O pico dos combustíveis fósseis: colapso ou transição para a
energia limpa
O uso controlado do
fogo foi uma das maiores conquistas da humanidade. O ser humano aprendeu a usar
as propriedades da queima da madeira (lenha) e do carvão vegetal, para dar um
grande impulso ao processo civilizatório. O fogo foi usado para a proteção
contra predadores, para aquecimento diante do frio e para cozimento dos
alimentos, especialmente a carne de outros animais usados na dieta como fonte
de proteína. A antropologia divide a cultura humana entre o antes e o depois do
cru e do cozido.
O antropólogo e
professor de Harvard, Richard Wrangham, em “Catching Fire: How Cooking Made Us
Human”, vê evidências da evolução do ser humano na adaptação a uma dieta a base
de alimentos cozidos, o que possibilitou dentes e vísceras menores do que em
espécies antecessoras e o cérebro ficasse maior. Ele especula que a energia que
ia para a digestão foi direcionada para o desenvolvimento do cérebro. Desta
forma, o uso do fogo, enquanto combustível, foi fundamental para a evolução
humana.
O outro grande salto
do “processo civilizatório” se deu quando o ser humano passou a usar os
combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás) como fonte de energia para
a produção agrícola, para turbinar a indústria, para a iluminação elétrica,
para movimentar o transporte e para sustentar todas as atividades humanas,
incluindo educação, saúde e lazer.
Foi graças aos
combustíveis fósseis que a população passou de 1 bilhão de habitantes em 1800
para 7 bilhões em 2011, crescimento de 7 vezes, enquanto a economia mundial
cresceu 90 vezes em termos reais, no mesmo período (dados de Angus Maddison).
Sem energia barata e abundante não haveria como gerar empregos, produzir tantos
bens de consumo e alimentar tanta gente.
Alguns dados indicam
que, em nível global, o pico do petróleo e o pico do carvão vão ser alcançados
em duas ou três décadas. O pico do gás (especialmente o gás de xisto) pode
demorar mais 50 ou 100 anos. Isto significa que a era do petróleo e carvão
abundantes e baratos chegou ao fim e o preço destes produtos vai subir nas
próximas décadas na medida em que fica mais caro a produção deste tipo de
energia. Quando o pico do gás for alcançado, será o início do fim da era dos
combustíveis fósseis.
Porém, a IEA
(International Energy Agency) divulgou o relatório World Energy Outlook, em
novembro de 2012, mostrando que vai haver um crescimento da produção de
combustíveis fósseis nas próximas décadas e os EUA podem se tornar uma nova
Arabia Saudita na produção de energia fóssil. Porém, além de atrasar a
transição para uma matriz de energia limpa, a maior produção de petróleo,
carvão e gás vai agravar os problemas do aquecimento global e, como disse
Robert Kuttner, em The American Prospect: “Saudi America is unintended irony.
This country is becoming an oligarchy – make that oilagarchy”.
Contudo, mais cedo ou
mais tarde, o fim dos combustíveis fósseis poderá representar um regresso da
civilização humana, tal com conhecemos hoje.
Existem pelo menos 3 grandes
grupos de visões:
1) as pessimistas;
2) as práticas;
3) as otimistas. Sem
pretender apresentar os argumentos de maneira exaustiva, vamos esboçar
rapidamente algumas formulações destas 3 alternativas.
Primeiro. As visões pessimistas
consideram que será impossível manter o atual padrão de crescimento da
população e da economia. O fim dos combustíveis fósseis deve provocar um
colapso da economia mundial, com aumento da fome e redução significativa do
padrão de vida da população mundial.
No texto “Life After
The Oil Crash”, Matt Savinar considera que chegando na parte descendente da
curva de Hubbert os preços dos combustíveis fósseis vão disparar e afetar a
agricultura, a geração de emprego, o abastecimento de água, etc. O autor diz
que, nos EUA, são necessárias aproximadamente 10 calorias de combustível fóssil
para produzir 1 caloria de comida. A maioria dos pesticidas é obtida a partir
do petróleo e todos os fertilizantes comerciais são baseados no amoníaco. O
petróleo permitiu a existência de ferramentas agrícolas como os tratores,
sistemas de armazenamento de alimentos como as câmaras frigoríficas, e os
sistemas de transporte de mantimentos como os caminhões de distribuição. A
agricultura baseada no petróleo é o fator principal que permitiu o aumento
exponencial da população mundial. Assim, no espaço de poucos anos após ocorrer
o “Peak Oil”, o preço dos alimentos vai disparar, assim como os preços de
produção, armazenamento, transporte e embalagem, que também terão de subir.
Savinar considera que
o petróleo também é necessário para a distribuição da quase totalidade da nossa
água potável. O petróleo é usado para construir e conservar aquedutos,
barragens, canalizações, poços, bem como para bombear a água que chega às
nossas torneiras. Tal como com os mantimentos, o custo da água potável vai
subir com a subida do preço do petróleo. O petróleo foi também responsável
pelos avanços efetuados pela medicina nos últimos 150 anos, permitindo a
fabricação em massa das drogas farmacêuticas, equipamentos cirúrgicos e o
desenvolvimento de infraestruturas de saúde pública como os hospitais, as
ambulâncias, as estradas, etc. O petróleo é ainda necessário para quase todos
os aspectos do consumo, desde os sistemas de esgotos, tratamento de lixos,
manutenção de estradas, mobilidade da polícia, serviços de bombeiros e a defesa
nacional.
Neste sentido, Matt
Savinar acredita que as consequências do “Peak Oil” terão efeitos muito além do
preço da gasolina. De maneira pessimista, ele considera que o fim da energia
barata e a escassez de combustíveis fósseis pode provocar “um colapso
econômico, guerras, fome generalizada e um decréscimo maciço da população
mundial”.
Representando a
segunda alternativa, a pesquisadora Gail Tverberg, de maneira prática, no texto
“Reaching financial limits–What kinds of solutions are available?” parte da
constatação de que vivemos em um mundo finito e que já ultrapassamos os limites
planetários em vários pontos. Para ela, os principais desafios da atualidade
são:
O petróleo barato não
é mais um cenário viável para os próximos anos e décadas;
A água doce é
fundamental para beber, para o cultivo de alimentos, para a produção de
petróleo e gás, e para a criação de energia elétrica, entre outras coisas. Em
muitas partes do mundo, estamos usando água doce mais rápido do que os
aqüíferos podem repor.
As mudança
climáticas, sejam elas causadas pelo homem ou não, são um problema crescente;
A fertilidade do solo
depende teor de húmus, das bactérias adequadas, do equilíbrio mineral, etc. O
maior uso de fertilizantes, pesticidas e irrigação não são correções
permanentes.
A poluição é um
problema tanto no que diz respeito ao dióxido de carbono em excesso, quanto ao
mercúrio em fontes alimentares e a interferentes endócrinos para a proliferação
de algas.
A população humana
está fora de equilíbrio com os ecossistemas do mundo e continua crescendo, em
cerca de 76 milhões de habitantes, ano após ano.
O sistema financeiro
depende do crescimento, mas o crescimento em um sistema de mundo finito não
pode continuar para sempre. Altos preços do petróleo tendem a reduzir o
crescimento econômico e provocar recessão.
O que podemos fazer
para enfrentar estes desafios? Embora não se possa resolver definitivamente
estes problemas, Gail Tverberg sugere várias ações práticas para mitigar a
situação:
Gerenciar as finanças
pessoais para tentar evitar o impacto de uma crise mais severa;
Planejar o tamanho da
família. A maioria das pessoas ainda quer ter filhos, mas uma boa escolha seria
parar em dois. Seria ainda melhor parar em um;
Diante da crise
econômica, seria do interesse geral fortalecer os laços com a família e amigos;
Plantar árvores com
frutos comestíveis;
Procurar maneiras
mais simples e mais barato de fazer as coisas;
Aprecie o que você
tem;
Não pensar demais em
coisas ruins que podem acontecer;
Fortalecer o
aprendizado de habilidades que podem ser úteis para o longo prazo;
Esteja preparado para
os reveses econômicos e os momentos de crise.
Terceiro, o físico e
presidente do Instituto das Montanhas Rochosas, Amory Lovins apresenta uma
visão otimista, no livro “Reinventing Fire: Bold Business Solutions for the New
Energy Era”. Ele considera que foi explorando e queimando os depósitos de
combustíveis fósseis (material orgânico que a luz solar armazenou) que tornou
possível a civilização urbana e industrial.
Mas o custo da
dependência da energia fóssil tem sido alto. Somente os Estados Unidos tem
gasto 1/6 do PIB para pagar os custos macroeconômicos, os custos
microeconômicos da volatilidade do preço do petróleo e os custos militares cuja
principal função é garantir os interesses americanos no Golfo Pérsico (as
despesas militares são cerca de dez vezes o preço para comprar petróleo).
Amory Lovins
acredita, contudo, que os Estados Unidos podem ficar livres do petróleo e do
carvão até 2050, economizando US$ 5 trilhões, por meio da inovação, da maior
eficiência e da mudança da matriz energética. O livro “Reinventando o fogo” não
propõe aumento de impostos, maiores subsídios para o uso de energias renováveis
ou uma postura ideológica que reconheça as mudanças climáticas antrópicas.
Um exemplo simples
pode ser mostrado pela lâmpada LED (Light Emitting Diode) que funciona de
maneira oposta à “obsolescência programada”. A lâmpada incandescente padrão,
alimentada por uma usina elétrica a carvão (que apresenta 33% de eficiência na
média dos Estados Unidos), apresenta 3% de eficiência, sendo a conversão
líquida de energia em luz de apenas 1%. Já uma lâmpada LED, alimentada por uma
turbina a gás natural eficiente, converte 20% da energia total em luz – um
aumento de 20 vezes. Se funcionar com energia renovável (eólica ou solar)
estará livre da emissão de carbono. Para o autor, estas mudanças podem ser
feitas pelo setor privado, investindo em eficiência, segurança, fim dos
desperdícios, geração de empregos verdes e uma política energética inteligente.
Em síntese, o que as
3 visões tratam é do fenômeno de que o pico dos combustíveis fósseis vai
acontecer um dia. Porém, ninguém sabe como e quando virá o pico dos
combustíveis fósseis e não existe consenso sobre as consequências e impactos
deste fenômeno. Os cenários variam de um colapso total da economia
internacional até visões otimistas de um mundo pós-petróleo, organizado com
base na eficiência energética e nos combustíveis limpos e renováveis (solar,
eólica, geotérmica, ondas, etc.) e na economia verde.
Mas toda esta
discussão deixa pelo menos uma certeza: o mundo nas próximas décadas será
bastante diferente da realidade atual, embora não saibamos, com certeza, se as
mudanças virão para pior ou para melhor. Cada dia surgem mais pessoas
questionando a noção de desenvolvimento econômico, inclusive o mito do
“desenvolvimento sustentável verde”. (EcoDebate)
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