Desperdício, falhas de planejamento e ausência de
integração ameaçam os recursos hídricos do país.
Em audiência pública da Comissão de
Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA),
pesquisadores e representantes de organizações não governamentais apontaram
falhas na elaboração, execução e acompanhamento das metas do Plano Nacional de
Recursos Hídricos, um dos instrumentos que orienta a gestão e uso das águas no
Brasil.
A avaliação levou em conta a atual
crise no abastecimento e a perspectiva de aumentar a necessidade de água para
consumo humano, agricultura e geração de energia nos próximos anos.
O Plano Nacional de Recursos Hídricos
faz parte da Política Nacional de Recursos Hídricos, criada há 20 anos pela
chamada Lei das Águas (Lei 9.433/1997). Existem ainda planos regionais, por
bacias, a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA), e planos estaduais.
Entre outras medidas, a lei estabelece
que a gestão dos recursos hídricos no país tem que ser realizada por meio de
planos nacionais periódicos, de forma descentralizada e participativa. Ou seja,
tem que envolver o governo federal, estados, municípios, usuários e
representantes da sociedade.
Só que isso não tem acontecido, de
acordo com o pesquisador Lineu Neiva Rodrigues, do Núcleo de Articulação
Internacional da Embrapa Cerrados. “Os diversos planos de recursos hídricos, em
nível nacional, estadual, local e de bacia, são mal coordenados e não chegam a
ser colocados em prática. Existe um isolamento setorial dos ministérios e de
órgãos públicos, o que dificulta ainda mais a coerência política dos setores de
recursos hídricos, agricultura e energia. As políticas têm que conversar mais,
(é preciso) ter uma maior integração”, disse.
Representantes da sociedade nas discussões sobre
definição de prioridades e implementação das metas de uso e proteção das águas
reclamam ainda que não são ouvidos.
João Clímaco de Mendonça Filho,
representante das organizações não governamentais no Conselho Nacional de
Recursos Hídricos, o órgão encarregado de aprovar o Plano Nacional de Recursos
Hídricos, aponta que as sugestões da sociedade não são levadas em conta,
principalmente nos estados.
Mudanças
climáticas
Segundo ele, os planos deixam de ter
eficiência, ainda, por não levarem em conta fenômenos como as mudanças
climáticas, responsáveis pela crise de abastecimento de água na região Sudeste
e pela seca no Nordeste. “Nós não estamos conseguindo fazer com que os planos
sejam instrumentos eficientes de uma política pública. A questão das mudanças
climáticas é um componente novo que não está sendo bem absorvido e respeitado
nos planos”, disse.
João Clímaco dá como exemplo o que
acontece na bacia do rio Tocantins, especialmente no Maranhão, onde o Conselho
Estadual de Recursos Hídricos, fundamental para a implantação do plano de uso
da água, não funciona. Segundo ele, o plano de uso de águas do rio Tocantins
apresenta falhas e dados incorretos e não representa a realidade da bacia.
Representante do Maranhão na Câmara, o
deputado Deoclides Macedo (PDT), descreve como grave a vazão do rio Tocantins
no trecho localizado entre as hidrelétricas de Serra da Mesa, em Goiás, e de
Estreito, no Maranhão.
A situação, segundo ele, é crítica na
segunda maior cidade maranhense, Imperatriz, que corre o risco de ficar sem
água. “A cidade de Imperatriz deve sofrer a maior crise de abastecimento de
água da sua história. Eu nunca vi uma situação como aquela, de notícias de
pessoas estarem atravessando o rio Tocantins a pé e a nado”, disse.
A deputada Raquel Muniz (PSD-MG)
apontou riscos de desabastecimento também no norte de Minas Gerais. “Falam
muito da seca do Nordeste, mas o norte de Minas também sofre com isso e precisa
de uma atenção especial”, disse.
O Plano Nacional de Recursos Hídricos é renovado
de quatro em quatro anos. O que está em vigor foi atualizado no ano passado e
tem 16 prioridades. Entre elas estão a integração da política de recursos
hídricos com as demais políticas, como a ambiental, saneamento, irrigação,
energia e turismo. Também estabelece critérios para o reuso e o uso sustentável
da água.
Desperdício
Além da crise de abastecimento e da redução dos cursos de água, a qualidade da
água das bacias e o desperdício da água tratada nas redes estaduais de
abastecimento também foram abordados na audiência pública.
Wilson de Azevedo Filho, representante
dos praticantes de pesca esportiva e usuários de águas para lazer e turismo na
Câmara Técnica do Plano Nacional de Recursos Hídricos – o órgão técnico que
ajuda a elaborar a política nacional, com representantes de vários órgãos e
segmentos envolvidos –, considera a qualidade da água fundamental. “É muito
importante para nosso setor e, para isso, é fundamental uma maior interlocução
com os municípios”, disse.
Ubiratan Pereira da Silva,
secretário-executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de
Saneamento Básico (AESBE), considera o reuso uma das medidas mais importantes a
serem disseminadas. “Reutilizar a água é importante para as pessoas, para as
empresas e para o governo. Numa empresa, a água usada para processos
industriais pode ser tratada na própria empresa e ser reutilizada. Numa
residência, a água de banho pode ser usada para dar descarga. E a água da rede
de esgoto pode ser tratada e usada para irrigar jardins”, disse.
Silva admitiu que as empresas de
saneamento, responsáveis pelo tratamento e distribuição da água, apresentam uma
média de desperdício de 36% de todo o volume, o que compreende vazamentos e
captações irregulares. “Mas existem lugares, principalmente na região Norte, em
que o desperdício chega a 70%”, disse.
A representante do Ministério do Meio
Ambiente na audiência, Adriana Lustosa, da Secretaria de Recursos Hídricos e
Qualidade Ambiental, admitiu que houve falhas na implementação dos planos entre
2006 e 2015. As falhas foram identificadas por uma consultoria independente
contratada especialmente para fazer essa avaliação.
Um dos resultados da análise foi a
identificação de baixos índices de cumprimento das ações e programas previstos
no plano. “A análise realizada apontou como um dos grandes motivos a ausência
de um planejamento e estratégia para o cumprimento das ações e dificuldades
para o estabelecimento e respectivo acompanhamento de responsabilidades”,
disse.
São
Francisco
O presidente da Comissão de Integração
Nacional, deputado Valadares Filho (PSB-SE), anunciou que vai promover um
debate sobre a crise hídrica na cidade sergipana de Propriá. A cidade fica à
margem do rio São Francisco, ameaçado pela falta de água e assoreamento. “Se
falou muito da transposição e se esqueceu da revitalização do rio”, disse.
João Clímaco de Mendonça Filho, representante
das organizações não governamentais, aponta como um dos fatores para a crise no
rio a falta de integração entre os diversos segmentos que usam a água, como a
agricultura e a geração de energia. “O setor elétrico manda no rio e os demais
segmentos ficam prejudicados”, disse. (ecodebate)
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