Poucos são os países
no mundo autossuficientes na produção de energia. O Japão importa praticamente
toda a energia que consome e até os Estados Unidos, com seu enorme território e
seus recursos naturais, importam metade do petróleo que consome.
A dependência de
importações implica envolvimento ativo em atividades comerciais, diplomáticas e
até militares. Isso é verdade para importações de alimentos, mas não há nada
mais essencial, nos dias de hoje, do que garantir um suprimento regular de
combustíveis e eletricidade, sem os quais uma civilização moderna não
sobrevive.
O Brasil tem, por
isso, posição privilegiada por ser ao mesmo tempo um grande produtor de
alimentos e de quase toda a energia que consome. Mais ainda, quase 50% dessa
energia é renovável e praticamente não contribui para a produção de poluentes,
seja em nível local ou em âmbito global. Isso se deve em parte ao fato de a
eletricidade ser produzida em grande parte em usinas hidrelétricas.
Já países como a
China, onde quase toda a eletricidade é produzida a partir do carvão, enfrentam
sérios problemas de poluição urbana, uma vez que a queima de carvão é
acompanhada de emissões de óxidos de enxofre e outros poluentes que estão
tornando intolerável a vida nos grandes centros urbanos. O governo chinês está
plenamente consciente da gravidade desses problemas para a saúde e tomou
medidas sérias para reduzir o uso de carvão, melhorando a eficiência com que
ele é utilizado. Um ganho adicional é a redução das emissões de gases como o
dióxido de carbono, responsável pelo aquecimento global e pelas mudanças
climáticas. Não há dúvida de que a China, hoje o maior país emissor mundial de
dióxido de carbono, vai reduzir suas emissões nos próximos anos.
Essa é uma nova realidade.
Desde o início do governo de Mao Tsé-tung, em 1948, a política seguida na China
era a da industrialização a qualquer custo, sem considerar os impactos
ambientais.
Já os Estados Unidos,
onde poluição urbana já vem sendo controlada há anos, têm revelado preocupações
crescentes com o aquecimento global, uma das prioridades do presidente Barack
Obama, apesar de o Senado americano não ter aprovado sua proposta de limitar as
emissões de carbono.
Sucede que, com o
apoio de decisões da Suprema Corte, a agência ambiental americana (equivalente
à Cetesb, em São Paulo) tem poderes de limitar o uso de carvão ou exigir que
seja usado com maior eficiência. Além disso, o uso crescente de gás de xisto,
que substitui o carvão e o petróleo, contribui para a redução das emissões.
Portanto, no panorama
mundial, os dois grandes países, que desde 1992 se opuseram a adotar medidas
sérias para reduzir emissões, mudaram suas políticas nessa área. Com isso, os
argumentos utilizados pelos diplomatas de vários países em desenvolvimento há
mais de 20 anos – os do Brasil incluídos -, e que sempre apoiaram a posição da
China, estão perdendo sua validade, se é que já a tiveram em alguma ocasião.
Esses argumentos eram
basicamente os seguintes:
Os responsáveis pelo
aquecimento global são os países ricos, que já estão emitindo há mais de cem
anos. Os países em desenvolvimento precisam desenvolver-se e, portanto, têm o
direito de emitir. Juridicamente, esse argumento é questionável, porque até a
adoção da Convenção do Clima, em 1992, emissões de carbono não eram
consideradas perigosas. Punição retroativa aos grandes emissores do passado é
difícil de aceitar.
As emissões por
habitante são muito maiores nos países ricos do que nos países em
desenvolvimento. Na realidade, as emissões da China por habitante são hoje tão
elevadas como as da Alemanha e as emissões acumuladas dos países em
desenvolvimento já representam quase metade de todas as emissões. Além disso,
para se desenvolver eles podem usar tecnologias modernas que não poluam como no
passado, baseando seu crescimento econômico em tecnologias “limpas”.
Na prática, com as
novas políticas dos Estados Unidos e da China estamo-nos encaminhando para um
acordo tácito com vista à redução das emissões. Uma consequência óbvia é que
esses dois grandes países provavelmente começarão a tomar medidas para impedir
que os poluidores nos países em desenvolvimento ponham por terra os seus
esforços, aumentando as suas emissões.
Uma dessas medidas
poderia ser a aplicação de uma taxa sobre carbono “embutido” nos produtos que
importam. Por exemplo, uma boneca produzida na Índia exige para sua produção
determinado consumo de energia elétrica que é produzida com carvão. Já a mesma
boneca produzida no Brasil terá um conteúdo menor de carbono, porque a
eletricidade é produzida em usinas hidrelétricas. Os países em desenvolvimento
que exportam para os Estados Unidos terão uma vantagem competitiva se sua
energia for produzida por fontes renováveis.
Com isso as
negociações sobre mudanças climáticas passam a um novo nível, que não é o
adotado até agora, em que estão envolvidos os 194 países-membros da Organização
das Nações Unidas, os quais precisam adotar acordos por consenso. Quando isso
foi feito no passado, na Conferência do Clima em 1992, no Rio de Janeiro, ou na
Rio+20, em 2012, as decisões tomadas foram vagas e não comprometeram realmente
os governos signatários a cumpri-las.
A Conferência do Rio
de 1992 ainda teve resultados positivos, por causa da adoção da Agenda 21, que
conscientizou toda uma geração de governantes e motivou muitos municípios e
Estados a se reorientarem na direção de um desenvolvimento sustentável. A
Rio+20 ficou apenas na retórica.
Agora, com as ações
concretas da China e dos Estados Unidos, temos uma nova oportunidade, que o
Brasil não deve perder.
*José Goldemberg
é professor emérito da Universidade de São Paulo e foi ministro do Meio
Ambiente durante a Conferência do Clima em 1992. (EcoDebate)
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