à produção da Região Centro-Oeste, estamos falando em 70% de toda
energia produzida no País.
Furnas. Para muitos, o problema da falta de água é recente,
mas para o pescador Gener e outros 500 piscicultores que vivem às margens da
represa de Furnas, a redução do estoque de água dos reservatórios é realidade
desde outubro de 2012.
O reservatório do Lago de Furnas atingiu este ano seu pior
estágio de seca, desde o apagão de 2001. No início da semana passada, seu nível
estava 14,5 metros abaixo da capacidade máxima da represa, que é de 768 metros
acima do nível do mar. O cenário local é de desolação na maioria das cidades,
com os lagos secos, tomados pelo mato e pelo gado que invadiu a terra
lamacenta. Os restaurantes, pousadas e pesqueiros, que nesta época do ano
estavam lotados, estão vazios, alguns fechados.
"O nível do lago está a 3,5 metros do mínimo para que
se mantenha em funcionamento a hidrelétrica", explica o presidente do
Comitê da Bacia Hidrográfica do Lago de Furnas, Fausto Costa. "É o pior
cenário dos últimos dez anos, que coloca em risco o sistema energético e também
traz um estrago incalculável para a região."
Começou a chover na quinta-feira no Lago de Furnas, mas
ainda muito pouco para reverter o quadro de esvaziamento. O reservatório
operava na sexta-feira com 12,74% da capacidade.
Torneira
O reservatório de Furnas serve como um regulador
do volume de água para as 12 usinas que ficam abaixo dela no Rio Grande (8) e
no Rio Paraná (4). Quando o nível dos rios está baixo, o Operador Nacional do
Sistema (ONS) determina a abertura das comportas para manter em funcionamento o
complexo de hidrelétricas.
Foi o que ocorreu em outubro de 2012, quando as comportas
laterais da represa - no município de São José da Barra (MG) - ficaram abertas
por quase 30 dias, segundo o presidente do Comitê da Bacia do Lago de Furnas,
obrigando pescadores como Gener a correr com seus tanques de peixes lagoa
adentro.
"Foi quando os municípios que ficam entrecortados pela
água do Lago de Furnas começaram a sentir os prejuízos da queda do volume nos
rios", conta Costa. O especialista, que também é secretário executivo da
Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), calcula que levará pelo
menos três anos para o nível da água voltar ao normal na região.
O ONS considera que, mesmo com o nível baixo das barragens,
as hidrelétricas da bacia continuam a gerar energia e as represas devem começar
a encher a partir de agora, com o período de chuvas. Mas para quem vive
diretamente das águas de Furnas, a certeza é uma só: vai levar um bom tempo
para a economia local se recuperar.
Prejuízo
Em Campo Belo, um único criador de peixes perdeu
sete toneladas de tilápia em uma semana. Na avaliação de técnicos da Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), faltou
oxigênio na água e a temperatura subiu a níveis insuportáveis para os peixes.
"Antes tudo isso aqui era água. Disseram que foi a
abertura das comportas que esvaziou a represa, mas ficar desse jeito, só quando
secou tudo mesmo, em 2001", lembra o pescador Bevanir José de Oliveira, de
71 anos, que no meio do lago seco, busca um fio de água para pescar. "É
mais distração mesmo, porque do jeito que está, só dá mandi pequeno, que não
serve para nada", conta.
Seu Gener, que começou a criação de peixes em 2006,
incentivado pelo governo federal, hoje vive como pode e sem ajudas do Estado.
Mas ele é otimista, espera retomar a criação de cerca de 50 mil tilápias por
ano em condições normais ainda em 2013, alheio ao risco de apagão que o
problema representa. "Ajuda, só de Deus. Mas com essa chuva acho que em
breve vou poder voltar meus tanques para perto de casa."
Para que isso ocorra, até maio deve chover o suficiente para
recuperar o nível dos reservatórios da Região Sudeste e evitar novas liberações
extras de água na represa. Como Furnas, a maioria das represas está com
problemas. Das 139 usinas monitoradas pelo ONS, 30% estão com reservatório
abaixo da metade e cerca de 20% não fazem estoque para a seca. (OESP)
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