Eficiência energética em edificações dá samba no Brasil?
A ideia de ter uma construção energeticamente eficiente e
certificada não é nada nova, apesar de o assunto ter-se tornado constante nos
últimos tempos. Mas qual o objetivo da eficiência energética na edificação? Um
dos objetivos gerais da eficiência energética em edifícios é economizar no uso
de energia sem comprometer os níveis de saúde, conforto e produtividade. Em
outras palavras, utilizar menos energia no uso diário do edifício, mas tendo
construções de igual ou melhor qualidade.
Historicamente se pode indicar a Europa como sendo uma
pioneira na formalização de uma regulamentação com intuito de obter redução do
uso da energia nas edificações. Para tal, desenvolveu regulamentos sobre a
construção das envoltórias dos edifícios no final da década de 1970 para
reduzir a transferência de calor através de elementos da envoltória (e.g.
paredes e janelas) e de difusão de vapor e controle de permeabilidade ao ar,
seguido por regulamentos e recomendações de melhores práticas sobre o cálculo,
projeto e manutenção de conforto térmico (e.g. aquecimento, ventilação e ar
condicionado – AVAC e água quente sanitária – AQS) (Pérez-Lombard et al.,
2009).
Entretanto, o conceito de certificação das características
energéticas dos edifícios só surgiu praticamente duas décadas depois (em 1993)
com a promulgação da Diretiva Europeia 93/76/CEE. Esta considerava a
importância da certificação como um instrumento para prestar uma informação
objetiva sobre as características energéticas dos edifícios, contribuir para
uma maior transparência do mercado imobiliário, incentivar o investimento na
poupança da energia, ajudar a estabilizar as emissões totais de dióxido de
carbono, dado que os setores residenciais e de serviços eram responsáveis por
cerca de 40% do consumo final de energia da Comunidade na época (energia
majoritariamente de origem fóssil), e considerando, finalmente, que os
edifícios novos iriam ter repercussões no consumo de energia em longo prazo
(dado que a vida útil de uma construção pode ultrapassar os 50 anos) e que, por
conseguinte, importava dotá-los de isolamento térmico eficaz e adaptado às
condições climáticas locais.
No mesmo ano de 1993, se formava o Green Building Council
dos EUA (USGBC), um grupo diversificado formado por arquitetos, corretores de
imóveis, proprietários de edifícios, advogados, ambientalistas, e
representantes da construção civil, cujo objetivo principal era promover a
sustentabilidade no setor de construção civil. Para tal, percebeu-se a
necessidade de um sistema para definir e comparar os “edifícios verdes”. Mas o
que significa “edifício verde”? Esse conceito americano de “edifício verde”
seria igual ao conceito Europeu de eficiência energética na edificação? “Verde”
tornou-se a designação abreviada de um conceito de desenvolvimento sustentável
aplicado à construção civil. De acordo com o USGBC (U.S. Green Building
Council, 2006), o conceito está relacionado com edificações ambientalmente
responsáveis, economicamente rentáveis, e saudáveis para se viver e trabalhar,
sendo ligeiramente mais amplo que o conceito Europeu.
Após anos de pesquisa, em 1998, o USGBC lança o Programa de
Projeto Piloto LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), também
conhecido como LEED versão 1.0, e após extensas modificações finalmente
consegue lançar o LEED “Green Building Rating System” (sistema de certificação
para construções verdes) versão 2.0 em 2000 (U.S. Green Building Council,
2006), atingindo o objetivo de se ter um sistema para definir e comparar os
“edifícios verdes”. Este sistema avalia o desempenho ambiental a partir de uma
perspectiva ao longo do ciclo de vida do edifício, fornecendo um padrão
definitivo para o que constitui um “edifício verde”. A certificação LEED traz a
promessa de um consumo de energia até 30% menor, uma redução de até 50% no
consumo de água e de até 80% nos resíduos, além da redução em média de 9% nos
custos de operação (GBC Brasil, 2012). Todas essas vantagens vêm de um custo inicial
em torno de 1% a 7% maior para um empreendimento comercial, dependendo do nível
de certificação, porém este custo inicial tende a ser pago rapidamente com a
redução dos custos de operação.
O LEED é, até hoje, um sistema de classificação voluntária e
consensual voltado para o mercado de construção. Este fato ia em linha com a
certificação das características energéticas dos edifícios da Diretiva Europeia
93/76/CEE. Porém, na Europa, o fato da Diretiva 93/76/CEE não ser obrigatória
resultou em uma baixa implementação dos seus requerimentos pelos Estados
Membros (Pérez-Lombard et al., 2009), e em consequência, levando a uma baixa
economia de energia.
Aprendendo com a história, após praticamente 10 anos da
Diretiva 93/76/CEE, a União Europeia lança a Diretiva 2002/91/EC que agora
integra, para além do isolamento térmico, outros fatores com influência no uso
de energia, como as instalações de sistemas de aquecimento e arrefecimento, a
iluminação, e a aplicação de fontes de energia renováveis. Além da maior abrangência
dos fatores que influenciam o uso de energia, a certificação passou a ser
obrigatória em todos os Estados Membros e os novos edifícios passaram a cumprir
requisitos mínimos de desempenho energético, adaptados às condições climáticas
locais.
Em 2010, a União Europeia lança a Diretiva 2010/31/EU em que
reforça a aplicação dos requisitos mínimos de desempenho energético para os
edifícios novos e existentes, assegura a certificação de desempenho energético
dos edifícios e exige que os Estados Membros garantam que até 2021 todos os
novos edifícios serão do tipo NZEB (“nearly zero-energy buildings” – edifícios
com consumo de energia muito baixo e que podem balancear o consumo de energia
com a produção de energia através de renováveis).
Além de história, o que isso tem a ver com o Brasil? No
Brasil a noção de eficiência energética nas edificações surge com o Decreto Nº
34.979, de 23 de Novembro de 1993 com o Programa Estadual de Conservação de
Energia nas Edificações do Rio Grande do Sul. Este com o intuito de promover o
uso de fontes energéticas alternativas nas edificações e propor normas, padrões
e outros instrumentos técnicos e legais a serem adotados para incentivar a
melhoria da eficiência energética nas edificações, assim como sua conservação.
Em 1996, é feita uma tentativa de consolidar as informações
referentes ao estado da arte de eficiência energética em edificações com o
objetivo de definir ações do Procel (Procel Edifica) nesta área e criar
referências para profissionais da área (Eletrobras; Procel, 2004). Porém,
somente em 2010 (Portaria Inmetro nº 372, de 17 de Setembro de 2010) com
revisão em 2012 (Portaria Inmetro nº 17, de 16 de Janeiro de 2012), os esforços
do governo são efetivamente concretizados em um processo de etiquetagem de
edificações para o Brasil (inicialmente para edifícios comerciais, de serviços
e públicos), obtida através de avaliação dos requisitos contidos no Regulamento
Técnico da Qualidade do Nível de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais,
de Serviços e Públicos (RTQ-C).
No ano de 2012, (Portaria Inmetro nº 18, de 16 de Janeiro de
2012) é publicado Regulamento Técnico da Qualidade do Nível de Eficiência
Energética de Edificações Residenciais (RTQ-R) para a classificação dos
edifícios residenciais. Assim como o RTQ-C, o documento é complementado pelo
Regulamento de Avaliação da Conformidade do Nível de Eficiência Energética de
Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos (RAC-C), que apresenta o processo
de avaliação das características do edifício para etiquetagem junto ao
Laboratório de Inspeção acreditado pelo Inmetro.
Ambas as etiquetagens (RTQ-C e RTQ-R) seguem uma metodologia
muito similar à encontrada nas transposições da Diretiva 2002/91/EC para os
Estados Membros, como por exemplo, o Decreto-Lei nº 80/2006 de Portugal sobre o
Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE),
com o mesmo foco na parte energética relativa ao uso do edificado fruto do
comportamento térmico da construção e de seus sistemas energéticos (e.g.
arrefecimento ou aquecimento), mas com uma diferença crucial, a etiquetagem
Brasileira não é obrigatória e também não tem requisitos mínimos de eficiência,
nesse ponto mais próxima da Diretiva 93/76/CEE.
Segundo Marcos André Borges, coordenador do programa de
etiquetagem do Inmetro, o objetivo do Procel Edifica é provocar um impacto no
mercado imobiliário e na medida em que existam prédios etiquetados e outros
não, as pessoas iriam dar preferência a esse instrumento (Globo News, 2012).
Além disso, Marcos André Borges faz uma alusão ao Procel para eletrodomésticos,
onde indica que 80% dos consumidores já usam esse tipo de informação os
comprar. Porém, prédios e apartamentos não são eletrodomésticos, eles acabam
por não ser tão similares entre si como os eletrodomésticos e não são
encontrados um ao lado do outro em uma loja.
Muitos outros fatores são levados em conta na hora de
adquirir imóveis, como a ordem de grandeza do investimento, a disponibilidade,
localização, tamanho, oferta de serviços pelo condomínio etc. Além disso, a
inércia do mercado imobiliário é muito maior que a dos eletrodomésticos, o que
pode levar muito tempo para a adoção da etiquetagem e sua percepção pela
sociedade. Nessa linha de raciocínio, é interessante ressaltar “o objetivo de
impactar o mercado imobiliário” mencionado acima. Lembremos que o Procel
Edifica é uma etiquetagem voluntária e sem requisitos mínimos de eficiência,
assim como estabelecido na Europa em 1993.
Se lá se percebeu que a certificação voluntária não surtiu o
efeito desejado, e com isso resolveram introduzir uma nova regulamentação em
2002 para tornar seu uso obrigatório, o que levaria a pensar que no Brasil isso
funcionaria? Se o processo de etiquetagem brasileiro é tão parecido com o
Europeu, por que não aprender com os erros deles e o tornar obrigatório e com
requisitos mínimos de eficiência, como já é feito em alguns outros produtos
certificados pelo Inmetro?
Paralelamente ao Procel Edifica surge no Brasil em 2007 o
Green Building Council Brasil (GBCB), que traz consigo a certificação LEED que
até hoje certificou 67 empreendimentos (Gbc Brasil, 2012). Entretanto, nenhum
desses empreendimentos é residencial, dado que, até então, somente está
disponível no Brasil o LEED para edificações comerciais. Mas isto está prestes
a mudar, pois o GBCB está tentando criar referenciais brasileiros a serem
adotados para as categorias residências (casas populares, de classe média e
alta) e desenvolvimentos urbanos (conjuntos habitacionais, condomínios,
loteamentos ou bairros novos). Estes referenciais têm como base o LEED for
Homes desenvolvido pelo USGBC e os pré-requisitos descritos pelo Procel
Edifica, não se esquecendo do uso racional da água, de materiais e recursos,
qualidade ambiental interna, regras sociais e inovação (Gbc Brasil, 2012).
Não se pode negar a importância da introdução de
certificação energética no Brasil para uma futura redução no uso de energia do
país, dado que somente o setor residencial respondeu por 22% do consumo final
de energia elétrica no ano de 2004 e este possui um potencial de conservação
energética de 32%, somente considerando refrigeração, condicionamento ambiental
(somente equipamentos), iluminação e aquecimento de água (MME; EPE, 2007).
Levando-se em conta que o isolamento térmico não entrou nos ganhos do condicionamento
ambiental e dado que com o aumento da renda, há um aumento de conforto (maior
aquisição de ar-condicionado), este potencial ainda pode ser muito maior.
Portanto, atualmente, o brasileiro tem a opção de “escolher”
residências ou edificações comerciais quem tenham dois tipos diferentes de
certificação. Esse fato é muito importante, tanto pelo lado informativo quanto
pela qualidade dos empreendimentos, mas pode trazer algumas complicações dado
que as certificações LEED e Procel não são necessariamente comparáveis e o LEED
segue uma vertente mais ampla, voltada mais para a sustentabilidade, enquanto o
Procel, praticamente, só valoriza as consequências do uso de energia (com um
maior foco para eletricidade). (ambienteenergia)
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