Dos alimentos à energia: a revolução que queremos. Diálogo entre Carlo Petrini e Jeremy Rifkin.
Eis como a exploração das fontes renováveis e uma radical re-educação alimentar, com um menor consumo de carne e uma redução dos desperdícios, podem dar uma chance ao mundo. Face a face, o economista norte-americano Jeremy Rifkin e o fundador do Slow Food, Carlo Petrini, compartilham a rejeição aos sistemas centralizados. E pensam juntos sobre uma profunda transformação dos comportamentos. Com a ajuda da Internet.
O diálogo foi publicado no jornal La Repubblica, 09-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Carlo Petrini – Caro Jeremy, vejo que há extraordinárias semelhanças e paralelismos entre a nova política energética que você promove e a nova política alimentar que buscamos levar adiante com o Slow Food. A política alimentar, de fato, deve se basear no conceito de que a energia primária da vida é o alimento. Se o alimento é energia, então devemos nos dar conta de que o atual sistema de produção alimentar é falimentar. As duas primeiras ideias que, a meu ver, compartilhamos são a rejeição a sistemas muito centralizados e o retorno a uma concepção holística da nossa existência neste planeta.
O verdadeiro problema é que, de um lado, há uma visão centralizada da agricultura, feita de monoculturas e criações intensivas altamente insustentáveis, e, de outro, foi completamente rejeitada a lógica holística, que deveria ser inata à agricultura, para se unir a lógicas mecanicistas e reducionistas. Uma visão mecanicista acaba reduzindo o valor dos alimentos a uma mera commodity, uma simples mercadoria. É por isso que, no que se refere aos alimentos, já quase perdemos a percepção da diferença entre valor e preço: todos prestamos muita atenção a quanto ele custa, mas não mais ao seu significado profundo. Além disso, com esse sistema, reduzimos os agricultores em todos os cantos do mundo ao desespero. Não se pode seguir em frente desse modo. É preciso mudar de paradigma.
Jeremy Rifkin – É interessante o que você diz, Carlo, porque nos cursos que eu dou aos superadministradores de grandes empresas globais na mais antiga Escola de Economia do mundo [Warthon, na Pensilvânia], procuro justamente reorientar o pensamento. A primeira coisa que eu sempre digo é que, na base da economia do planeta, está a fotossíntese. Com a energia do sol, criamos a vida. Existimos há apenas 175 mil anos e representamos só 0,5% de toda a biomassa viva do planeta, mas estamos usando 24% de toda a energia gerada pela fotossíntese na terra. Somos monstros. Estamos devorando o nosso planeta. Continuando nesse ritmo, nos próximos 20 ou 30 anos, chegaremos a usar a metade da fotossíntese do planeta. Não é possível.
A agricultura, nesse processo, é central, porque está na base da civilização. Só se você tiver uma forte sociedade agrícola você poderá continuar criando uma sociedade industrial em cima dessa estrutura. E, assim, uma sociedade de serviços. Se a base desmorona, isto é, a agricultura baseada na fotossíntese, toda a pirâmide entra em colapso. Nós produzimos o nosso alimento em um sistema energético muito centralizado, com uma grandíssima dissipação de energias fósseis. Essas energias são concentradas e distribuídas do centro para a periferia. A sua exploração pressupõe uma alta intensidade de capitais, que determina uma organização verticalista. Vivemos em um regime energético dentre os mais patriarcalistas e centralizadores da história.
Você tem razão, a agricultura, por sua natureza, não é centralizada. Ao invés disso, buscou-se transformá-la para torná-la compatível com esse regime energético: criou-se a “agroindústria”, e a divorciamos completamente da natureza, quase como se o meio ambiente fosse o inimigo. Não é por acaso que desenvolvemos os atuais pesticidas depois da II Guerra Mundial. Antes, os utilizamos para fazer a guerra e depois para a agricultura. A nossa agricultura é baseada em um modelo de guerra. Pelo contrário, o que mais me impressiona no movimento Slow Food é justamente a abordagem holística com relação aos alimentos.
Carlo Petrini – Pense que, por causa disso, muitas vezes nos acusam de passadismo. Mas eu acredito que o passado não deve ser esquecido. Por exemplo, seria necessário voltar à atitude dos agricultores que projetavam as atividades a serem implantadas na sua propriedade. Era uma visão que partia de uma abordagem complexa, de atenção às interconexões, que obtinha a maior eficiência do meio ambiente ao seu redor sem comprometê-lo. O homem colaborava com a natureza. Quando eu ouço as suas teorias sobre a energia, parece-me que novamente é este o conceito: nós não podemos nos mover de maneira monoprodutiva. Devemos seguir o exemplo dos agricultores que decidiam o que fazer nas suas propriedades, e essa poderia ser uma boa prática cultural a ser experimentada em todos os âmbitos humanos. Significa re-encontrar aquilo que o meu amigo Wendell Berry define como “espírito de adaptação local”.
Jeremy Rifkin – Temos uma geração que está crescendo com a Internet. Uma revolução com relação à comunicação centralizada em que eu e você crescemos: rádio, cinema, TV. Tudo, de cima a baixo. Hoje, pelo contrário, os jovens, com um Blackberry ou um iPhone na mão, podem criar a sua informação, os seus vídeos, áudios e textos, armazená-los em formato digital e compartilhá-los. Essa revolução é distribuída, é “open source”, é colaborativa e ocorre em territórios virtuais que são bens comuns compartilhados, “commons”. Uma vez, também na agricultura e em todas as outras atividades econômicas, as pessoas compartilhavam os “commons” e recolhiam seus frutos coletivamente.
Depois, a agricultura também se tornou egoísta, materialista. A verdadeira natureza humana, ao contrário, se dá pelo fato de que nascemos biologicamente interconectados, somos as criaturas mais empáticas do mundo. O que o Slow Food faz, e é a primeira vez que eu o vejo na minha vida, é tomar essa guia base da empatia e estendê-la às nossas escolhas alimentares, à nossa Terra Mãe, a todas as formas de vida sobre este planeta.
Carlo Petrini – Quando me perguntam como foi possível, sem grandes recursos, realizar uma rede como a da “Terra Madre” [rede de comunidades do alimento do movimento Slow Food], que hoje conta com mais de seis mil comunidades em 153 países do mundo, eu respondo que as duas colunas de sustentação são a inteligência afetiva e uma anarquia austera. A inteligência afetiva nada mais é do que a empatia da qual você fala, a força de uma fraternidade que, não esqueçamos, foi o terceiro valor da Revolução Francesa. Mas foi também o mais esquecido.
Hoje, estamos cheios de inteligência racional, e falta a inteligência afetiva. Por anarquia austera, entendo a liberdade por parte das comunidades de serem o que são até o fundo. Isso significa, principalmente, defender, evidenciar a soberania alimentar e a do conhecimento: cada povo, cada comunidade tem o direito de escolher o que comer, o que semear e como comunicar. Tem o direito à sua própria identidade. Neste momento histórico, além disso, parece-me que a soberania do conhecimento é fundamental.
Acredito que os novos instrumentos, como a Internet e o acesso mais imediato aos audiovisuais, podem nos fazer sair da monocultura da escrita, que não havia nas sociedades agrícolas, habituadas à comunicação oral. Com a monocultura da escrita, foram excluídas do conhecimento pessoas como os indígenas, os agricultores, as mulheres, os idosos e agora também aqueles jovens protagonistas da nova revolução da comunicação, que compartilham na Internet, mas ainda são excluídos da cultura “oficial”. É preciso construir velozmente os celeiros da memória, porque as sabedorias e os saberes dessas pessoas ainda podem ser reunidas com os novos instrumentos e colocadas à disposição de todos.
Jeremy Rifkin – Na história da humanidade, ao mesmo tempo que com todas as revolução da comunicação e da energia, mudou também a agricultura, junto com o nosso conhecimento do tempo e do espaço. Isso ocorreu quando passamos da sociedade de caçadores-coletores para uma sociedade de pequena agricultura, depois na passagem para a grande agricultura que se servia da irrigação e, por fim, com o salto para a agricultura centralizada. Em todos os lugares em que isso ocorreu, isso correspondeu a uma revolução das comunicações.
No México, no Egito, na China, na Mesopotâmia, com a agricultura permanente, a escrita teve que se desenvolver. No início do século XIX, quando tivemos que lidar com a primeira revolução industrial e tivemos que converter comunicação e energia, mudou a agricultura: tivemos a convergência entre a imprensa e o uso do vapor e do carvão. Depois, as tecnologias mecânicas na metade do século XIX coincidiram com uma ulterior centralização devido à introdução da química na agricultura, até uma terceira geração, com os transgênicos. Como rompemos essa escalada? Estamos no início da terceira revolução industrial, de um novo modelo de comunicação que está convergindo rumo a um novo regime energético, distribuído.
Quando a comunicação distribuída gerir a energia distribuída, então essa terceira revolução desdobrará todo o seu potencial de crescimento econômico. As energias renováveis se encontram em cada metro quadrado da terra, todos os dias, em todos os lugares: o vento, o sol, a água, os oceanos. Milhões de pessoas poderão produzir a sua energia nos seus edifícios e poderão distribuí-la de maneira racional. O que fizermos com a energia poderá ser replicado na agricultura. A terceira revolução industrial converge com a da agricultura distribuída, um novo modelo para servir às comunidades urbanas e conectá-las com as agrícolas, para movermo-nos rumo a uma agricultura ecológica.
Carlo Petrini – Em 2008, quando encerrei a terceira edição do Terra Madre, defendi, diante de oito mil agricultores do mundo, que a terceira revolução industrial começaria a partir deles, por meio dos saberes e da experiência de quem trabalha com o alimento e pelo alimento. Dizia isso também porque precisamos de uma atitude diferente com relação ao nosso sistema alimentar. A crise que estamos vivendo é uma crise entrópica histórica. O desperdício de energias ocorre sobretudo por causa do sistema alimentar, em uma quantidade de desperdício que não tem igual na história da humanidade. Nós produzimos alimentos para 12 bilhões de seres vivos, enquanto somos sete bilhões. Um bilhão sofre de fome, e mais de um bilhão, ao invés, tem problemas ligados a sobrealimentação, diabetes e obesidade.
As quantidades do desperdício cotidiano são impressionantes: quatro mil toneladas de alimentos comestíveis por dia na Itália, 22 mil nos EUA. Também é preciso, portanto, uma profunda mudança de paradigma individual. Confundir o preço dos alimentos com o seu valor destruiu a nossa alma. Se o alimento é uma mercadoria, não importa se o desperdiçamos. Em uma sociedade consumista, tudo se joga fora e pode ser substituído. Mas o alimento não funciona assim. Do ponto de vista educativo, o trabalho é, por isso, enorme. Não sairemos da crise entrópica se não mudarmos profundamente os paradigmas a partir das nossas vidas individuais.
Jeremy Rifkin – Dizem-nos que há muitas pessoas no mundo e que não há terra suficiente para todos, mas não entendem que um terço de todo o alimento produzido no planeta é ração para bovinos que depois nós teremos que comer. A FAO também disse que a indústria da carne é a segunda causa principal das mudanças climáticas, mas, ao mesmo tempo, defende que a produção de alimentos deve duplicar nos próximos 30 anos para poder alimentar o planeta. Desse modo, teremos 67% da terra cultivada para produzir rações animais!
Então, o que podemos fazer é começar a mudar a nossa dieta. Devemos nos lembrar de que somos onívoros. Somos “projetados” para comer vegetais e integrar essa dieta com pequenas quantidades de carne. Durante 97% da nossa história, fomos coletores-caçadores, não caçadores-coletores. Qual dieta podemos praticar hoje? A mediterrânica por exemplo, mas existem também a dieta asiática e a africana, que se baseiam nas mesmas proporções entre vegetais e animais. O que você disse sobre o valor do alimento é crucial. O alimento expressa a identidade das pessoas. No meu país, com o “fast food”, perdemos o nosso sentido de identidade, e o nosso alimento deixou de ser uma extensão do nosso ser. Esse alimento não é humano em nenhum sentido da palavra.
Carlo Petrini – Chegamos a patentear a vida. É preciso ser inflexível: não se pode patentear a vida. Estou convencido de que é necessário implementar um diálogo entre os dois reinos do conhecimento: a ciência oficial, que se tornou muito reconhecida, e os saberes tradicionais, que de maneira empírica implementaram economias da subsistência, vistas com uma atitude de superioridade. Lembremo-nos, porém, que elas deram de comer a milhões de pessoas durante séculos. Então, penso que chegou o momento para uma dialética. Mas a ciência não pode se colocar em um nível superior.
Jeremy Rifkin – Inicialmente, no meu país, as universidades e as escolas de agricultura se estruturaram sobre a sabedoria dos agricultores, tomaram o seu conhecimento e se tornaram capazes de disseminá-lo. Tudo isso agora mudou. Agora, essas escolas são controladas pelas grandes companhias que manejam a ciência da vida. Se acreditamos na agricultura ecológica, devemos dizer “não” a qualquer forma de patente sobre a vida e sobre os genes. A vida não pertence a uma tribo local, não pertence a uma nação ou a uma empresa como a Monsanto. Pertence à evolução deste planeta. Esse é o verdadeiro desafio para as gerações futuras: vetar as patentes e tornar livre e compartilhada a informação sobre os fundos genéticos, para compartilhar a nossa responsabilidade, porque nós somos os administradores da vida sobre a terra.
Carlo Petrini – Nos Estados Unidos, vejo um grande renascimento dessas temáticas, justamente na pátria do “fast food”. A atenção ao alimento e à nova agricultura, aos mercados agrícolas, deu vida a um movimento muito forte, que está surgindo de maneira explosiva. Vejo isso também porque, lá, o Slow Food está tendo um sucesso surpreendente em termos de adesões. Como você lê essas novas tendências? Você confirma isso?
Jeremy Rifkin – Há muitos valores que estão se agregando, por meio do trabalho dos diversos movimentos. Temos uma geração de jovens consumidores que quer só alimentos biológicos. O que os move é o desejo de saúde. Foi publicado um estudo no mês passado que relaciona os pesticidas com os distúrbios do comportamento e os déficits de atenção. Os pais não querem que os filhos tenham esses distúrbios, portanto evitam os alimentos da agricultura industrial. Além isso, existe o movimento pelo bem-estar animal, que diz: o que é ruim para as plantas e para os animais também é ruim para o homem; o que fazemos para as plantas e para os animais nos processos de agricultura industrial é cruel e voltará para nós.
O terceiro movimento é o ambientalista, que começou a ver as terríveis consequências da agricultura sobre a água e sobre os solos: as contaminações por pesticidas e fertilizantes que destroem ecossistemas inteiros. Esses três movimentos estão surgindo juntos, são muito poderosos e são todos baseados na consciência da biosfera. É o que me dá esperança. Em todas as escolas do mundo, seria preciso ensinar que tudo o que fazemos impacta dramaticamente na vida de qualquer outra criatura. Não somos isolados, autônomos, centrados no nosso interesse, predadores e individualistas, mas somos criaturas sociais, conectadas com as outras criaturas e com toda a biosfera que sustenta a nossa vida.
Carlo Petrini – O que você pensa sobre o desastre provocado pela plataforma da BP no Golfo do México? Acho-o terrificante.
Jeremy Rifkin – Catastrófico. Deveria ser um sinal de alarme para todos, nos Estados Unidos, mas também aqui na Europa e nos países em desenvolvimento. É como com a guerra no Vietnã, que despertou as consciências e fez nascer o movimento pacifista. Tenho confiança nos jovens: penso que está iniciando uma grande mudança no mundo. A velha política sempre foi dividida entre conservadores e não conservadores, entre direita e esquerda, mas essa é a nova geração que não se preocupa com ideologias e inclinações, é uma geração que cresce com a Internet e colabora nos seus espaços sociais como o Youtube e o Facebook. Estão levando adiante uma visão diferente, colaborativa, que compartilha as tecnologias e as coloca à disposição.
Carlo Petrini – Gosto muito da referência que você fez ao Vietnã, porque acredito que este é o novo pacifismo, que deve frear a nossa guerra contra a natureza.
Jeremy Rifkin – Stop war on nature! [Parem a guerra contra a natureza]. Você tem razão. Lutamos contra a natureza por muito tempo. É hora de acabar com isso e de nos comportarmos como verdadeiros seres humanos. Mandamos mensagens, ondas de rádios e várias outras coisas para o espaço em busca de outras formas de vida, esperando que alguém nos respondesse, mas ninguém nos respondeu. Procuramos por vida inteligente no universo, enquanto não nos damos conta de que ela está diante dos nossos olhos. É a vida das plantas com a sua beleza, a vida dos animais, dos mamíferos que têm sentimentos: estamos rodeados pela vida em todos os lugares, pelo mistério da vida. (EcoDebate)
Eis como a exploração das fontes renováveis e uma radical re-educação alimentar, com um menor consumo de carne e uma redução dos desperdícios, podem dar uma chance ao mundo. Face a face, o economista norte-americano Jeremy Rifkin e o fundador do Slow Food, Carlo Petrini, compartilham a rejeição aos sistemas centralizados. E pensam juntos sobre uma profunda transformação dos comportamentos. Com a ajuda da Internet.
O diálogo foi publicado no jornal La Repubblica, 09-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Carlo Petrini – Caro Jeremy, vejo que há extraordinárias semelhanças e paralelismos entre a nova política energética que você promove e a nova política alimentar que buscamos levar adiante com o Slow Food. A política alimentar, de fato, deve se basear no conceito de que a energia primária da vida é o alimento. Se o alimento é energia, então devemos nos dar conta de que o atual sistema de produção alimentar é falimentar. As duas primeiras ideias que, a meu ver, compartilhamos são a rejeição a sistemas muito centralizados e o retorno a uma concepção holística da nossa existência neste planeta.
O verdadeiro problema é que, de um lado, há uma visão centralizada da agricultura, feita de monoculturas e criações intensivas altamente insustentáveis, e, de outro, foi completamente rejeitada a lógica holística, que deveria ser inata à agricultura, para se unir a lógicas mecanicistas e reducionistas. Uma visão mecanicista acaba reduzindo o valor dos alimentos a uma mera commodity, uma simples mercadoria. É por isso que, no que se refere aos alimentos, já quase perdemos a percepção da diferença entre valor e preço: todos prestamos muita atenção a quanto ele custa, mas não mais ao seu significado profundo. Além disso, com esse sistema, reduzimos os agricultores em todos os cantos do mundo ao desespero. Não se pode seguir em frente desse modo. É preciso mudar de paradigma.
Jeremy Rifkin – É interessante o que você diz, Carlo, porque nos cursos que eu dou aos superadministradores de grandes empresas globais na mais antiga Escola de Economia do mundo [Warthon, na Pensilvânia], procuro justamente reorientar o pensamento. A primeira coisa que eu sempre digo é que, na base da economia do planeta, está a fotossíntese. Com a energia do sol, criamos a vida. Existimos há apenas 175 mil anos e representamos só 0,5% de toda a biomassa viva do planeta, mas estamos usando 24% de toda a energia gerada pela fotossíntese na terra. Somos monstros. Estamos devorando o nosso planeta. Continuando nesse ritmo, nos próximos 20 ou 30 anos, chegaremos a usar a metade da fotossíntese do planeta. Não é possível.
A agricultura, nesse processo, é central, porque está na base da civilização. Só se você tiver uma forte sociedade agrícola você poderá continuar criando uma sociedade industrial em cima dessa estrutura. E, assim, uma sociedade de serviços. Se a base desmorona, isto é, a agricultura baseada na fotossíntese, toda a pirâmide entra em colapso. Nós produzimos o nosso alimento em um sistema energético muito centralizado, com uma grandíssima dissipação de energias fósseis. Essas energias são concentradas e distribuídas do centro para a periferia. A sua exploração pressupõe uma alta intensidade de capitais, que determina uma organização verticalista. Vivemos em um regime energético dentre os mais patriarcalistas e centralizadores da história.
Você tem razão, a agricultura, por sua natureza, não é centralizada. Ao invés disso, buscou-se transformá-la para torná-la compatível com esse regime energético: criou-se a “agroindústria”, e a divorciamos completamente da natureza, quase como se o meio ambiente fosse o inimigo. Não é por acaso que desenvolvemos os atuais pesticidas depois da II Guerra Mundial. Antes, os utilizamos para fazer a guerra e depois para a agricultura. A nossa agricultura é baseada em um modelo de guerra. Pelo contrário, o que mais me impressiona no movimento Slow Food é justamente a abordagem holística com relação aos alimentos.
Carlo Petrini – Pense que, por causa disso, muitas vezes nos acusam de passadismo. Mas eu acredito que o passado não deve ser esquecido. Por exemplo, seria necessário voltar à atitude dos agricultores que projetavam as atividades a serem implantadas na sua propriedade. Era uma visão que partia de uma abordagem complexa, de atenção às interconexões, que obtinha a maior eficiência do meio ambiente ao seu redor sem comprometê-lo. O homem colaborava com a natureza. Quando eu ouço as suas teorias sobre a energia, parece-me que novamente é este o conceito: nós não podemos nos mover de maneira monoprodutiva. Devemos seguir o exemplo dos agricultores que decidiam o que fazer nas suas propriedades, e essa poderia ser uma boa prática cultural a ser experimentada em todos os âmbitos humanos. Significa re-encontrar aquilo que o meu amigo Wendell Berry define como “espírito de adaptação local”.
Jeremy Rifkin – Temos uma geração que está crescendo com a Internet. Uma revolução com relação à comunicação centralizada em que eu e você crescemos: rádio, cinema, TV. Tudo, de cima a baixo. Hoje, pelo contrário, os jovens, com um Blackberry ou um iPhone na mão, podem criar a sua informação, os seus vídeos, áudios e textos, armazená-los em formato digital e compartilhá-los. Essa revolução é distribuída, é “open source”, é colaborativa e ocorre em territórios virtuais que são bens comuns compartilhados, “commons”. Uma vez, também na agricultura e em todas as outras atividades econômicas, as pessoas compartilhavam os “commons” e recolhiam seus frutos coletivamente.
Depois, a agricultura também se tornou egoísta, materialista. A verdadeira natureza humana, ao contrário, se dá pelo fato de que nascemos biologicamente interconectados, somos as criaturas mais empáticas do mundo. O que o Slow Food faz, e é a primeira vez que eu o vejo na minha vida, é tomar essa guia base da empatia e estendê-la às nossas escolhas alimentares, à nossa Terra Mãe, a todas as formas de vida sobre este planeta.
Carlo Petrini – Quando me perguntam como foi possível, sem grandes recursos, realizar uma rede como a da “Terra Madre” [rede de comunidades do alimento do movimento Slow Food], que hoje conta com mais de seis mil comunidades em 153 países do mundo, eu respondo que as duas colunas de sustentação são a inteligência afetiva e uma anarquia austera. A inteligência afetiva nada mais é do que a empatia da qual você fala, a força de uma fraternidade que, não esqueçamos, foi o terceiro valor da Revolução Francesa. Mas foi também o mais esquecido.
Hoje, estamos cheios de inteligência racional, e falta a inteligência afetiva. Por anarquia austera, entendo a liberdade por parte das comunidades de serem o que são até o fundo. Isso significa, principalmente, defender, evidenciar a soberania alimentar e a do conhecimento: cada povo, cada comunidade tem o direito de escolher o que comer, o que semear e como comunicar. Tem o direito à sua própria identidade. Neste momento histórico, além disso, parece-me que a soberania do conhecimento é fundamental.
Acredito que os novos instrumentos, como a Internet e o acesso mais imediato aos audiovisuais, podem nos fazer sair da monocultura da escrita, que não havia nas sociedades agrícolas, habituadas à comunicação oral. Com a monocultura da escrita, foram excluídas do conhecimento pessoas como os indígenas, os agricultores, as mulheres, os idosos e agora também aqueles jovens protagonistas da nova revolução da comunicação, que compartilham na Internet, mas ainda são excluídos da cultura “oficial”. É preciso construir velozmente os celeiros da memória, porque as sabedorias e os saberes dessas pessoas ainda podem ser reunidas com os novos instrumentos e colocadas à disposição de todos.
Jeremy Rifkin – Na história da humanidade, ao mesmo tempo que com todas as revolução da comunicação e da energia, mudou também a agricultura, junto com o nosso conhecimento do tempo e do espaço. Isso ocorreu quando passamos da sociedade de caçadores-coletores para uma sociedade de pequena agricultura, depois na passagem para a grande agricultura que se servia da irrigação e, por fim, com o salto para a agricultura centralizada. Em todos os lugares em que isso ocorreu, isso correspondeu a uma revolução das comunicações.
No México, no Egito, na China, na Mesopotâmia, com a agricultura permanente, a escrita teve que se desenvolver. No início do século XIX, quando tivemos que lidar com a primeira revolução industrial e tivemos que converter comunicação e energia, mudou a agricultura: tivemos a convergência entre a imprensa e o uso do vapor e do carvão. Depois, as tecnologias mecânicas na metade do século XIX coincidiram com uma ulterior centralização devido à introdução da química na agricultura, até uma terceira geração, com os transgênicos. Como rompemos essa escalada? Estamos no início da terceira revolução industrial, de um novo modelo de comunicação que está convergindo rumo a um novo regime energético, distribuído.
Quando a comunicação distribuída gerir a energia distribuída, então essa terceira revolução desdobrará todo o seu potencial de crescimento econômico. As energias renováveis se encontram em cada metro quadrado da terra, todos os dias, em todos os lugares: o vento, o sol, a água, os oceanos. Milhões de pessoas poderão produzir a sua energia nos seus edifícios e poderão distribuí-la de maneira racional. O que fizermos com a energia poderá ser replicado na agricultura. A terceira revolução industrial converge com a da agricultura distribuída, um novo modelo para servir às comunidades urbanas e conectá-las com as agrícolas, para movermo-nos rumo a uma agricultura ecológica.
Carlo Petrini – Em 2008, quando encerrei a terceira edição do Terra Madre, defendi, diante de oito mil agricultores do mundo, que a terceira revolução industrial começaria a partir deles, por meio dos saberes e da experiência de quem trabalha com o alimento e pelo alimento. Dizia isso também porque precisamos de uma atitude diferente com relação ao nosso sistema alimentar. A crise que estamos vivendo é uma crise entrópica histórica. O desperdício de energias ocorre sobretudo por causa do sistema alimentar, em uma quantidade de desperdício que não tem igual na história da humanidade. Nós produzimos alimentos para 12 bilhões de seres vivos, enquanto somos sete bilhões. Um bilhão sofre de fome, e mais de um bilhão, ao invés, tem problemas ligados a sobrealimentação, diabetes e obesidade.
As quantidades do desperdício cotidiano são impressionantes: quatro mil toneladas de alimentos comestíveis por dia na Itália, 22 mil nos EUA. Também é preciso, portanto, uma profunda mudança de paradigma individual. Confundir o preço dos alimentos com o seu valor destruiu a nossa alma. Se o alimento é uma mercadoria, não importa se o desperdiçamos. Em uma sociedade consumista, tudo se joga fora e pode ser substituído. Mas o alimento não funciona assim. Do ponto de vista educativo, o trabalho é, por isso, enorme. Não sairemos da crise entrópica se não mudarmos profundamente os paradigmas a partir das nossas vidas individuais.
Jeremy Rifkin – Dizem-nos que há muitas pessoas no mundo e que não há terra suficiente para todos, mas não entendem que um terço de todo o alimento produzido no planeta é ração para bovinos que depois nós teremos que comer. A FAO também disse que a indústria da carne é a segunda causa principal das mudanças climáticas, mas, ao mesmo tempo, defende que a produção de alimentos deve duplicar nos próximos 30 anos para poder alimentar o planeta. Desse modo, teremos 67% da terra cultivada para produzir rações animais!
Então, o que podemos fazer é começar a mudar a nossa dieta. Devemos nos lembrar de que somos onívoros. Somos “projetados” para comer vegetais e integrar essa dieta com pequenas quantidades de carne. Durante 97% da nossa história, fomos coletores-caçadores, não caçadores-coletores. Qual dieta podemos praticar hoje? A mediterrânica por exemplo, mas existem também a dieta asiática e a africana, que se baseiam nas mesmas proporções entre vegetais e animais. O que você disse sobre o valor do alimento é crucial. O alimento expressa a identidade das pessoas. No meu país, com o “fast food”, perdemos o nosso sentido de identidade, e o nosso alimento deixou de ser uma extensão do nosso ser. Esse alimento não é humano em nenhum sentido da palavra.
Carlo Petrini – Chegamos a patentear a vida. É preciso ser inflexível: não se pode patentear a vida. Estou convencido de que é necessário implementar um diálogo entre os dois reinos do conhecimento: a ciência oficial, que se tornou muito reconhecida, e os saberes tradicionais, que de maneira empírica implementaram economias da subsistência, vistas com uma atitude de superioridade. Lembremo-nos, porém, que elas deram de comer a milhões de pessoas durante séculos. Então, penso que chegou o momento para uma dialética. Mas a ciência não pode se colocar em um nível superior.
Jeremy Rifkin – Inicialmente, no meu país, as universidades e as escolas de agricultura se estruturaram sobre a sabedoria dos agricultores, tomaram o seu conhecimento e se tornaram capazes de disseminá-lo. Tudo isso agora mudou. Agora, essas escolas são controladas pelas grandes companhias que manejam a ciência da vida. Se acreditamos na agricultura ecológica, devemos dizer “não” a qualquer forma de patente sobre a vida e sobre os genes. A vida não pertence a uma tribo local, não pertence a uma nação ou a uma empresa como a Monsanto. Pertence à evolução deste planeta. Esse é o verdadeiro desafio para as gerações futuras: vetar as patentes e tornar livre e compartilhada a informação sobre os fundos genéticos, para compartilhar a nossa responsabilidade, porque nós somos os administradores da vida sobre a terra.
Carlo Petrini – Nos Estados Unidos, vejo um grande renascimento dessas temáticas, justamente na pátria do “fast food”. A atenção ao alimento e à nova agricultura, aos mercados agrícolas, deu vida a um movimento muito forte, que está surgindo de maneira explosiva. Vejo isso também porque, lá, o Slow Food está tendo um sucesso surpreendente em termos de adesões. Como você lê essas novas tendências? Você confirma isso?
Jeremy Rifkin – Há muitos valores que estão se agregando, por meio do trabalho dos diversos movimentos. Temos uma geração de jovens consumidores que quer só alimentos biológicos. O que os move é o desejo de saúde. Foi publicado um estudo no mês passado que relaciona os pesticidas com os distúrbios do comportamento e os déficits de atenção. Os pais não querem que os filhos tenham esses distúrbios, portanto evitam os alimentos da agricultura industrial. Além isso, existe o movimento pelo bem-estar animal, que diz: o que é ruim para as plantas e para os animais também é ruim para o homem; o que fazemos para as plantas e para os animais nos processos de agricultura industrial é cruel e voltará para nós.
O terceiro movimento é o ambientalista, que começou a ver as terríveis consequências da agricultura sobre a água e sobre os solos: as contaminações por pesticidas e fertilizantes que destroem ecossistemas inteiros. Esses três movimentos estão surgindo juntos, são muito poderosos e são todos baseados na consciência da biosfera. É o que me dá esperança. Em todas as escolas do mundo, seria preciso ensinar que tudo o que fazemos impacta dramaticamente na vida de qualquer outra criatura. Não somos isolados, autônomos, centrados no nosso interesse, predadores e individualistas, mas somos criaturas sociais, conectadas com as outras criaturas e com toda a biosfera que sustenta a nossa vida.
Carlo Petrini – O que você pensa sobre o desastre provocado pela plataforma da BP no Golfo do México? Acho-o terrificante.
Jeremy Rifkin – Catastrófico. Deveria ser um sinal de alarme para todos, nos Estados Unidos, mas também aqui na Europa e nos países em desenvolvimento. É como com a guerra no Vietnã, que despertou as consciências e fez nascer o movimento pacifista. Tenho confiança nos jovens: penso que está iniciando uma grande mudança no mundo. A velha política sempre foi dividida entre conservadores e não conservadores, entre direita e esquerda, mas essa é a nova geração que não se preocupa com ideologias e inclinações, é uma geração que cresce com a Internet e colabora nos seus espaços sociais como o Youtube e o Facebook. Estão levando adiante uma visão diferente, colaborativa, que compartilha as tecnologias e as coloca à disposição.
Carlo Petrini – Gosto muito da referência que você fez ao Vietnã, porque acredito que este é o novo pacifismo, que deve frear a nossa guerra contra a natureza.
Jeremy Rifkin – Stop war on nature! [Parem a guerra contra a natureza]. Você tem razão. Lutamos contra a natureza por muito tempo. É hora de acabar com isso e de nos comportarmos como verdadeiros seres humanos. Mandamos mensagens, ondas de rádios e várias outras coisas para o espaço em busca de outras formas de vida, esperando que alguém nos respondesse, mas ninguém nos respondeu. Procuramos por vida inteligente no universo, enquanto não nos damos conta de que ela está diante dos nossos olhos. É a vida das plantas com a sua beleza, a vida dos animais, dos mamíferos que têm sentimentos: estamos rodeados pela vida em todos os lugares, pelo mistério da vida. (EcoDebate)
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