Especial 2012: Matriz
energética de costas para o futuro
O mundo é cada vez
mais voraz, sedento e insaciável por energia. Os países em todo o planeta
perseguem obsessivamente o aumento da geração de energia para dar conta da
crescente demanda da produção e do consumo. O Brasil não foge à regra e o tema
da energia postou-se como um dos mais importantes na agenda brasileira nos
últimos anos. Sem energia é o caos, o “apagão”, aliás, cuja sombra paira
constantemente sobre o país.
A política
desenvolvimentista brasileira caracteriza-se, em termos de matriz e política
energética, pelo seguinte: a) subordinação da questão ecológica ao mito do
crescimento econômico ilimitado; b) produção de energia para a produção de
commodities de exportação; c) por uma matriz energética oligopólica,
concentradora, com enormes impactos sociais e ambientais, num momento em que o
mundo já dispõe de alternativas mais limpas e eficientes.
A “necessidade” de
energia faz o Brasil avançar rumo à nova – e última? – fronteira energética,
que é a Amazônia. Ela é o palco dos últimos e mais vultosos investimentos em
hidroelétricas: Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, Teles Pires, no Mato
Grosso, Santa Isabel, no Araguaia, Belo Monte, no rio Xingu, e o Complexo
Tapajós, este último ainda mais devastador ambientalmente que Belo Monte. Mas a
lista continua.
Não se deve
menosprezar o impacto ambiental e social destas obras, assim como as condições
de trabalho existentes nestes canteiros de obras, que já resultaram em diversas
revoltas e greves dos trabalhadores, especialmente em Jirau e Belo Monte.
No contexto desta expansão
energética, uma pergunta feita com frequência é a seguinte: energia para quê e
para quem? Ou ainda, com outras palavras, a quem se destina tanta energia? Há
aqui uma parceria entre o setor energético e de extração mineral, uma vez que
os processos de beneficiamento mineral são intensivos no consumo de energia.
Primeiro chegam os consórcios de energia para em seguida se instalarem as
mineradoras, que contam inclusive com tarifas subsidiadas de energia. Para ter
uma noção do que isso representa, basta ver o seguinte: “Para produzir 432 mil
toneladas de alumínio a Albrás, instalada em Barcarena, consumiu a mesma
quantidade de energia elétrica das duas maiores cidades da Amazônia, Belém e
Manaus. A empresa responde por 1,5% do consumo de eletricidade do Brasil com
seus quase 200 milhões de habitantes. A energia de Tucuruí, que entrou em
operação na década de 1980, ainda hoje é consumida prioritariamente pela Albrás
e pela Alumar, em São Luiz, no Maranhão. E ambas pagam tarifas subsidiadas,
diga-se de passagem”, escreve Juliana Malerba, da FASE do Rio.
Celio Bermann,
professor da USP, traz outra informação: “se pegarmos a matriz de consumo
setorial de energia elétrica no Brasil, praticamente 30% da energia é consumida
pelos seis setores chamados de intensivos em energia. São eles: o cimento, a
produção de aço, a produção de ferro-ligas (ligas a base de ferro), a produção
dos metais não-ferrosos (principalmente, o alumínio primário), a produção de
química e, finalmente, o setor de papel e celulose. Esses seis setores consomem
30% da energia produzida no Brasil”. Commodities que, em sua grande maioria,
abastecem o mercado mundial.
Na análise da questão
energética não se pode esquecer o Plano de Expansão Decenal de Energia 2021. O
Plano é atualizado anualmente e prevê os rumos energéticos do Brasil para os
próximos dez anos. O Plano Decenal anuncia forte continuidade em investimentos
na área de energia fóssil – petróleo e gás – e em hidrelétricas. As novidades
ficam por conta da revisão, na esteira do desastre de Fukushima, na área da
energia nuclear – por ora segue apenas a conclusão de Angra 3 – e num
incremento maior na energia eólica. Da energia solar sequer se fala.
O Plano, como se pode
ver, é uma radiografia do modelo neodesenvolvimentista, mas de costas para o
futuro energético. É tímido em energias limpas. A presidente Dilma, em abril
passado, criticou as pessoas contrárias à construção das hidrelétricas na
Amazônia dizendo que elas vivem num estado de “fantasia”. Segundo a presidenta,
“ninguém numa conferência dessas [Rio+20] aceita, me desculpem, discutir a
fantasia. Ela não tem espaço para a fantasia. Não estou falando da utopia, essa
pode ter, estou falando da fantasia”, afirmou Dilma. Essa afirmação foi
criticada por ser conservadora e pouco aberta às matrizes alternativas de
energia já existentes no Brasil, como a eólica e a solar, principalmente.
Dentro de um padrão
conservador, as exigências da economia por mais petróleo, carvão, gás,
eletricidade, energia nuclear e biocombustível continuarão em expansão.
Contudo, diante de recursos naturais que se mostram finitos, os países precisam
ousar em novas alternativas de organização e produção de energia, mudando
completamente de concepção e racionalidade sobre o que significa, hoje,
consumir energia.
Pensando as novas
possibilidades oferecidas pelos desdobramentos da revolução informacional e
comunicacional (Internet), o economista estadunidense Jeremy Rifkin destaca as
dimensões distributiva e colaborativa, forjadas por uma “tecnologia de
comunicação revolucionária”, como eixos norteadores da relação entre as
demandas do ser humano e as novas fontes de energia. Diferente do modelo
concentrador e centralizador dos grandes empreendimentos energéticos do século
XX, caracterizados pelo autoritarismo e poder hierárquico, para Rifkin o
“direito de acesso ao conhecimento, a relação paritária, a troca de informações
e de música”, comuns na Internet, podem ser valores basilares para se pensar a
produção e o consumo de energia na atualidade. Será na superação dos grandes
oligopólios energéticos, por meio de fontes descentralizadas, que haverá uma
democratização da energia, superando o sistema vertical, estabelecido até aqui,
por um sistema horizontal na distribuição de energia.
Ao contrário das
velhas e depredadoras matrizes energéticas, segundo Rifkin, “a energia
renovável distributiva é encontrada em qualquer metro quadrado do mundo. Vem do
sol, do vento, do calor debaixo do solo, do lixo, dos compostos orgânicos
gerados pelos processos agrícolas, das marés e das ondas do mar”. Tudo isto
acarreta uma verdadeira revolução na forma de concebê-la e utilizá-la,
provocando uma quebra de paradigmas.
Nesta linha, chamamos
a atenção para a Campanha Nacional pela Produção e Uso da Energia Solar
Descentralizada lançada pelo Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Ambiental
(www.fmclimaticas.org.br), que reivindica que haja subsídios e financiamento
para os consumidores adquirirem seus geradores fotovoltaicos, e que em certos
casos os equipamentos sejam fornecidos a custo zero.
“A geração
distribuída (também conhecida como ‘descentralizada’) caracteriza-se como a
produção de eletricidade próxima ao consumo, dispensando a linha de transmissão
e os complexos sistemas de distribuição para atender ao consumidor final.
Trata-se de uma forma de geração que já foi bastante utilizada até o final da
década de 40 do século passado. Mas que depois foi substituída pela geração
centralizada, com a construção de usinas de grande porte distantes do
consumidor final. A geração descentralizada representa uma possibilidade
concreta para colaborar com a redução da curva de carga, reduzindo o consumo em
horários de pico; e diminuindo a necessidade de investimentos na geração,
transmissão e distribuição do sistema elétrico integrado brasileiro”, escreve
Heitor Scalambrini Costa, professor associado da Univ. Fed. de Pernambuco,
graduado em Física pela UNICAMP e doutor em Energética na Univ. de
Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.
É preciso, portanto,
romper com as concepções conservadoras, o que não deixa de ser também um
desafio para a esquerda e os movimentos sociais. (EcoDebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário