Em conferência
promovida pelo ICH, ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende discute
as possibilidades para o desenvolvimento da energia solar no país e a
centralidade da implementação de políticas públicas de incentivo na área
Um país tropical,
abençoado por Deus e rico em energia por natureza – e que, por isso mesmo,
deveria fazer mais para aproveitar um de seus mais preciosos recursos naturais:
a luz do Sol. Foi o que mostrou o físico da Universidade Federal de Pernambuco
e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, em conferência promovida
pelo Instituto Ciência Hoje durante a 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC). Ao derrubar mitos sobre a geração desse
tipo de energia, Rezende discutiu as possibilidades de exploração dessa fonte
no Brasil e destacou que o avanço da área passa pela adoção de políticas
públicas eficientes.
Embora a matriz
energética brasileira seja bastante diversificada, cerca de 80% de nossa
eletricidade é gerada em hidrelétricas. Na avaliação de Rezende, isso ajuda a
explicar o pouco investimento do país na pesquisa de novas fontes de energia.
Para se ter uma ideia, ocupamos apenas a 19ª colocação entre os maiores
produtores de conhecimento nessa área – são 350 artigos publicados em 2012
contra quase 7 mil da China e mais de 3 mil dos Estados Unidos. “Parece que,
por termos tantos recursos hidrelétricos, uma fonte de energia barata, não é
preciso investir pesado em alternativas”, avaliou.
É verdade que hoje
temos três grandes projetos hidrelétricos em implementação: Jirau, Santo
Antônio e Belo Monte – esta última se tornará a segunda maior hidrelétrica do
país quando finalizada, produzindo 11 gigawatts de energia por ano. No entanto,
Rezende argumentou que a demanda energética continuará crescendo e, depois
dessas hidrelétricas, quase não haverá mais opções para empreendimentos
semelhantes a custos baixos na Amazônia – e, em outras regiões, como o
Nordeste, o limite do potencial hidrelétrico já foi atingido.
Nesse contexto, uma
das fontes mais promissoras e que pode ganhar espaço na matriz brasileira é a
solar. Os números apresentados por Rezende impressionam: no total, a demanda
energética mundial é de 150 petawatts-hora (150 milhões de gigawatts-hora). E a
energia total que chega à Terra vinda do Sol, em forma de ondas
eletromagnéticas, é de 1,5 milhões de petawatts-hora – 10 mil vezes maior.
Mesmo que 30% desse total sejam refletidos pela atmosfera e 25% consumidos em
ciclos naturais (como o hidrológico, a fotossíntese e a geração de ventos,
ondas e marés), quase 50% são simplesmente convertidos em calor – um enorme
potencial ainda pouquíssimo explorado.
Explorando o inexplorado
Tecnologias para
utilizar essa energia, no entanto, já existem. Uma delas é o sistema de energia
solar por aquecimento, que pode ser usado, por exemplo, para aquecer água: ela
passa por canos no alto de uma construção aquecidos pelo Sol e por um conjunto
de espelhos que retém o calor, de modo similar ao que ocorre no efeito estufa.
Outra opção são as torres de energia solar, que utilizam um conjunto de
espelhos no solo para refletir a luz solar para um receptor no topo de uma
torre. Esse receptor produz gás, que movimenta uma turbina e gera energia.
Mas talvez a maior
esperança da geração de energia de base solar sejam as células fotovoltaicas.
Feitas de silício, elas transformam a radiação do Sol em corrente elétrica, que
pode ser armazenada em baterias para utilização em dias de tempo ruim e à
noite. Rezende derrubou alguns mitos sobre essa tecnologia: que seria muito
cara e pouco eficiente. “Os custos diretos são maiores, por exemplo, que os da
hidrelétrica, mas vêm caindo bastante”, afirmou. “Sobre a eficiência, quando o
primeiro painel solar foi criado, em 1975, tinha só 1% de eficiência, mas hoje
já se consegue 44% em pesquisas.”
Segundo o
ex-ministro, considerando a incidência solar e a eficiência de uma célula
fotoelétrica normal utilizada hoje (cerca de 14%), seria possível produzir o
equivalente a toda a energia gerada no Brasil cobrindo com painéis solares uma
área correspondente a apenas 2,5% da área total de Pernambuco, por exemplo.
A política da energia
Para Rezende, o maior
impeditivo para a energia solar é a falta de uma orientação política do
governo. “Não temos energia solar porque não queremos, falta decisão política;
muitos países europeus que não têm nossa irradiação solar incentivam os
moradores a instalar o equipamento, subsidiam sua instalação, dão descontos
pela economia”, ressaltou. “Por isso, o Brasil está apenas em 28º lugar na
produção de energia solar no mundo, com 27 megawatts produzidos, mil vezes
menos que a Alemanha, a primeira no ranking.”
O físico também
destacou a possibilidade de utilizar medidas para atrair o investimento privado
no setor, como foi feito com a energia eólica – que hoje conta com milhares de
turbinas instaladas pelo Nordeste. “O crescimento da exploração da energia
eólica aconteceu após o primeiro leilão desse tipo de energia realizado no
país, em 2009, que tornou o mercado mais interessante para a iniciativa
privada.”
Um importante passo
nesse sentido seria baratear a instalação dos painéis solares, por meio do
estímulo à produção nacional ou da criação de mais facilidades para a
importação. “Em geral, os equipamentos precisam ser comprados de países como
China, Japão, Alemanha e Estados Unidos, com altas taxas, que poderiam ser
abrandadas”, avaliou. “Ou, considerando que o Brasil é um dos maiores produtores
de silício do mundo, poderia haver um incentivo à produção nacional.” Ele
lembrou que o país já teve uma empresa do ramo, na década de 1970, que faliu
justamente pela falta de compradores e de incentivos públicos.
Sobre rodas elétricas
Rezende destacou
ainda uma mudança no horizonte: a introdução em maior escala dos carros
elétricos. Segundo o ex-ministro, apesar de ainda apresentarem algumas
limitações, como o tempo de abastecimento mais longo, esses veículos já são uma
realidade. “Eles têm muitas vantagens, como a eficiência de seus motores, que
chega a 96%, contra cerca de 20% dos motores tradicionais”, analisou. “E o
ideal é que sejam associados com fontes de energia ‘limpas’ como a solar;
poderíamos ter, por exemplo, estacionamentos cobertos por painéis solares, onde
o carro pudesse ser recarregado com a eletricidade produzida; seria um sistema
muito sustentável”, cogitou. (EcoDebate)
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