A Rússia quer participar do Programa Nuclear Brasileiro e faz campanha
pelo avanço desse tipo de geração no mundo.
Mas algumas questões precisam ser respondidas: o País realmente precisa
de mais energia atômica e vale a pena aceitar o risco.
A usina de Novovoronezh foi a primeira a receber a
nova geração de reatores russos.
“Você pode tirar fotos de tudo, menos dos muros,
das portas e das câmeras”, afirma o guia que acompanha um grupo de jornalistas
pelas instalações da usina nuclear de Novovoronezh, a mais potente da Rússia,
vista como um orgulho nacional. A preocupação com a segurança física do
empreendimento é tão grande quanto o receio de roubos de propriedade
intelectual. Para entrar no complexo, localizado a pouco mais de 560
quilômetros de Moscou, é necessário uma autorização especial e apresentar o
passaporte – exigência feita, inclusive, para cidadãos russos. A checagem de
documentos acontece em três etapas.
Uma fila indiana, previamente ordenada, é
organizada em frente a um oficial militar. Os visitantes são aconselhados a não
inverterem a ordem, para acelerar o processo. O nome de cada um é confrontado
com uma lista anteriormente estruturada. Após essa primeira verificação, o
convidado é direcionado a uma gaiola de vidro blindado, onde deve entregar
novamente o passaporte, por meio de uma gaveta de metal. A terceira fase da
checagem diz respeito aos equipamentos eletrônicos. Cerca de um mês antes, a
reportagem de DINHEIRO enviou os números de série e os modelos de câmeras e
gravadores que seriam utilizados na visita. Somente esses equipamentos podem
entrar. Telefones celulares são proibidos.
A
preocupação com a segurança se justifica. Novovoronezh, cidade criada
exclusivamente para receber o parque nuclear, concentra seis usinas, incluindo
a recém-instalada NvNPP-2, considerada o estado da arte da tecnologia nuclear
russa. Trata-se da primeira a receber o reator VVER-1200, o mais potente já
desenvolvido no país, que conta com uma grande inovação, um tipo de
refrigeração a água que, teoricamente, traz mais segurança e estabilidade. Uma
segunda unidade idêntica à NvNPP-2 está sendo construída, o que deve dobrar a
capacidade de produção do complexo para 26 bilhões de kWh.
Energia perigosa: O governo de Vladmir Putin espera participar da construção de Angra 3.
Energia perigosa: O governo de Vladmir Putin espera participar da construção de Angra 3.
É o suficiente para fornecer eletricidade e
aquecimento para 2,3 milhões de pessoas e 20 grandes indústrias na região.
Parece bastante, mas, a título de comparação, a usina de Itaipu, segunda maior
hidrelétrica do mundo, gerou, no ano passado, mais de 100 bilhões de kWh – a um
custo de construção pelo menos três vezes maior, é verdade. Equiparações à
parte, essa nova tecnologia de geração nuclear é a grande estrela do portfólio
da Rosatom, estatal russa responsável por Novovoronezh. Com ela, o governo de
Vladmir Putin pretende espalhar pelo mundo suas usinas nucleares, tendo o
Brasil e a América Latina como alvos potenciais.
Ao final de 2016, a Rosatom contabilizava pedidos
estrangeiros, ou seja, acordos feitos com governos de outros países, que
ultrapassavam a soma de US$ 133 bilhões. A maior parte se refere à exportação
de reatores. “Até 2030, 60% da nossa receita virá de fora da Rússia”, afirma
Kirill Komarov, responsável pelo desenvolvimento de negócios internacionais da
Rosatom e cujo cargo se traduz em diretor principal adjunto (first deputy CEO).
Hoje, é menos de 30%. “Há muitas coisas boas acontecendo na América Latina,
como na Argentina, no Brasil e na Bolívia.”
Negócios latinos: Kirill Komarov, da Rosatom, quer usar o Brasil como plataforma para crescer na América Latina.
Negócios latinos: Kirill Komarov, da Rosatom, quer usar o Brasil como plataforma para crescer na América Latina.
Em junho, na mesma semana em que o presidente
Michel Temer visitou a Rússia, Moscou sediou a conferência Atomexpo, que reúne
anualmente empresas de energia nuclear. Durante o evento, os russos celebraram
alianças com diversos países, principalmente da África e do Leste Europeu, mas
também com a Bolívia. Havia a expectativa de que o governo brasileiro assinasse
um memorando de entendimento com a Rosatom. Porém, representantes do Ministério
de Minas e Energia (MME) e da Eletrobras, que eram esperados para a
conferência, não apareceram. Procurada, a Eletrobras não quis se manifestar. O
MME não respondeu as perguntas enviadas.
Os planos, no entanto, permanecem de pé.
Questionada sobre essa negociação, a Eletronuclear, estatal responsável pela
operação das usinas brasileiras, afirmou que “vem estabelecendo contatos
permanentes com grandes empresas do setor nuclear internacional.” A pauta é
dominada pelas obras da usina de Angra 3, cuja construção está parada desde que
a Lava Jato revelou uma série de escândalos de corrupção envolvendo o projeto –
o ex-presidente da Eletronuclear, o almirante Othon Silva, foi condenado a 43
anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de
divisas e organização criminosa.
A Eletronuclear confirmou que há, de fato, um
memorando sendo negociado entre russos e brasileiros, nos mesmos moldes do que
foi assinado com a China National Nuclear Corporation (CNNC). Existe a
possibilidade de aporte estrangeiro na obra. Os russos esperam, agora, que o
documento seja assinado em setembro. A estratégia da Rosatom é usar o Brasil
como plataforma para fortalecer seus negócios na América Latina. A concorrência
com os chineses, que avançam na região, notadamente na Argentina, está se
acirrando. Abrir novas frentes de negócios se tornou importante.
Para
atingir seu objetivo, a empresa terá de convencer seus potenciais clientes de
duas coisas: primeiro, de que a geração nuclear compensa financeiramente; e,
segundo, de que não haverá nenhuma catástrofe no caminho. Na visita feita por
DINHEIRO a Novovoronezh, a equipe da empresa fez questão de mostrar em detalhes
a tecnologia de controle dos reatores, enquanto agentes de segurança
verificavam atentamente a em qual direção apontavam as câmeras, para ter
certeza de que nenhuma porta ou janela fosse retratada, uma questão de defesa
nacional. Na sala de comando, cinco ou seis pessoas acompanhavam os parâmetros
de operação. Mas o responsável pelo local explicava que, na verdade, é tudo
automático.
A todo vapor: Desde que entrou em operação, em agosto de 2016, o novo reator russo VVER-1200 não apresentou anormalidades em sua operação.
A todo vapor: Desde que entrou em operação, em agosto de 2016, o novo reator russo VVER-1200 não apresentou anormalidades em sua operação.
Ao menor sinal de anormalidade, os sistemas de
inteligência artificial da usina se encarregam de corrigir o problema. A
capacidade de intervenção humana é limitada. Mesmo se quiser, o técnico tem
pouca possibilidade de provocar um desastre. Desde que entrou em operação, em
agosto, o VVER-1200 não apresentou anomalias. O risco de desastre é o grande
calcanhar de aquiles da energia nuclear. Não é por menos. Os dois maiores
acidentes da história geraram um rastro de destruição. A explosão do reator 4
da usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, deixou 25 mil mortos e contaminou
três quartos da Europa. Em 2011, após um terremoto e um tsunami, a usina de
Fukushima, no Japão, apresentou vazamento, causando a evacuação de 300 mil
pessoas e 1,6 mil mortes. Os locais continuam isolados e são constantemente
monitorados.
Acreditando-se
na segurança do sistema, resta a questão financeira. O investimento para construir uma usina de
nova geração, segundo estimativas de mercado, é de US$ 5 bilhões.
Ao final de 2015, a Rosatom calculava o custo de geração por MWh dos reatores
VVER entre US$ 50 e US$ 60. A comparação mais adequada a se fazer, nesse ponto,
é com as energias renováveis. Em 2016, o preço médio por MWh gerado foi de US$
101 para a energia fotovoltaica e US$ 68 para a eólica, segundo relatórios
produzido pela universidade alemã Frankfurt School of Finance & Management.
Em Itaipu, o custo é de cerca de US$ 40 por MWh. É preciso ressaltar que o
preço da energia renovável vem caindo a uma taxa próxima de 20% ao ano. No
Chile e na China, foram realizados leilões de renováveis com o valor do MWh a US$
30. Há outro ponto a favor da nuclear, segundo seus patronos: ela não é
intermitente.
Risco muito alto: para Plínio Nastari, do Conselho Nacional de Política Energética, o Brasil tem opções melhores do que a nuclear.
Risco muito alto: para Plínio Nastari, do Conselho Nacional de Política Energética, o Brasil tem opções melhores do que a nuclear.
Esse é o ponto crítico para os defensores do
aumento da participação nuclear na matriz energética brasileira. “O Brasil
precisa de energia de base, não dá para confiar apenas nas renováveis”, afirma
Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de
Atividades Nucleares (Abdan). Cunha defende a expansão do setor atômico no
País, com a construção de seis novas usinas. Para Carlos Henrique S. Seixas,
diretor administrativo da Nuclep, fabricante estatal de equipamentos pesados,
há outro motivo para fortalecer o setor: “Nós temos uma indústria nuclear
estabelecida no Brasil, construída durante o governo militar”, afirma Seixas,
que é contra-almirante da reserva da Marinha Brasileira. A Nuclep é um exemplo
disso.
Especializada em grandes projetos industriais, a
companhia se dedica, atualmente, a fornecer os cascos para o submarino nuclear
brasileiro, projeto que está sendo tocado pela Marinha. “Temos máquinas de
grande porte que existem em pouquíssimos lugares no mundo”, diz ele. Apesar dos
apelos do setor, aumentar a participação da energia atômica na matriz nacional
não é o caminho que está sendo discutido no Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE), de acordo com Plínio Nastari, presidente da consultoria
Datagro e membro do CNPE. “Caminhamos na direção do aumento das renováveis”,
diz Nastari. “É preciso levar em conta não só o custo de geração, mas também o
da entrega dessa energia.”
Nesse ponto, a eólica e a solar, pela possibilidade
de geração próxima ao local de consumo, modelo chamado pelo setor energético de
“geração distribuída”, levam vantagem. “Não adianta eu gerar uma energia
barata, se eu tenho de gastar muito para transportá-la”, afirma Nastari, que é
contra o desenvolvimento do setor nuclear. “O Brasil tem outras opções livres
do risco da energia nuclear.” Se o governo brasileiro pensa ou não em aumentar
o papel da nuclear no País, só será conhecido com o lançamento do Plano
Nacional de Energia 2050. Isso era para ter acontecido em 2014. Ainda não há
previsão. Enquanto isso, a Eletronuclear aguarda uma aprovação do CNPE para
retomar as obras de Angra 3.
No ano passado, Angra 1 e Angra 2 geraram um total
de 16 bilhões de kWh, o equivalente a um terço do consumo do Estado do Rio de
Janeiro e a 3% da eletricidade do País. Até hoje, o Brasil passou longe de um
acidente como os de Chernobyl, na Ucrânia, e o de Fukushima, no Japão. Mas, se
tem uma coisa que os russos demonstram em se tratando de energia atômica, é que
não dá para brincar com a questão da segurança. No fundo, acima de toda lógica
financeira desse tipo de energia, há uma pergunta que precisa pautar a
discussão: vale a pena aceitar esse risco?
(istoedinheiro)
(istoedinheiro)
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