Projeto que quer reproduzir a energia do Sol na Terra começa
a sair do papel
Inauguração
de sede do Reator Experimental Termonuclear Internacional marca início da busca
pela fusão nuclear em larga escala.
O
maior projeto científico da humanidade começou a sair do papel na quinta-feira
passada. Numa cerimônia em Cadarache, no sul da França, foi inaugurado o
edifício-sede do Iter - abreviação em inglês de Reator Experimental
Termonuclear Internacional, iniciativa multinacional destinada a desenvolver a
tecnologia da fusão nuclear em grande escala para a geração de energia.
O
projeto pretende nada menos que reproduzir o Sol na Terra: num reator chamado
tokamak, dois átomos de hidrogênio serão submetidos a temperaturas
elevadíssimas, até se fundirem num átomo de hélio e liberar energia, como
ocorre no Sol. A aventura deverá consumir até 2020, quando o reator estará
operacional, US$ 15 bilhões (R$ 32 bilhões).
O
planeta Terra está a aproximadamente 150 milhões de quilômetros do Sol. Há
cerca de 4,6 bilhões de anos, recebe sua luz e calor, fonte de energia da
origem e manutenção da vida. E deverá ser assim por outros 5 bilhões de anos,
restante do tempo de vida do Sol.
Numa
forma bastante simplificada, o Sol e as demais estrelas funcionam assim: sob a
enorme pressão e temperatura do seu núcleo, dois átomos de hidrogênio se fundem
e dão origem a um átomo de hélio. Essa reação libera enorme quantidade de
energia. Apesar da considerável distância do Sol, é possível senti-la na Terra,
sob a forma de luz e calor.
Não é
de hoje que o homem observa o Sol com o desejo de reproduzir no planeta o seu
processo de geração de energia. Primeiro, por ser muito eficiente. Basta uma
pequena quantidade de matéria, ou átomos de hidrogênio, para a produção de
muita energia. E, depois, por essa reação de fusão utilizar o elemento mais
abundante no universo, o hidrogênio.
Não é
tudo: a fusão dos átomos de hidrogênio requer cuidados, mas não cria impacto
ambiental. Sua energia é limpa.
Efeitos
Os desafios científicos, de engenharia e financeiros para recriar o Sol na
Terra são imensos. Não dá para reproduzir na superfície do planeta os efeitos
da gravidade no interior das estrelas, razão da elevada pressão e temperatura
no seu núcleo, essenciais para os átomos de hidrogênio atingirem o estado de
plasma, condição em que se fundem.
Fazem
parte do Iter a União Europeia, com 45,5% de participação, e seis outras
nações, cada uma com 9,1% - Estados Unidos, Japão, China, Rússia, Índia e
Coreia do Sul-, representando 34 países.
Atenção:
fusão nuclear é diferente de fissão nuclear. Na fissão, núcleos de átomos de
elementos radioativos, como urânio, são bombardeados para se romperem. E esse
processo também gera elevada quantidade de energia, mas os riscos de
contaminação da fissão, quase inexistentes na fusão, representam um grande
problema. Há no mundo 440 usinas nucleares com reator a fissão.
O
comissário de energia da União Europeia, Günther Oettinger, e a ministra
francesa da Educação, Geneviève Fioraso, assistiram à inauguração do
edifício-sede do Iter, em Cadarache.
Tecnologia
O professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo Ricardo
Galvão acompanha de perto o projeto. "A fusão nuclear é uma tecnologia
promissora como fonte de energia e sem os problemas da fissão nuclear. Ainda há
algumas dificuldades científicas e técnicas para serem resolvidas, mas os
experimentos na Inglaterra e nos Estados Unidos demonstraram sua
viabilidade", diz.
"A
demanda mundial de energia hoje é 15 terawatts (1 terawatt equivale a 1 trilhão
de watts), enquanto em 2050 será de 30 terawatts, considerando-se que a
população do planeta será de 10 bilhões de habitantes. Se a fusão nuclear não
funcionar, a situação ficará difícil", explica Galvão.
"O
principal objetivo do Iter é apenas desenvolver a tecnologia da fusão. Cada
país envolvido depois realizará seus próprios projetos de fusão nuclear e
construir seus reatores (tokamak) com base no conhecimento adquirido em
conjunto no Iter", explica Robert Arnoux, do departamento de comunicações
do projeto.
A
diferença entre o tokamak e o reator da fissão nuclear é a forma como se obtém
calor. Como já mencionado, a fusão funde os átomos de hidrogênio e a fissão
rompe o núcleo dos átomos de urânio, por exemplo. Uma vez gerado o calor, a
sequência do processo para a obtenção da energia elétrica é a mesma: o calor do
tokamak e do reator a fissão esquenta água até o estado de vapor para
movimentar uma turbina coligada a um gerador elétrico.
Os
técnicos do Iter acreditam que o tokamak apresentará rendimento energético
semelhante aos reatores da fissão nuclear. Os da última geração têm potencial
para produzir 1,3 mil megawatts (MW). Para se ter uma referência, a
Hidrelétrica de Itaipu tem uma capacidade instalada para gerar 14 mil MW.
Mas há
desconfiança da comunidade científica no projeto Iter. Nem todos os desafios
científicos e de engenharia foram resolvidos e há ainda problemas decorrentes
das profundas diferenças culturais e dos interesses políticos existentes entre
as nações envolvidas.
Essas
incertezas, somadas à impossibilidade de as nações envolvidas investirem os valores
elevados necessários, causaram atrasos importantes no Iter. Mas é verdade
também que nunca o projeto andou como agora, o que mostra a confiança dos
interessados no sucesso do programa da fusão nuclear. (OESP)
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