“O
automóvel individual permite ao menos a ilusão do controle do próprio destino”
Em
tempos modernos o atraso do pensamento individual é o progresso da
artificialidade da modernidade. Numa sociedade globalizada onde o
valor-mercadoria é o que define as relações sociais não é difícil se deparar
com pensamentos que nem devem ser classificados como uma atividade do pensar. A
ignorância toma forma de individuo e este toma forma de coisa, coisa é a
mercadoria que ocupa o lugar do indivíduo e ganha vida no seu valor de mercado.
Há
pinturas cercadas por molduras que valem mais do que a própria arte. Nós, a
arte, ganhamos valor sendo emoldurados por um belo automóvel, tornando o
cotidiano cinzento e escuro com suas cores padrões. Mas a juventude continua
com sua insistente “rebeldia” passeando com seus motorizados vermelhos. Tão
mais insistente é o mercado que derrama seus produtos a serem consumidos por
consumidores que por sua vez são consumidos por juros. Possivelmente a função
atual do porta-luvas nos automóveis é de carregar as intermináveis folhas
destacáveis de um carnê representando o “progresso pessoal” sendo obtido em suaves
dezenas de prestações.
Devagar,
quase parando, é nesse ritmo que os especialistas no “transito intransitável”
de São Paulo agem para que a cidade não se transforme em um “estacionamento
compulsório”. A capital que insiste no título de “locomotiva do Brasil”
encontra na punição automotiva a solução para tentar voltar “aos trilhos”. Com
os impostos mais caros da federação a gana pela arrecadação transforma o caos
em lucro, a ausência de politica para o transporte público alimenta a
iniciativa individual estimulando a compra de um automóvel a ser utilizado
diariamente, o aumento da frota particular é acompanhado pela penalidade, o
“rodízio” estipulado em “horários de pico” apenas criou a concepção do segundo
carro na garagem. Com os financiamentos automotivos a perder de vista
rapidamente essa medida se tornou obsoleta, e o rodízio apenas existe na
garagem dos proprietários de dois ou mais automóveis.
Agora
os especialistas no trânsito – desde que foram concebidos o trânsito de São
Paulo só piorou – já falam em voz alta como se fossem “gênios da lâmpada ou do
engarrafamento” que a solução está no pedágio urbano, mais uma medida punitiva
que vem graças a ineficácia de órgãos públicos, um custo que será dividido
entre os cidadãos urbanos portadores de meios de condução, nada mais
democrático, não é? O caos e o lucro se unem na cabine com cancela.
O
País que buscou sua industrialização no desenvolvimento da indústria automotiva
já pode se orgulhar de ter um “trânsito de primeiro mundo”, para quem enfrenta
diariamente os congestionamentos a situação é de atraso na organização urbana,
mas pode ser um sinal de “progresso acelerado” para quem tem vantagens
econômicas com a situação e assiste tudo de helicóptero. Na década de setenta,
Ivan Illich sustentou que “quanto maior a velocidade dos automóveis, menos
sairiam do lugar”, se estivesse vivo poderíamos nomeá-lo como o “verdadeiro
especialista do trânsito”. (ecodebate)
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