Floresta amazônica, resiliência ou colapso? Pesquisa investiga o ecossistema frente à oferta extra de gás carbônico.
Nos anos iniciais da escola,
aprendemos que as plantas realizam o processo de fotossíntese para produzir a
energia necessária à sua sobrevivência. Dito de maneira simplificada, elas
utilizam o gás carbônico (CO2) da atmosfera e
a luz do sol para produzir glicose, espécie de açúcar que garante suas
atividades vitais. De quebra, enquanto produzem glicose, as plantas devolvem
oxigênio para o ambiente. Esse processo é tão importante que, sem ele, não
haveria vida na Terra, dado que tais organismos estão na base da cadeia
alimentar do homem e dos animais. Mas se o CO2 é tão
importante para a fotossíntese, o que aconteceria se as plantas recebessem uma
dose extra desse gás? Elas se tornariam mais produtivas? As respostas a estas e
outras perguntas estão sendo investigadas por um grupo formado por cientistas
brasileiros e estrangeiros, que participam do programa AmazonFACE, financiado
pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Amazonas (Fapeam) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes).
David Lapola, pesquisador
do Cepagri-Unicamp, preside o Comitê Científico do AmazonFACE: “Nosso objetivo
é obter dados que possam refinar a predição sobre o futuro da floresta, de modo
a oferecermos subsídios para a tomada de decisões por parte das autoridades
públicas”
O AmazonFACE nasceu da iniciativa de
um grupo de cientistas, entre eles o ecólogo David Montenegro Lapola,
recentemente contratado como pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas
e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Lapola é o atual
presidente do Comitê Científico do programa. De acordo com ele, a principal
questão trabalhada pelo grupo é: até que ponto a fertilização proporcionada
pela oferta extra de CO2 pode
aumentar a resiliência de uma floresta, no caso a amazônica, num contexto de
mudanças climáticas, no qual ocorrem aumento de temperatura e alteração no
regime de chuvas? “É a primeira vez que a ciência busca, numa região tropical,
resposta para esta pergunta”, assinala Lapola. Segundo ele, experimentos
assemelhados foram realizados em florestas temperadas, nos Estados Unidos e
Europa, que obviamente apresentam características distintas da floresta
amazônica. Em terras brasileiras, foram feitos dois experimentos do gênero, mas
em menor escala e voltados para cultivos agrícolas.
O AmazonFACE, assinala o pesquisador
do Cepagri/Unicamp, foi dividido em três fases. A primeira, iniciada em 2014,
está sendo finalizada. Durante dois anos, os cientistas delimitaram e
caracterizaram a área experimental, localizada no interior da floresta, a uma
distância de 70 quilômetros ao norte da cidade de Manaus. Foram definidas oito
áreas, em formato circular (anéis), cada uma com 30 metros de diâmetro. Quatro
servirão de controle e outras quatro receberão uma dose 50% maior de CO2, o que fará com que a concentração em cada uma
delas chegue a 600 partes por milhão (ppm). “Na segunda fase, que queremos
iniciar no segundo semestre de 2017, vamos operar inicialmente com apenas dois
dos anéis, sendo um deles controle. Nosso propósito é acompanhar como o anel
fertilizado com CO2 se comportará em relação
ao que receberá somente ar ambiente”, detalha Lapola.
A área experimental
do AmazonFACE foi instalada em plena floresta, a 70 quilômetros ao norte da
cidade de Manaus
A segunda fase, continua o ecólogo,
deverá durar mais dois anos. Ao final dela, virá a terceira e última etapa,
quando as outras seis áreas experimentais entrarão em operação. Nesta, os
testes se estenderão por dez anos. No Raio X que realizaram no sítio
experimental, os cientistas já levantaram uma massa enorme de dados sobre o
ecossistema local. “Nós medimos dezenas de parâmetros, o que nos permitirá
analisar com precisão a resposta das plantas aos ensaios que promoveremos. Para
dar uma ideia do que já foi feito, nós aferimos desde a velocidade e direção do
vento até o nível de radiação solar, passando pelo ritmo de crescimento das
raízes, o fluxo de seiva nos caules e a quantidade de fotossíntese realizada
pelas folhas das árvores”, elenca o pesquisador do Cepagri/Unicamp.
Cenários
Mas qual seriam, afinal, o melhor e o
pior cenário que o AmazonFACE poderia delinear sobre a floresta amazônica? A
situação mais positiva, pondera Lapola, seria constatar que, a despeito da
tendência do aumento da concentração de CO2 na atmosfera e do
possível agravamento das mudanças climáticas, a floresta é capaz de se mostrar
resiliente, ou seja, de resistir a essas situações adversas, mantendo-se
produtiva e sem perda significativa de biomassa. “Entretanto, podemos chegar a
uma conclusão diferente. Estudos realizados nos Estados Unidos e Europa indicam
que a fertilização por gás carbônico estimula a produtividade das plantas por
um determinado período. Depois, no entanto, o organismo chega ao seu limite e
ocorre uma inversão na curva de desenvolvimento, limitado sobretudo pela falta
de nutrientes no solo”, adverte, para completar: “Nesse sentido, vale lembrar
que os solos amazônicos são bastante pobres em nutrientes, sobretudo fósforo”.
Quando uma situação como essa ocorre em relação
a uma floresta, continua o ecólogo, todo o ecossistema corre o risco de entrar
em colapso. No caso da floresta amazônica, isso poderia levar, num período de
uma a algumas décadas, à transformação daquele ecossistema em uma paisagem
própria de savana ou cerrado. “Nosso objetivo é obter dados que possam refinar
esse tipo de predição, de modo a oferecermos subsídios para a tomada de
decisões por parte das autoridades públicas”, esclarece o presidente do Comitê
Científico do AmazonFACE.
Pesquisadores já
mediram diversos parâmetros do ecossistema local, como direção e velocidade do
vento, nível de irradiação solar e a quantidade de fotossíntese realizada pelas
folhas das árvores.
Para dar sequência ao estudo, os
pesquisadores estão tentando obter novos recursos financeiros. Uma das
iniciativas nesse sentido será a realização de uma reunião na sede do BID, no
início de junho, em Washington, durante a qual os cientistas apresentarão os
resultados obtidos até agora com o AmazonFACE para instituições de fomento de
diversos países. O objetivo é levantar recursos da ordem de R$ 10 milhões para
a execução da segunda fase do programa. A primeira fase consumiu investimentos
de aproximadamente R$ 3 milhões.
Implicações políticas e
socioeconômicas
Embora o AmazonFACE esteja voltado ao
entendimento dos processos ecológicos envolvendo a floresta amazônica, as
pesquisas desenvolvidas pelo programa também têm importantes implicações
políticas, sociais e econômicas, como reconhece Lapola. A floresta,
registre-se, está distribuída por nove países e abriga aproximadamente 25
milhões de pessoas, população semelhante à da Coreia do Norte. Caso os
prognósticos mais sombrios para a floresta se confirmem, a temperatura naquele
ecossistema pode aumentar até seis graus e o volume de chuvas pode ser reduzido
em 60%.
Nesse cenário, observa o pesquisador
do Cepagri/Unicamp, haveria uma situação de seca prolongada, o que afetaria a
rotina dos moradores e as atividades produtivas. “Uma alteração climática tão
drástica secaria os rios, que são as principais vias de transportes de
passageiros e cargas na região. Com menor volume de água nos rios, as
hidrelétricas instaladas na região também seriam impactadas, o que refletiria
na produção industrial. Uma das consequências da conjugação desses fatores
poderia resultar até mesmo em uma migração em massa dos moradores das áreas de
florestas para os centros urbanos, o que por sua vez alteraria a dinâmica de
urbanização dessas grandes cidades amazônicas. Na hipótese de tudo isso se
confirmar, os países teriam que criar políticas públicas para tentar minimizar
todos esses impactos negativos”, alerta Lapola.
Embora essas predições estejam no campo das
hipóteses, o AmazonFACE, entende Lapola, deve alavancar a discussão e a
elaboração de políticas de adaptação a essas eventuais mudanças. O programa
conta atualmente com um grupo formado por 13 cientistas, que atuam no Brasil,
Estados Unidos, Austrália e Europa. No Brasil, estão envolvidas nas pesquisas
as seguintes instituições: Unicamp, UNESP, USP (São Paulo e Ribeirão Preto),
INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Inpa (Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia), UFAM (Universidade Federal do Amazonas), EMBRAPA
Amazônia Oriental e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A coordenação
institucional do programa é feita pelo Inpa, que é vinculado ao MCTIC.
(ecodebate)
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