Primeiro foram as preocupações ambientais. Agora, a
sociedade quer saber os efeitos que os combustíveis apresentam sobre a saúde
humana e de outros animais, domésticos ou silvestres. Diversos estudos recentes
buscam estabelecer eventuais efeitos tóxicos do petrodiesel e de seu sucedâneo
renovável, o biodiesel. Atualmente, está pacificamente estabelecido que o
biodiesel é menos poluente do que o diesel de petróleo, especialmente por
emitir menor quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera.
Entretanto, este fato não o livra do exame acurado
de cientistas, que buscam identificar a toxicidade de combustíveis fósseis ou
renováveis sobre espécies animais – incluindo o Homem. Selecionamos dois
estudos recentes, envolvendo toxicidade de petrodiesel e biodiesel, sobre
populações humanas e sobre peixes, para ilustrar o tema. O primeiro, produzido
no Brasil, estuda o impacto de petrodiesel e biodiesel sobre peixes. O segundo,
realizado nos Estados Unidos, investiga a relação entre as exaustões da combustão
de petrodiesel e câncer de pulmão.
Toxicidade sobre peixes
O biodiesel, apesar de renovável e menos poluente,
também pode causar impactos na biota marinha, dependendo da espécie atingida.
Isso porque sua formulação possui elementos naturais que poderiam facilitar a
absorção de substâncias tóxicas pelos animais. Esta é a conclusão da pesquisa
da equipe do professor Eduardo Alves de Almeida no Departamento de Química e
Ciências Ambientais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São José do
Rio Preto (SP).
A pesquisa teve como objetivo a análise comparativa
das respostas bioquímicas entre as espécies Oreochromis niloticus
(tilápia-do-nilo) e Pterygoplichthys anisitsi (cascudo marrom), após exposição
controlada ao diesel de petróleo e ao biodiesel de sebo animal. A tilápia foi
selecionada pelos cientistas por ser um modelo em toxicologia e possui hábito
nectônico, ou seja, por nadar na coluna d’água ela tem acesso a todos os
compartimentos do ambiente aquático. Portanto, caso o curso d’água seja contaminado,
em qualquer altura, a tilápia estará exposta ao contaminante.
De sua parte, o cascudo, espécie endêmica da
América Latina, é bentônico, ou seja, passa a maior parte do tempo no fundo do
ambiente aquático, o que lhe permite maior contato com substâncias
contaminantes presentes nos sedimentos.
Um dos objetivos do estudo foi observar se, pelo
hábito dos peixes, as respostas à exposição aos combustíveis testados seriam
diferentes. Além das duas diferentes espécies de peixes, os estudos envolveram
duas durações de exposição (dois e sete dias), duas formulações de combustível
(misturas de petrodiesel e biodiesel, B5 e B20), comparadas com petrodiesel e
biodiesel puros (B100). Tanto as misturas, quanto o petrodiesel e o B100, foram
testados em duas doses, a 0,01% e 0,05% de diluição em água.
Nas suas conclusões, a equipe refere que o B20, nas
condições testadas, apresentou menos efeitos adversos do que o diesel de
petróleo e que o B5, o que pode indicar uma alternativa de combustível menos
danoso do que o diesel, pois, aumentando a concentração do biodiesel, diminui a
toxicidade do produto.
Entretanto, mesmo o biodiesel puro pode ativar
respostas biomecânicas em peixes, indicando que esse combustível também pode
representar um risco para os peixes testados. Embora o efeito não seja direto,
substâncias presentes do biodiesel facilitariam a ação de substâncias tóxicas,
como aquelas presentes no petrodiesel. Esta afirmativa decorre da observação de
que, quando misturados ao biodiesel, alguns metabólitos tóxicos do petrodiesel
foram encontrados em concentrações levemente maiores na bile das tilápias do
que nas análises dos animais expostos ao diesel de petróleo puro.
O estudo apontou que o biodiesel não está
totalmente isento de toxicidade. Segundo os resultados obtidos pela equipe de
pesquisa, ele pode ocasionar, de forma mais agressiva que o diesel de petróleo,
a oxidação nas membranas celulares das brânquias dos peixes. A explicação mais
provável é que substâncias presentes no biodiesel, especialmente os derivados
de ácidos graxos, são facilmente absorvidos pelos peixes. Esta ação, de certa
forma, auxilia na absorção pelos peixes de mais substâncias tóxicas do
petrodiesel presentes na mistura que, na ausência do biodiesel como
“facilitador”, eram mais difíceis de serem absorvidas.
A equipe do professor Eduardo Alves de Almeida
prossegue na investigação dos efeitos tóxicos do petrodiesel e biodiesel sobre
a biota marinha, buscando entender toda a extensão dos impactos de eventuais
contaminações de cursos de água por combustíveis.
Diesel e o câncer
Segundo os autores, a maioria dos estudos sobre a
associação entre a exposição a gases de escapamento da combustão de petrodiesel
e a ocorrência de câncer de pulmão sugere um modesto, porém consistente,
aumento do risco. No entanto, os autores afirmam que nenhum estudo até a data
da publicação de seu artigo havia apresentado dados quantitativos sobre
histórico da exposição ao diesel, que fossem adequados para avaliar a relação
entre a exposição ao combustível e o desenvolvimento de câncer de pulmão.
Devido a razões éticas e morais, estudos desta
ordem não são realizados diretamente com seres humanos, como ocorre com
experimentos em que as cobaias são animais. Para tanto, são realizados estudos
de caso, utilizando metodologia de analise epidemiológica.
Assim, a equipe de pesquisa acompanhou 12.315
trabalhadores em oito instalações de mineração, que envolviam produtos
não-metálicos e que estavam expostos aos gases de exaustão da queima de
petrodiesel. Nesta população foram observadas 198 mortes por câncer de pulmão.
Os pesquisadores selecionaram 562 indivíduos para acompanhamento detalhado,
levando em consideração a proporção dos parâmetros populacionais como sexo,
raça / etnia e ano de nascimento (grupados em períodos de 5 anos).
Para este grupo de indivíduos foi estimada a
exposição às exaustões da queima de petrodiesel, representada por um índice
denominado carbono elementar respirável (REC, na sigla em inglês), uma boa
medida da quantidade de gases de exaustão respirados pelos trabalhadores
expostos. O índice foi estimado para cada ano de trabalho e para cada
indivíduo, com base em uma avaliação ampla da exposição retrospectiva em cada
unidade de mineração. Para evitar interferência de outros fatores de risco de
câncer de pulmão, os cientistas efetuaram análises de regressão para eliminar a
interferência do consumo de cigarros e de outros potenciais fatores
interferentes, por exemplo, a história do emprego em ocupações de alto risco
para câncer de pulmão e um histórico de doença respiratória.
Os resultados da pesquisa mostraram diferenças
estatisticamente significativas para as tendências de aumento no risco de
câncer de pulmão com o aumento cumulativo da REC, assim como com a intensidade
média do REC. A análise do REC acumulado ao longo de 15 anos, mostrou um
gradiente positivo de aumento do risco de câncer de pulmão, que foi
estatisticamente significativo. Entre os trabalhadores muito expostos (ou seja,
acima da média do quartil superior 1005 mg/m3), o risco foi cerca de
três vezes maior do que entre os trabalhadores no quartil mais baixo de
exposição. Os cientistas observaram uma interação entre o tabagismo e a
exposição aos gases de exaustão, elevando o risco de câncer no pulmão.
A conclusão da equipe que investigou o tema é de
que seus resultados fornecem novas evidências de que a exposição aos gases de
exaustão do petrodiesel pode causar câncer de pulmão em seres humanos e
representam um sério problema de saúde pública. Esta temática já havia sido
apontada pelo professor Paulo Saldiva, na Conferencia BiodieselBR 2012 (Quanto
vale uma vida – A influência do biodiesel) e deve ser encarada com muita
seriedade pelas autoridades governamentais, em especial integrando a temática
da saúde pública com as questões energéticas, econômicas e ambientais, na
decisão da formulação de políticas públicas na área de combustíveis e
biocombustíveis. (biodieselbr)
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