De Hiroshima a Fukushima, horror nuclear não alertou Japão sobre riscos da energia atômica
Os dias 6 e 9 de agosto de 1945 – dias dos bombardeios atômicos sobre Hiroshima e depois sobre Nagasaki – são datas que assombram a memória dos japoneses. Uma outra promete marcar a história nacional: o dia 11 de março de 2011, dia do terremoto acompanhado do tsunami que levaram à usina de Fukushima a mais grave catástrofe nuclear desde Chernobyl, em 26 de abril de 1986.
Claro, não há como comparar um país derrotado, arrasado, com centenas de milhares de pessoas mortas instantaneamente e outras que iriam sofrer pelo resto de suas vidas, a um desastre nuclear, cujas trágicas consequências ainda estão sendo pressentidas, mas que por enquanto permanece circunscrita a uma região.
Os testemunhos dos sobreviventes de Hiroshima e de Nagasaki durante cerimônias de homenagens às vítimas terão este ano um caráter ainda mais comovente. Como um Estado cujo povo sentiu na pele o horror do fogo nuclear pode ter sido tão pouco atento aos riscos apresentados pela energia atômica – ainda mais em um país sujeito a terremotos?
Através dos depoimentos, das revelações e das opiniões de especialistas que por muito tempo foram ostracizados pelo lobby nuclear e ignorados pela mídia, os japoneses começam a entrever o que está em segundo plano na catástrofe, cuja extensão eles percebem um pouco mais a cada dia. Eles estão se conscientizando da condenável “aposta” de suas elites que subestimaram os riscos. Para além dos problemas de boa governança da operadora da usina, a Tokyo Electric Power Co. (Tepco), e da controvérsia “a favor ou contra a energia nuclear”, surge a questão de um Estado que não soube proteger a nação e de políticos que traíram as expectativas legítimas de segurança daqueles que eles representam. Tanto o primeiro quanto os segundos ignoraram, se não confiscaram, o direito da população de ser alertada.
Cinco meses após o acidente que está longe de estar controlado, busca-se em vão por responsáveis por um desastre no qual se misturam insuficiência de precaução, dissimulações, falsificações de documentos, mentiras e manipulação da opinião pública. “Assim como em Chernobyl, ninguém assume a responsabilidade”, acredita Kenzaburo Oe, Prêmio Nobel de Literatura. E como poderia ser diferente? A negligência se dissolve em uma rede de colusão entre governantes, operadoras, fabricantes de reatores e grande mídia que repercutiam as garantias dos especialistas daquilo que chamamos aqui de “aldeia nuclear”.
A catástrofe de Fukushima abre uma crise de confiança que atinge as instituições: uma burocracia que, desde a restauração de Meiji (fim do século 19, época da passagem para a era moderna), administrou o país com desprezo, relegando a política ao segundo lugar. Com sucesso, aliás. O “triângulo de ferro” (governo, política e empresariado) fez do Japão derrotado uma das primeiras potências econômicas do mundo.
Mas não sem danos, como mostram as doenças da poluição dos anos 1960-1970, entre elas a de Minamata (contaminação pelo mercúrio orgânico despejado no mar por uma indústria química): milhares de mortos e pessoas nascidas com deficiências. Nessa época o Estado já não defendeu os cidadãos: foram as vítimas que lutaram durante anos para que parassem de negar a ligação entre a poluição e as doenças.
Como os habitantes de Minamata, que, depois de acreditarem que a indústria química traria prosperidade a sua região, descobriram que ela também trazia a morte, muitos japoneses se conscientizaram de que eles se iludiram com uma confiança exagerada em uma tecnologia cuja segurança era elogiada até em livros escolares.
Os japoneses descobriram que o Estado não havia providenciado instrumentos para controlar uma perigosa “ferramenta”– as instâncias de monitoramento da indústria nuclear dependem do Ministério da Economia, do Comércio e da Indústria (Meti), encarregado de promovê-la… – e que ele permitiu a formação de poderosos monopólios regionais por parte de companhias de eletricidade que impunham suas “normas”. Quando funcionários do Meti tentaram quebrá-los no final dos anos 1990, um protesto por parte de políticos abafou a tentativa.
Ademais, o Estado persuadiu as coletividades locais a aceitaram as usinas com um dilúvio de subsídios. Nem todos os moradores eram a favor: desde 1973, opositores entraram com ações na Justiça contra as operadoras, alegando que havia riscos de terremotos e de tsunamis. Eles sempre perderam e seus argumentos foram ignorados pela mídia. Ostracizados pela vizinhança, alertados por seus empregadores, eles abaixaram a cabeça.
Setenta anos depois de Hiroshima e Nagasaki, o Japão volta a ser vítima da energia atômica. Mas, desta vez, é ele o responsável pelo desastre. E neste ano, o Congresso do Japão contra a Bomba Atômica (Gensuikin), o mais importante movimento antinuclear do país criado em 1965, acrescentará a seu slogan “No more Hiroshima! No more Nagasaki!”, um “No more Fukushima!”.
O Japão demonstrou no passado sua capacidade de se reinventar. E provavelmente é o que acontecerá novamente. Mas, desta vez, o contrato social entre o Estado e a nação foi abalado. (EcoDebate)
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