Chamam a atenção em telhados placas de sistemas de aquecimento solar de água para uso em residências, edifícios, clubes. Trata-se de um processo de tecnologia simples, já vulgarizado, que transfere a energia térmica da radiação solar para a água, que é depois armazenada em tanques termicamente isolados. Imagine-se agora a instalação nos telhados de placas solares que transformem energia solar em elétrica destinada à iluminação, ao acionamento de eletrodomésticos e a outros usos. Imagine-se a possibilidade de parte dessa energia elétrica, gerada localmente e não consumida, ser disponibilizada na rede elétrica para utilização pela concessionária local que paga pela energia recebida. Mais ainda: imagine-se que essa geração distribuída de energia, como é denominada, ocorra na maior parte das casas e edifícios públicos e privados de uma cidade. Isto é possível com os sistemas fotovoltaicos conectados à rede elétrica que fazem a conversão da luz solar em eletricidade.
Embora esta possibilidade seja pouco conhecida no Brasil e relativamente circunscrita, sua ampliação e generalização caminham a passos firmes em países desenvolvidos. Especialistas estimam que as fontes de energia renováveis – solar, eólica, das marés entre outras – deverão compor cerca de 30% da matriz energética mundial.
Este quadro justifica linha de pesquisa desenvolvida no Laboratório de Eletrônica de Potência (Lepo), coordenado pelo professor Ernesto Ruppert Filho, do Departamento de Sistemas e Controles de Energia da Faculdade de Engenharia Elétrica (FEEC) da Unicamp. Nele, o engenheiro eletricista Jonas Rafael Gazoli realizou estudo que visa contribuir para a pesquisa e o desenvolvimento de microinversores monofásicos para sistemas fotovoltaicos de energia solar conectados à rede elétrica de baixa tensão.
Gazoli explica que os sistemas fotovoltaicos são constituídos fundamentalmente por placa solar fotovoltaica acoplada a um microinversor eletrônico. A função primordial dele é converter eletricidade de corrente contínua produzida pela placa em energia de corrente alternada a ser injetada na rede elétrica da moradia ou edifício.
Como uma placa solar produz cerca de 25 V em corrente contínua, a função do microinversor é compatibilizar essa energia com a tensão de 127 V ou 220 V da corrente alternada da rede elétrica. Essa tecnologia permite que qualquer pessoa possua uma placa solar com o inversor acoplado a ela. Para a produção de energia, basta instalar a placa no telhado da residência e o microinversor em um ponto da rede, como se fosse um eletrodoméstico. Se o consumo da residência for inferior à produção, o excesso pode ser exportado para a concessionária local. Um medidor bidirecional instalado em substituição ao usual permitirá registrar a energia fornecida e recebida ao longo do dia, de forma que o usuário pague apenas pela diferença.
Metas – Após a graduação na Unicamp, Gazoli fez estágio na Universidade de Pádua, Itália, onde iniciou sua pesquisa em energia fotovoltaica. Segundo o pesquisador, o grande interesse na tecnologia de inversores conectados é a retirada dos capacitores eletrolíticos, componentes responsáveis pelo armazenamento momentâneo de energia. Os equipamentos possuem vida útil curta, de sete anos em média, quando trabalham sob temperaturas altas (como 80 a 100 graus Celsius, por exemplo). Mas, como a vida útil esperada para um sistema fotovoltaico é da ordem de 25 anos, tempo de vida de uma placa, é desejável produzir inversores que não utilizem capacitores eletrolíticos, o que levou o pesquisador a estudos nessa direção.
O engenheiro diz que a pesquisa teve inicialmente o objetivo de diminuir a necessidade de capacitores eletrolíticos ou eventualmente até eliminá-los. Lembra que em projeto de pesquisa regular financiado pela Fapesp – que trata especificamente do tema e tem conclusão prevista dentro de dez meses – está sendo desenvolvido um microinversor com grande vida útil sem usar capacitor eletrolítico.
Outro objetivo do pesquisador foi o de estudar e desenvolver microinversores. No Brasil não existiam grupos trabalhando nessa área, em 2009, quando a pesquisa começou, o que o faz acreditar em pioneirismo do grupo coordenado pelo professor Ernesto Ruppert Filho. Embora ao final da dissertação ele alinhe conclusões técnicas, a banca que examinou o trabalho credita-lhe como consequência maior o mérito de alavancar a tecnologia de microinversores no País. “Hoje detemos no Brasil a tecnologia de microinversores ligados à rede, tanto de média como de baixa potência, embora esses equipamentos não sejam ainda fabricados aqui e precisem ser importados”, diz Gazoli.
A pesquisa foi coorientada por Marcelo Gradella Villalva, membro do grupo na Unicamp e professor da Unesp, no Campus Experimental de Sorocaba, que durante o doutorado desenvolveu, no mesmo laboratório, o primeiro conversor eletrônico de potência trifásico para conexão de painéis solares. Para ele, futuramente a venda para a concessionária, por preço atraente, da energia produzida em excesso pelo consumidor pode incentivar o uso de energias limpas e contribuir para retardar investimentos públicos em geração elétrica, seguindo uma tendência mundial.
Ele acredita que a utilização conjunta de aquecedores solares de água e sistemas fotovoltaicos pode levar a casas e edifícios altamente sustentáveis em recursos energéticos. Lembra, também, que a ampliação da utilização desse tipo de sistema alavanca paralelamente o desenvolvimento da indústria eletrônica no setor fotovoltaico e à pulverização do investimento em produção de energia em decorrência da participação do consumidor no sistema de geração de eletricidade.
Perspectivas – O Brasil, segundo Gazoli, vive um momento muito bom para a instalação da energia fotovoltaica de conexão à rede elétrica. A Associação Brasileira da Indústria Eletro Eletrônica (Abinee) mantém um grupo setorial para discussões sobre energia fotovoltaica, constituído por cerca de 50 das maiores empresas do setor no país. Elas se reúnem mensalmente para definir metas e ações. Um dos principais resultados desse trabalho foi a criação de normas para o setor e reuniões com alguns ministérios, particularmente o de Minas e Energia. Em consequência, encontra-se em andamento um plano de ação que contempla estudos técnicos sobre tarifas, mercados e leilões relacionados à utilização da energia fotovoltaica no Brasil.
Trata-se, segundo autor da dissertação, de “um movimento muito forte que se desenvolve há cerca de um ano e que já trouxe muitas contribuições no plano nacional”. O Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações (Cobei) patrocina o estudo de normas técnicas de baixa tensão de conexão à rede, de cujas discussões participou como convidado o grupo coordenado pelo professor Ruppert. No ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fez uma consulta pública em que, além de apresentar os principais instrumentos regulatórios utilizados no Brasil e em outros países para incentivar a geração distribuída de pequeno porte, visou receber contribuições dos agentes interessados e sociedade em geral sobre as questões que o regulador deve enfrentar para reduzir as barreiras existentes para a entrada da energia fotovoltaica no país.
Para ele, “neste cenário a pesquisa que começamos há três anos se encaixa perfeitamente”. Recentemente, uma nota técnica da Aneel propõe a abertura de audiência pública para o recebimento de contribuições visando reduzir barreiras que dificultam a instalação de geração distribuída de baixa potência e introduzir a tarifa direcional. A agência prepara também uma resolução para a viabilização de normatização que orientem interessados em investir no sistema.
O professor Ruppert tem a absoluta certeza de que a geração de energia fotovoltaica será implantada no Brasil, a exemplo do que ocorreu com a energia eólica. Enfatiza que o objetivo da sua linha de pesquisa não é chegar a um produto destinado à venda, mas desenvolver quadros qualificados de forma a atender às novas e crescentes demandas tecnológicas do Brasil.
Villalva lembra que o laboratório recebeu aportes da Fapesp para seis pesquisas sobre inversores conectados à rede através de bolsas de mestrado, pós-doutorado e projetos regulares. O grupo atualmente desenvolve conjuntamente com a CPFL, o Laboratório de Hidrogênio 2 do Instituto de Física (IFGW), a Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) e as empresas Hytron e Eudora Energia, de Campinas, uma pesquisa financiada pela Aneel que visa a construção no campus de uma usina de geração solar fotovoltaica e eólica, que será ligada à rede elétrica da Unicamp em caráter demonstrativo. (ambienteenergia)
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