O aproveitamento de recursos hídricos para geração
de eletricidade no Brasil iniciou-se no final do séc. XIX, quando foi
inaugurada a primeira usina hidrelétrica do país, com potência de 250 kW. Desde
então, a nossa capacidade de geração multiplicou-se 400.000 vezes, atingindo o
patamar de 100 GW em 2016. Esta marca nos coloca no terceiro lugar do ranking
de nações com maior capacidade de produção hidrelétrica.
Apesar do longo histórico de utilização de recursos
hídricos para a geração de eletricidade, o país ainda conta com um
significativo potencial hidráulico não aproveitado, superior a todo o parque de
hidrelétricas em operação atualmente. A implantação de novas usinas, no
entanto, tem provocado reações negativas de setores da sociedade. O escrutínio
sob o qual estes projetos se encontram se intensifica à medida em que os rios
amazônicos têm sido utilizados para a geração de eletricidade.
O legítimo e desejável zelo para com o impacto de
hidrelétricas sobre a dimensão socioambiental precisa ter como base informações
precisas e estar livre de discursos dogmáticos que podem embutir interesses
pouco transparentes. Infelizmente, não é isso o que muitas vezes ocorre no
Brasil. Como consequência, observa-se aumento da insegurança jurídica e
institucional do processo de implementação de hidrelétricas, o que significa
maior risco e, em função disto, aumento de custos de projetos importantes para
garantir a oferta de eletricidade no futuro. O principal prejudicado no meio
desse ruído é o consumidor, que passa a arcar com tarifas de eletricidade mais
altas.
O legítimo e desejável zelo para com o impacto das
hidrelétricas deve estar livre de discursos dogmáticos
Com o intuito de contribuir para a qualificação da
discussão sobre os desafios socioambientais envolvidos na geração hidrelétrica
no país, o Instituto Acende Brasil desenvolveu, no âmbito do Programa de
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), o projeto “Análise socioeconômica e ambiental da implantação de usinas
hidrelétricas”.
Focado em municípios que tiveram o seu território
abrangido por reservatórios de hidrelétricas, o estudo analisou por meio de
técnicas econométricas o comportamento de 26 indicadores pertencentes a cinco
eixos temáticos (Atividade Econômica, Saúde e Segurança Pública, Educação,
Finanças Públicas e Meio Ambiente) durante as etapas de planejamento,
construção e operação de hidrelétricas. Um banco de dados com mais de 2 milhões
de registros foi construído para avaliar 168 usinas distribuídas por todo o
território brasileiro. Uma equipe multidisciplinar de físicos, biólogos,
economistas, engenheiros e gestores ambientais se debruçaram sobre o tema
durante 30 meses.
A
síntese dos resultados indica, de forma geral e resumida, que hidrelétricas não
produzem efeitos exacerbados ou marcantes, sejam eles positivos ou negativos,
sobre aspectos socioeconômicos dos municípios em que elas são construídas.
Do ponto de vista econômico, o número de empregos e
o salário nos municípios que recebem hidrelétricas são impactados positivamente
durante a construção (aumento de 20% e 10%, respectivamente, quando comparados
a municípios que não receberam hidrelétricas). Durante a operação, a mesma
relação positiva com o salário médio é observada.
Em relação às finanças públicas, foram avaliadas a
arrecadação de dois impostos (ISS e IPTU) e a receita orçamentária municipal.
Nesta dimensão destacou-se o incremento, da ordem de 60%, da arrecadação de ISS
ao longo da construção das hidrelétricas. Tal aumento, no entanto, não provoca
modificações significativas na receita orçamentária dos municípios.
Apesar de as análises referentes à “Saúde e
Segurança Pública” abrangerem temas variados (incluindo doenças de veiculação
hídrica e sexualmente transmissíveis, malária, mortalidade infantil, entre
outros), apenas a fecundidade possui correlação com a implantação de
hidrelétricas. Nas três etapas analisadas, municípios com usinas apresentam
queda no valor deste indicador da ordem de 5%. Estudos aprofundados sobre este
tema -em fase de planejamento pelo Instituto Acende Brasil – poderão elucidar
essa correlação.
O estudo dos indicadores de educação revelou que,
durante a construção e operação, a rede pública experimenta redução do número
de matrículas no ensino fundamental de cerca de 15% em cada etapa. Relação
semelhante não é observada na rede particular ou no ensino médio. As hipóteses
explicativas para este efeito também serão tratadas futuramente.
Por fim, nenhum dos dois indicadores ambientais
avaliados – referentes a desmatamento e cobertura vegetal – apresenta
comportamento diferenciado. Neste caso, o resultado sugere que a relação entre
a implementação de hidrelétricas e o desmatamento responde a uma dinâmica mais
complexa que aquela comumente divulgada. No entanto, os indicadores estudados
se limitam a municípios da região Norte, o que restringiu a abrangência das
análises.
A avaliação da sustentabilidade de hidrelétricas é
complexa e requer a observação de um amplo conjunto de fatores que extrapola o
conteúdo do projeto. Impactos como a perda de biodiversidade e interferências
nos modos de vida de populações tradicionais e na atividade pesqueira, entre
outros, carecem de indicadores municipais e, portanto, não puderam ser
avaliados.
Apesar
disto, o estudo constitui um importante passo na consolidação de informações
quantitativas que poderão orientar o processo decisório sobre a construção de
novas hidrelétricas. Os benefícios dessa iniciativa se revertem para todo o
país, que passará a contar com técnicas objetivas de avaliação do desempenho de
suas usinas. Espera-se, assim, elevar o patamar do debate acerca do impacto de
hidrelétricas e contribuir para a formulação de políticas públicas que
compatibilizem segurança energética e o desenvolvimento sustentável no Brasil.
(energia)
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