Agrocombustíveis ganham ‘passaporte para o mundo’.
Outra frente de produção energética vai ganhando fôlego. O ano de 2010 começou bem, na verdade otimamente bem, para o setor dos agrocombustíveis brasileiros, apesar de amargar um começo de ano com quebra de safra da cana-de-açúcar, quatro bilhões de litros de etanol a menos.
A notícia veio no começo de fevereiro e dos Estados Unidos. Lá, a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol feito de cana-de-açúcar como um combustível avançado, que reduz a emissão de dióxido de carbono (CO2) em 61% comparado à gasolina.
A aprovação foi recebida com foguetes – e enormes expectativas de expansão e lucros – pelo setor no Brasil, pois a decisão abre um fantástico mercado para o biocombustível brasileiro nos Estados Unidos. Mercado maior que o brasileiro pode suprir no momento.
A nova legislação americana estabelece um consumo mínimo de biocombustíveis superior a 45 bilhões de litros este ano. A previsão é elevar esse volume para até 136 bilhões de litros em 2022. Uma fatia de 80 bilhões de litros será reservada para os biocombustíveis avançados, que são celulósico, diesel de biomassa e outros. O etanol brasileiro tem agora uma fatia garantida de 15 bilhões de litros – um volume três vezes maior que todo o etanol exportado pelo Brasil em 2008. Ou seja, esse fato representa uma conquista importante para assegurar fatia do mercado de combustíveis nos Estados Unidos, grande demandante mundial de energia.
A medida representa, nas palavras de Marcos Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (a Unica), a “consolidação do etanol como commodity global. Ganhamos o passaporte para isso. Daqui para frente o nosso futuro não é só substituir petróleo ou abastecer os carros flex brasileiros. Temos a terceira oportunidade que é o reconhecimento do etanol como elemento fundamental de mitigação de gases de efeito estufa no mundo”.
Não é segredo para ninguém que essa conquista é fruto de um poderoso, bem articulado e eficiente lobby que envolve a indústria, cientistas, professores e especialistas de lobby e o governo brasileiro. A indústria montou uma estrutura, nos Estados Unidos e no Brasil, dedicada inteiramente ao combate do protecionismo norte-americano. “Essas pessoas estão fazendo um trabalho cotidiano. Entre Estados Unidos e Europa, são seis pessoas trabalhando full time nesses assuntos”, disse Marcos Jank. “Boa parte da decisão dos EUA foi resultado do estudo técnico que enviamos à EPA”, avalia, por sua vez, o diretor executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), André Nassar.
O governo participou mediante a assinatura do Memorando de Entendimento sobre Biocombustíveis, assinado em março de 2007, por ocasião da visita de ex-presidente George W. Bush ao Brasil. Na época, o memorando foi duramente criticado como ineficiente e inócuo, pois o que se esperava era a eliminação ou a redução da tarifa de importação do etanol nos Estados Unidos, coisa que não aconteceu.
Na época, a opinião de Lula sobre o memorando beirou o ufanismo – mas se revelou acertada no médio prazo: “Estou convencido de que nós demos um passo extraordinário para que o álcool se transforme numa commodity, e que a gente possa ocupar um espaço importante no mercado internacional”.
Gigantes do etanol
O setor do etanol é relativamente novo, mas não menos atraente que outros setores industriais mais tradicionais. As fantásticas potencialidades já existentes, mas multiplicadas pela recente medida da EPA dos Estados Unidos, aumentam ainda mais os desejos de investimentos tanto nacionais como estrangeiros.
Em outro momento, já apontávamos para o fato de que o agronegócio é um dos filões de maior apoio do BNDES, no contexto de formação de um novo capitalismo brasileiro. Particularmente no financiamento de usinas para a produção do etanol, o banco vem investindo pesadamente. Apenas em 2005 e 2006, o Banco desembolsou R$ 3,3 bilhões para financiar a construção de usinas, plantio de cana e projetos de co-geração de energia elétrica. Na ocasião, dados revelavam que estavam em construção no Brasil 100 novas usinas de álcool, com investimentos de R$ 10 bilhões, muitas delas interrompidas com a crise econômica. Para 2010, o BNDES identificou 89 projetos de novas unidades, das quais 51 já estão em andamento.
Há hoje no Brasil 438 usinas nas mãos de 200 grupos econômicos. Mas, a mesma tendência sentida em outros setores da economia brasileira também se faz sentir aqui: a concentração em torno de menor número de empresas, mas com tamanhos e poder econômico maiores.
Quase simultaneamente ao anúncio da medida norte-americana são anunciadas várias mega-fusões no setor sucroalcooleiro. Primeiramente, a joint venture entre a Shell e a Cosan, a maior produtora brasileira de etanol. Passado meio mês, a ETH Bioenergia, empresa do grupo Odebrecht, anunciou a compra da Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco). Com a operação, nasceu uma das maiores produtoras de etanol do mundo, com capacidade inicial de três bilhões de litros/ano e geração de 2.500 gigawatts-hora (GWh) de energia a partir da queima do bagaço de cana. E tudo indica que a onda de aquisições e fusões deve continuar. A nova ETH tornou-se uma empresa de 7 bilhões de reais e passou a estar na mira de outra petroleira, a Petrobras, interessada em ter uma fatia da nova empresa do ramo sucroalcooleiro.
Há, portanto, uma confluência de interesses em jogo. O governo investe pesadamente dinheiro público, via BNDES, forja – dessa e de outras maneiras – um capitalismo composto por grandes empresas nacionais aliadas a investidores estrangeiros, em condições de competir globalmente, com investimentos tanto no Brasil como no exterior.
“Assistimos uma concentração sem precedentes das cadeias com maior poder corporativo no mundo: energia e agronegócio, com empresas petroleiras como a Shell, a BP (antiga British Petroleum), Chevron, Petrobrás, aliadas com a Cargill, ADM, Louis Dreyfus, Bunge, passando pela empresas de biotecnologia e agrotóxicos como a Novozymes, gigantes como a Monsanto, a Syngenta e novas como a Amyris. Apesar disso, a imagem que querem ter é de ‘renováveis e alternativos’”, analisa Camila Moreno, da ONG Terra de Direitos, em entrevista especial à IHU On-line.
Próximo desafio: criar mercado para o etanol
Mas, o sucesso do setor nem por isso está garantido e solidificado. Um dos próximos passos, certamente, é derrubar as barreiras americanas à importação do etanol brasileiro, para o que a mega-fusão da Cosan com a americana Shell pode ajudar. A Shell, imagina-se, fará lobby junto ao governo norte-americano para reduzir suas tarifas sobre as importações de agrocombustíveis. E é para isso que o lobby do etanol brasileiro está trabalhando.
Mas, não basta convencer o mundo de que o etanol é menos poluente e renovável que a matriz fóssil. A batalha mais profícua no médio e longo prazo se dará em outro território: criar um mercado mundial para o etanol. É insuficiente o Brasil criar uma expectativa mundial e não conseguir atender a demanda. Cairia em descrédito e poderia representar um retrocesso.
Assim, paralelamente, os empresários e o governo brasileiro devem convencer outros países – na América Latina e na África – a serem produtores de etanol. O produto precisa criar escala.
As viagens do presidente Lula à América Central – Honduras, Panamá, Jamaica e Nicarágua – e quatro países escandinavos (Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega) e à Espanha –, ao longo de 2007, encaixaram-se neste horizonte: convencer o mundo que o etanol brasileiro é uma alternativa energética mais limpa e de futuro. Entretanto, uma diferença no tema é percebida entre as duas viagens. Na viagem aos países nórdicos, o acento estava no convencimento para que se tornassem consumidores da commodity nacional, ao passo que na América Central o foco recaiu sobre a colaboração na criação de uma logística que facilitasse a exportação do etanol brasileiro aos Estados Unidos e também convencê-los a se tornarem, também eles, produtores deste insumo.
Novamente, é uma iniciativa que conta com o apoio e incentivo público. “Para formar um mercado internacional, é preciso ter mais países ofertantes. Só assim vamos desenvolver um mercado futuro, com negociações em bolsa”, diz Alexandre Strapasson, coordenador do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). É por sua vontade de defender as empresas brasileiras e vender os produtos nacionais no mercado internacional que o presidente Lula já foi chamado de “caixeiro-viajante”.
Questões sociais, econômicas e ambientais não calam
No afã de vender um produto ecologicamente correto, as questões sociais, econômicas e ambientais produzidas pelo agronegócio são minoradas. As denúncias de trabalho escravo ou do trabalho realizado em condições extremamente precárias e subumanas ou de maus tratos, assim como o desrespeito ao meio ambiente e aos povos indígenas estão ligadas à expansão agropecuária em nosso país. Além disso, estão presentes nos setores mais modernos do capitalismo agrário brasileiro e envolvem, por isso mesmo, o setor sucroalcooleiro.
Além do mais, a indústria dos agrocombustíveis é tributária da segunda revolução industrial caracterizada pela concentração, centralização e gigantismo que acompanha tanto os processos de produção como de distribuição, e por sua visão de mundo redutora ao econômico, no qual as questões ambientais e sociais propriamente não entram. De forma mais “suave”, os agrocombustíveis seguem trilhando no caminho aberto pela revolução industrial sem conseguir superá-lo. No dizer de Jeremy Rifkin, ainda “somos prisioneiros da tradição iluminista, do pensamento de Locke e de Adam Smith: aquele que nos representa o homem como um ser racional, materialista, individualista, utilitarista. Se continuarmos usando esses instrumentos intelectuais do século XVIII, estamos verdadeiramente condenados. Dentro desse quadro cultural é impossível que seis bilhões de pessoas enfrentem a escassez de recursos naturais”, alerta.
Rifkin propõe que a revolução da internet – descentralizada, cooperativa – pode servir de parâmetro para o modelo energético do futuro: “As novas tecnologias da comunicação convergem com as energias renováveis. É o que eu chamo de energia distribuída ou difusa. Porque as fontes renováveis – sol, vento, energia biotérmica, biomassa de rejeitos – encontram-se em nosso meio, igualmente repartidas em cada metro quadrado da superfície terrestre”. A “energia difusa” significa “converter toda casa individual, toda mansão, em uma pequena central energética que usa o sol, o vento, os rejeitos, estocando-os e redistribuindo-os. Significa que a energia não consumida para as próprias necessidades será repartida segundo uma lógica de cooperação e de solidariedade”.
Assim, na linha da superação da visão estritamente economicista de energia é preciso sempre de novo se perguntar: para quê e para quem servem as energias produzidas tanto pelas gigantescas hidrelétricas que rasgam e banham a Amazônia, como a gigantesca indústria de produção e distribuição de etanol? Ao mesmo tempo, o desafio é de buscar alternativas energéticas assentadas sobre outra base econômica e social: a ecoeconomia.
A notícia veio no começo de fevereiro e dos Estados Unidos. Lá, a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol feito de cana-de-açúcar como um combustível avançado, que reduz a emissão de dióxido de carbono (CO2) em 61% comparado à gasolina.
A aprovação foi recebida com foguetes – e enormes expectativas de expansão e lucros – pelo setor no Brasil, pois a decisão abre um fantástico mercado para o biocombustível brasileiro nos Estados Unidos. Mercado maior que o brasileiro pode suprir no momento.
A nova legislação americana estabelece um consumo mínimo de biocombustíveis superior a 45 bilhões de litros este ano. A previsão é elevar esse volume para até 136 bilhões de litros em 2022. Uma fatia de 80 bilhões de litros será reservada para os biocombustíveis avançados, que são celulósico, diesel de biomassa e outros. O etanol brasileiro tem agora uma fatia garantida de 15 bilhões de litros – um volume três vezes maior que todo o etanol exportado pelo Brasil em 2008. Ou seja, esse fato representa uma conquista importante para assegurar fatia do mercado de combustíveis nos Estados Unidos, grande demandante mundial de energia.
A medida representa, nas palavras de Marcos Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (a Unica), a “consolidação do etanol como commodity global. Ganhamos o passaporte para isso. Daqui para frente o nosso futuro não é só substituir petróleo ou abastecer os carros flex brasileiros. Temos a terceira oportunidade que é o reconhecimento do etanol como elemento fundamental de mitigação de gases de efeito estufa no mundo”.
Não é segredo para ninguém que essa conquista é fruto de um poderoso, bem articulado e eficiente lobby que envolve a indústria, cientistas, professores e especialistas de lobby e o governo brasileiro. A indústria montou uma estrutura, nos Estados Unidos e no Brasil, dedicada inteiramente ao combate do protecionismo norte-americano. “Essas pessoas estão fazendo um trabalho cotidiano. Entre Estados Unidos e Europa, são seis pessoas trabalhando full time nesses assuntos”, disse Marcos Jank. “Boa parte da decisão dos EUA foi resultado do estudo técnico que enviamos à EPA”, avalia, por sua vez, o diretor executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), André Nassar.
O governo participou mediante a assinatura do Memorando de Entendimento sobre Biocombustíveis, assinado em março de 2007, por ocasião da visita de ex-presidente George W. Bush ao Brasil. Na época, o memorando foi duramente criticado como ineficiente e inócuo, pois o que se esperava era a eliminação ou a redução da tarifa de importação do etanol nos Estados Unidos, coisa que não aconteceu.
Na época, a opinião de Lula sobre o memorando beirou o ufanismo – mas se revelou acertada no médio prazo: “Estou convencido de que nós demos um passo extraordinário para que o álcool se transforme numa commodity, e que a gente possa ocupar um espaço importante no mercado internacional”.
Gigantes do etanol
O setor do etanol é relativamente novo, mas não menos atraente que outros setores industriais mais tradicionais. As fantásticas potencialidades já existentes, mas multiplicadas pela recente medida da EPA dos Estados Unidos, aumentam ainda mais os desejos de investimentos tanto nacionais como estrangeiros.
Em outro momento, já apontávamos para o fato de que o agronegócio é um dos filões de maior apoio do BNDES, no contexto de formação de um novo capitalismo brasileiro. Particularmente no financiamento de usinas para a produção do etanol, o banco vem investindo pesadamente. Apenas em 2005 e 2006, o Banco desembolsou R$ 3,3 bilhões para financiar a construção de usinas, plantio de cana e projetos de co-geração de energia elétrica. Na ocasião, dados revelavam que estavam em construção no Brasil 100 novas usinas de álcool, com investimentos de R$ 10 bilhões, muitas delas interrompidas com a crise econômica. Para 2010, o BNDES identificou 89 projetos de novas unidades, das quais 51 já estão em andamento.
Há hoje no Brasil 438 usinas nas mãos de 200 grupos econômicos. Mas, a mesma tendência sentida em outros setores da economia brasileira também se faz sentir aqui: a concentração em torno de menor número de empresas, mas com tamanhos e poder econômico maiores.
Quase simultaneamente ao anúncio da medida norte-americana são anunciadas várias mega-fusões no setor sucroalcooleiro. Primeiramente, a joint venture entre a Shell e a Cosan, a maior produtora brasileira de etanol. Passado meio mês, a ETH Bioenergia, empresa do grupo Odebrecht, anunciou a compra da Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco). Com a operação, nasceu uma das maiores produtoras de etanol do mundo, com capacidade inicial de três bilhões de litros/ano e geração de 2.500 gigawatts-hora (GWh) de energia a partir da queima do bagaço de cana. E tudo indica que a onda de aquisições e fusões deve continuar. A nova ETH tornou-se uma empresa de 7 bilhões de reais e passou a estar na mira de outra petroleira, a Petrobras, interessada em ter uma fatia da nova empresa do ramo sucroalcooleiro.
Há, portanto, uma confluência de interesses em jogo. O governo investe pesadamente dinheiro público, via BNDES, forja – dessa e de outras maneiras – um capitalismo composto por grandes empresas nacionais aliadas a investidores estrangeiros, em condições de competir globalmente, com investimentos tanto no Brasil como no exterior.
“Assistimos uma concentração sem precedentes das cadeias com maior poder corporativo no mundo: energia e agronegócio, com empresas petroleiras como a Shell, a BP (antiga British Petroleum), Chevron, Petrobrás, aliadas com a Cargill, ADM, Louis Dreyfus, Bunge, passando pela empresas de biotecnologia e agrotóxicos como a Novozymes, gigantes como a Monsanto, a Syngenta e novas como a Amyris. Apesar disso, a imagem que querem ter é de ‘renováveis e alternativos’”, analisa Camila Moreno, da ONG Terra de Direitos, em entrevista especial à IHU On-line.
Próximo desafio: criar mercado para o etanol
Mas, o sucesso do setor nem por isso está garantido e solidificado. Um dos próximos passos, certamente, é derrubar as barreiras americanas à importação do etanol brasileiro, para o que a mega-fusão da Cosan com a americana Shell pode ajudar. A Shell, imagina-se, fará lobby junto ao governo norte-americano para reduzir suas tarifas sobre as importações de agrocombustíveis. E é para isso que o lobby do etanol brasileiro está trabalhando.
Mas, não basta convencer o mundo de que o etanol é menos poluente e renovável que a matriz fóssil. A batalha mais profícua no médio e longo prazo se dará em outro território: criar um mercado mundial para o etanol. É insuficiente o Brasil criar uma expectativa mundial e não conseguir atender a demanda. Cairia em descrédito e poderia representar um retrocesso.
Assim, paralelamente, os empresários e o governo brasileiro devem convencer outros países – na América Latina e na África – a serem produtores de etanol. O produto precisa criar escala.
As viagens do presidente Lula à América Central – Honduras, Panamá, Jamaica e Nicarágua – e quatro países escandinavos (Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega) e à Espanha –, ao longo de 2007, encaixaram-se neste horizonte: convencer o mundo que o etanol brasileiro é uma alternativa energética mais limpa e de futuro. Entretanto, uma diferença no tema é percebida entre as duas viagens. Na viagem aos países nórdicos, o acento estava no convencimento para que se tornassem consumidores da commodity nacional, ao passo que na América Central o foco recaiu sobre a colaboração na criação de uma logística que facilitasse a exportação do etanol brasileiro aos Estados Unidos e também convencê-los a se tornarem, também eles, produtores deste insumo.
Novamente, é uma iniciativa que conta com o apoio e incentivo público. “Para formar um mercado internacional, é preciso ter mais países ofertantes. Só assim vamos desenvolver um mercado futuro, com negociações em bolsa”, diz Alexandre Strapasson, coordenador do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). É por sua vontade de defender as empresas brasileiras e vender os produtos nacionais no mercado internacional que o presidente Lula já foi chamado de “caixeiro-viajante”.
Questões sociais, econômicas e ambientais não calam
No afã de vender um produto ecologicamente correto, as questões sociais, econômicas e ambientais produzidas pelo agronegócio são minoradas. As denúncias de trabalho escravo ou do trabalho realizado em condições extremamente precárias e subumanas ou de maus tratos, assim como o desrespeito ao meio ambiente e aos povos indígenas estão ligadas à expansão agropecuária em nosso país. Além disso, estão presentes nos setores mais modernos do capitalismo agrário brasileiro e envolvem, por isso mesmo, o setor sucroalcooleiro.
Além do mais, a indústria dos agrocombustíveis é tributária da segunda revolução industrial caracterizada pela concentração, centralização e gigantismo que acompanha tanto os processos de produção como de distribuição, e por sua visão de mundo redutora ao econômico, no qual as questões ambientais e sociais propriamente não entram. De forma mais “suave”, os agrocombustíveis seguem trilhando no caminho aberto pela revolução industrial sem conseguir superá-lo. No dizer de Jeremy Rifkin, ainda “somos prisioneiros da tradição iluminista, do pensamento de Locke e de Adam Smith: aquele que nos representa o homem como um ser racional, materialista, individualista, utilitarista. Se continuarmos usando esses instrumentos intelectuais do século XVIII, estamos verdadeiramente condenados. Dentro desse quadro cultural é impossível que seis bilhões de pessoas enfrentem a escassez de recursos naturais”, alerta.
Rifkin propõe que a revolução da internet – descentralizada, cooperativa – pode servir de parâmetro para o modelo energético do futuro: “As novas tecnologias da comunicação convergem com as energias renováveis. É o que eu chamo de energia distribuída ou difusa. Porque as fontes renováveis – sol, vento, energia biotérmica, biomassa de rejeitos – encontram-se em nosso meio, igualmente repartidas em cada metro quadrado da superfície terrestre”. A “energia difusa” significa “converter toda casa individual, toda mansão, em uma pequena central energética que usa o sol, o vento, os rejeitos, estocando-os e redistribuindo-os. Significa que a energia não consumida para as próprias necessidades será repartida segundo uma lógica de cooperação e de solidariedade”.
Assim, na linha da superação da visão estritamente economicista de energia é preciso sempre de novo se perguntar: para quê e para quem servem as energias produzidas tanto pelas gigantescas hidrelétricas que rasgam e banham a Amazônia, como a gigantesca indústria de produção e distribuição de etanol? Ao mesmo tempo, o desafio é de buscar alternativas energéticas assentadas sobre outra base econômica e social: a ecoeconomia.
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