terça-feira, 20 de abril de 2010

Cresce disputa por profissionais em energia eólica

Cresce a disputa por profissionais para atuarem em parques eólicos e pequenas usinas.
Faltam experts em energia renovável.
Engenheiros e outros especialistas em energias renováveis estão sendo cada vez mais procurados pelos headhunters. A disputa pelos profissionais que unem conhecimento teórico e experiência no setor, perfil ainda raro no mercado brasileiro, acirrou-se com a expectativa sobre a nova edição do Plano Decenal de Expansão de Energia, que estabelecerá as diretrizes a serem seguidas na próxima década.
Acredita-se que o governo dará grande impulso à participação das modalidades alternativas de geração de energia, a exemplo das pequenas usinas hidrelétricas, de biomassa e parques eólicos.
A energia gerada pelo vento é a estrela do momento, depois do bem-sucedido primeiro leilão exclusivo da modalidade, realizado em dezembro. Para suprir os 1.805 megawatts contratados no leilão (o que representa acréscimo de 150% em relação ao que é produzido hoje no país), está prevista a construção de 71 novos parques eólicos até 2012, investimentos privados de R$ 9,4 bilhões que elevarão a participação da energia gerada pelos ventos dos atuais 0,6% para 3% da matriz elétrica brasileira.
O mercado aguarda a realização de outro leilão do mesmo porte ainda no primeiro semestre deste ano – estima-se que o potencial do Brasil, privilegiado por mais de 8 mil km de costa, seja de pelo menos 150 mil megawatts.
A RSA Talentos Executivos, de Porto Alegre, está na reta final do processo de recrutamento de um profissional especializado em energia eólica. Além de experiência comprovada no planejamento e operação, os requisitos incluem domínio pleno de inglês e disponibilidade para viajar constantemente, pois a contratante – a subsidiária no Brasil da francesa Theolia, uma das principais empresas do setor na Europa -, pretende operar no Sul e no Nordeste do país.
“Por enquanto estamos desenvolvendo os projetos, que são o fator decisivo para o sucesso de um parque eólico. A implementação é uma consequência natural”, diz o diretor da Theolia no Brasil, o engenheiro elétrico Ricardo Gaspary.
A empresa já tem 175 megawatts prontos para entrar em leilão e está prospectando mais 1mil megawatts. Para isso pretende dobrar a curto prazo a equipe de seis profissionais. Durante dois meses, a consultora Laís Guterres mergulhou no setor para identificar candidatos em potencial para o cargo. Chegou a 15 nomes, dos quais oito se consideram tão bem empregados que nem sequer aceitaram iniciar conversa.
“Fiquei impressionada com o contraste entre as amplas perspectivas desse mercado e a quantidade limitada de profissionais preparados para atuar nele”, afirma Laís. A escassez de mão de obra contribui para que muitas empresas tentem afastar seus especialistas dos holofotes e mantenham sob sigilo os planos para a área de energias renováveis. Parece ser o caso de grandes corporações como Siemens, Alstom e Queiroz Galvão – todas envolvidas em projetos de energia eólica e que preferiram não se manifestar ao serem procuradas pela reportagem do Valor.
Além da iniciativa privada, há a perspectiva de carreira em estatais. A Cemig, companhia energética de Minas Gerais, adquiriu há dois anos 49% da participação societária em três parques de energia eólica no Ceará.
“Certamente continuaremos investindo nesse segmento, que tem um mercado muito promissor não só no Brasil, mas em todo o mundo. A geração eólica cresceu em média 23% ao ano nas últimas duas décadas e ainda assim pode-se dizer que esse potencial mal começou a ser explorado”, diz o gerente de estruturação de empreendimentos de fontes alternativas de energia da Cemig, José Cléber Teixeira. Um dos empecilhos para a popularização no Brasil eram os custos, mas a modalidade passou a ser considerada economicamente viável.
A maior parte dos especialistas em energias renováveis encontrados atualmente em empresas privadas foi “roubada” do universo acadêmico, onde se concentram as pesquisas sobre o setor. Um desses casos é o da engenheira mecânica Maria Regina Pereira de Araújo, 54 anos, consultora técnico-comercial da Wobben, primeira fabricante de aerogeradores de grande porte no Brasil – a empresa tem duas fábricas e 800 funcionários no país.
Formada pela Universidade de Brasília (UnB), ela começou a se envolver com energias renováveis ao fazer mestrado e doutorado no Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de onde nasceu o convite para trabalhar no Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) da Eletrobrás.
Em 2001, o braço de renováveis da Iberdrola, empresa espanhola que atua na geração e distribuição de energia elétrica, abriu escritório no Brasil e Maria Regina foi contratada para trabalhar inicialmente como engenheira, depois como gerente e, por fim, diretora técnica. Após sete anos de casa, aceitou o convite da Wobben para se tornar superintendente de desenvolvimento de negócios. “Mudar de uma geradora de energia para uma fabricante de equipamentos representou um novo desafio para a minha carreira”, diz.
Já o engenheiro de telecomunicações Eugênio Gorgulho, 42 anos, hoje especialista em energia solar, só começou a lidar com a área de energias renováveis depois de mais de uma década de carreira. A reviravolta se deu há sete anos, por meio de um convite da Siemens.
As empresas de telecom, aliás, estão entre as principais compradoras de energia solar no Brasil, pois, para cumprir as exigências de universalização dos serviços telefônicos, precisam muitas vezes chegar onde não há disponibilidade de outras formas de energia.
Gorgulho se tornou gerente de implantação de serviços e, depois que a Siemens vendeu suas operações de energia solar para a Shell, ele foi para a Unicoba, grupo que atua em diversos segmentos, de pisos e revestimentos a baterias recarregáveis. Como gerente da área de fabricação de equipamentos de energia solar, tem a meta arrojada de dobrar o faturamento em relação ao ano passado.
“O grande problema da energia solar é a oscilação do mercado. Há momentos de grande expansão seguidos pelo vácuo absoluto, gangorra que afasta os investidores e ainda não permite a produção em escala suficiente para fazer os custos caírem”, afirma.
Essa regularidade começa a ser percebida no segmento de energia eólica e a atrair empresas especializadas de todo o mundo, sobretudo as europeias, onde a modalidade está mais desenvolvida. “Antes do leilão, tínhamos apenas duas fábricas de geradores no país. Agora, várias outras estão sendo construídas ou planejadas”, exemplifica Ricardo Gaspary, da Theolia.
O gargalo pode se dar justamente na mão de obra. “Sobra trabalho para quem entende de energia renovável. Não haverá desemprego nessa área por muitos anos”, assegura Rubem Souza, da RSA Talentos Executivos. O professor Roberto Zilles, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), confirma que o assédio da iniciativa privada sobre os pesquisadores aumentou recentemente. “Não consigo segurar ninguém por aqui. Sempre tem alguma empresa pedindo indicações”, relata.
Para jovens em início de carreira, há diversas opções de especialização nas novas modalidades de geração de energia. A Universidade Federal do Ceará (UFC) lançou no ano passado um curso de graduação em Engenharia de Energias Renováveis e instituições de ensino superior de todo o Brasil começam a incluir disciplinas relacionadas às energias renováveis no currículo dos cursos de engenharia.
Outras universidades de ponta além da USP, como as federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Santa Catarina (UFSC) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais, já têm centros de pesquisa bem estruturados sobre esse assunto.
Há também alternativas para quem tem algum tempo de carreira, como os MBAs, cursos de extensão e especializações na área de energia e sustentabilidade oferecidos, por exemplo, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Fundação Dom Cabral (FDC). “Com a forte demanda, qualquer profissional com expertise em geração de energia tem condições de migrar para a área das renováveis”, afirma Rubem Souza, da RSA.
Os estados do Nordeste e do Sul são os que mais se destacam pelo potencial eólico. Das 71 novas usinas projetadas em decorrência do leilão do final do ano passado, 23 ficarão no Rio Grande do Norte, 21 no Ceará, 18 na Bahia, oito no Rio Grande do Sul e uma no Sergipe. Como resultado direto da perspectiva de expansão das oportunidades nesses estados, começam a surgir empresas especializadas em etapas específicas do desenvolvimento de parques eólicos que vão desde a análise da qualidade do vento, na fase de pré-projeto, até a operação de usinas já instaladas.
Um exemplo dessa especialização é a Dois A, sediada em Natal, que participa dos projetos exclusivamente na fase de execução das fundações e das bases dos aerogeradores, além de construir as vias de acesso.
“Os operários são basicamente os mesmos da construção civil, mas o grande diferencial de uma obra de parque eólico é a parte administrativa. Os gerentes precisam entender da dinâmica, da logística e das peculiaridades desse tipo de projeto”, afirma o engenheiro civil Antônio Medeiros, um dos sócios da empresa. Um dos principais cuidados técnicos está na escolha do sistema de fundação, que deve suportar a carga não apenas do equipamento, mas também da força gerada pela ação do vento.

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