Arnaldo Carlos Müller, engenheiro florestal que chefiou ações de meio
ambiente na parte brasileira de Itaipu, fala das obras e suas consequências.
O engenheiro
florestal Arnaldo Carlos Müller tinha pouco mais de quatro anos de formado
quando recebeu, em 1975, o convite para chefiar as ações de meio ambiente na
parte brasileira de Itaipu. Em um mês e com equipe reduzida, elaborou um plano
básico para compensar os impactos do enchimento do reservatório e nos 15 anos
seguintes teve de lidar com a instabilidade política e econômica da empresa
para pôr em prática os projetos de atenuação dos impactos - a questão
ambiental, considerada supérflua na visão progressista do governo militar da
época, foi uma das menos privilegiadas no período de construção da usina.
Müller trabalhou de 1975 e 1995 em Itaipu.
Que espaço havia para a questão ambiental nos primeiros anos de Itaipu?
Eu trabalhava com
meio ambiente no governo em Brasília, em 1975, quando fui chamado para ser
assistente de diretoria em Itaipu. Tinha menos de cinco anos de formado e, em
alguns aspectos, era um trabalho para inglês ver, como se diz, em função da
pressão externa provocada pela Conferência de Estocolmo (1972) e a participação
dos financiadores internacionais. Naquele tempo nem se falava em meio ambiente
no Brasil, não havia preocupação. Falar em proteger o verde era uma espécie de
poesia para os militares. Nosso presidente da época (general Ernesto Geisel)
não era simpático à questão, então a preocupação maior era com o reservatório
em si e com o processo de desapropriação.
Como foi elaborado o planejamento contra os impactos das obras?
No primeiro mês de
trabalho vimos a necessidade de se fazer um plano básico de conservação para o
reservatório, com estudos e inventários da área de inundação. Foi elaborado em
cerca de um mês por mim e outros três colegas e serviu para dar um norte aos
trabalhos, sendo usado em toda a fase de preparação pela diretoria.
Há 30 anos, quais eram as exigências em relação a grandes hidrelétricas?
Não havia nenhuma
exigência legal de contrapartida na área de meio ambiente. A única lei que
havia naquela época era o Código Florestal, vigente desde1965, que exigia uma
área de proteção permanente (APP) de 100 metros em volta do reservatório. Havia
uma oposição muito forte do setor elétrico no caso de Itaipu, pois muitos
achavam que não havia necessidade de replantar aquela área toda, mas o diretor
jurídico da época, Paulo José Nogueira da Cunha, comprou a briga para fazer
valer a lei.
Como foram tomadas as decisões mais drásticas e polêmicas, como a
inundação de Sete Quedas?
Itaipu tinha quatro
projetos prévios de viabilidade: econômico, ambiental, hidrológico e geológico.
O de meio ambiente foi feito por Robert Goodland (conselheiro ambiental do
Banco Mundial por 23 anos) e concluiu que Sete Quedas não tinha grande
relevância turística. A prova apresentada é de que havia apenas dois hotéis
pequenos em Guaíra, com dez leitos cada um. Quando entrei, as decisões
principais já tinham sido tomadas.
Qual impacto sobre o ecossistema foi o mais difícil de ser evitado?
Naturalmente aflora
a questão de Sete Quedas. Sobre esse impacto, porém, havia muito pouco a fazer.
Fizemos coletas de plantas da área rupestre das rochas de Sete Quedas, mas foi
mais para registro. O salvamento foi tentado, mas com resultados pífios. Ao se
formar o reservatório, descobriu-se que nas fendas das rochas havia centenas de
morcegos muito pequenos, que escaparam da inundação e invadiram as casas de
Guaíra, causando um pânico que durou três dias entre os moradores. Esse foi um
impacto que não havíamos previsto.
Como foi realizado o trabalho na área que seria usada como reservatório?
Nossa equipe tinha
cinco ou seis pessoas. Procuramos analisar a área que seria desmatada e toda a
parte histórica que seria inundada. O diretor dizia que não tinha dinheiro para
grandes ações, então desenvolvemos um sistema de resgate de fauna chamado
mymba-kuera ("pega-bicho", em guarani), além dos refúgios biológicos.
De que forma foi feito este resgate?
Na medida em que o
reservatório foi enchendo, fomos resgatando o máximo que conseguimos entre Sete
Quedas de Guaíra e Itaipu. Tínhamos cinco bases, com cinco a sete barcos cada
uma, e recolhíamos o que estava ao alcance (oficialmente, foram mais de 36 mil
animais resgatados). Apenas de cobras venenosas eram cerca de 2,4 mil. Boa
parte foi enviada de caminhão ao Instituto Butantã.
Quando foi demarcada a área de proteção nas margens do lago?
Previamente, a APP
foi demarcada fotograficamente. Fizemos então uma demarcação viva, plantando
cinco árvores a cada cinco metros, em uma cortina de 1 milhão de mudas entre
Foz e Guaíra que passava por plantações de trigo e soja de sujeitos que seriam
desapropriados dali a dois ou três anos. Seis meses antes da inundação,
pintamos as árvores que demarcariam a recomposição. Alguns equívocos, no
entanto, foram cometidos.
Que tipos de equívocos?
Usamos uma árvore
chamada leucena, que cresce rapidamente, não pega fogo e tem capacidade de
disseminação muito grande, mas que virou uma praga na região nos anos
seguintes, pois interfere no crescimento de outras espécies e acaba dominando o
ecossistema. Ainda hoje, ela é combatida no oeste paranaense. Por outro lado,
se não tivéssemos plantado uma árvore tão resistente, talvez a faixa de
proteção não tivesse sido preservada por tanto tempo.
Quais trabalhos foram feitos após o enchimento do reservatório?
Com o lago formado,
alguns diretores disseram que Itaipu sairia da mídia e haveria menos
investimentos na área ambiental. Mas ainda havia muito a ser feito. Chamamos
três jovens pesquisadores da Universidade de Maringá para fazer o estudo de
ictiofauna do novo lago. Usando um recurso que seria impossível hoje,
aproveitamos a verba de um outro contrato durante três meses para pagá-los. O
trabalho deu origem ao Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e
Aquicultura (Nupelia), que acompanhou a evolução da fauna aquática local nas
décadas seguintes.
E como foi feito o reflorestamento?
Com baixo
orçamento, tínhamos de reflorestar toda a margem (2,9 mil quilômetros). Um
agricultor nos perguntou se poderia plantar árvores frutíferas. Fomos a campo
pra ver se outros também queriam e fizemos um acordo para fornecer áreas com
espaçamento de 2x8 metros, bem maior que os 2x2 a que eles estavam acostumados.
Foram autorizados a cultivar frutas como amora, goiaba e manga por três anos à
beira do lago, enquanto não houvesse sombra das árvores, desde que ajudassem a
reflorestar. Com isso, foram arranjando mudas e assim plantamos 12 milhões de
árvores entre 1982 e 1985, gastando basicamente apenas com transporte. Nesse
meio tempo, entrou o governo civil e os projetos passaram a crescer.
Por que você deixou a empresa?
No início dos anos
1990, com dificuldades financeiras, voltou a mentalidade de que Itaipu tinha
apenas de gerar energia e chegou a ordem de demitir boa parte do pessoal da
área ambiental. Pouco depois, eu saí. Naquela época, pensou-se em repassar o
refúgio biológico para as universidades locais, o que acabou não ocorrendo.
Como avalia todo o trabalho hoje?
Nas condições que
nós tínhamos, acho que fizemos o possível. Se for analisado hoje, temos mais
pesquisas e ações, mas o que estão fazendo são reajustes em relação ao que
fizemos. O refúgio, por exemplo, tinha instalações precárias, hoje vale a pena
visitar. Levo meus alunos lá todo ano, é gostoso de ver. Mas a ideia conceitual
foi bem fincada há três décadas.
Que ações foram fundamentais?
Além dos refúgios
biológicos, creio que o reflorestamento. Um dos efeitos paralelos é que quem
plantou se sente até hoje responsável, não permite que as matas ciliares sejam
desmatadas. Tínhamos só quatro pessoas na equipe, mas conseguimos mais de mil
fiscais "voluntários" e hoje são mais de 25 milhões de árvores plantadas
no lado brasileiro. / BRUNO DEIRO
Trabalhou de 1975 a
1995 em Itaipu e esteve à frente da equipe ambiental da margem brasileira da
usina por 16 anos. É autor do livro Hidrelétricas, Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Atualmente, presta consultoria na área de meio ambiente e dá
aulas de Engenharia Ambiental na PUC-PR. (OESP)
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