O sol forte que sempre castigou o sertanejo agora é cobiçado por investidores bilionários que começam a mudar a cara do semiárido baiano. O movimento transformou a pequena Bom Jesus da Lapa, até então conhecida pelo turismo religioso e suas grandes romarias, na capital da energia solar. A cidade, de 63 mil habitantes, localizada à beira do Rio São Francisco, abriga hoje a primeira grande usina solar do Brasil.
Ali, onde o sol nasce antes de o
relógio marcar seis horas da manhã e a temperatura quase sempre beira os 35
graus, já estão sendo produzidos 158 megawatts (MW) com o calor do sol. É
energia suficiente para abastecer uma cidade de 166 mil residências – Bom Jesus
da Lapa, por exemplo, tem 16 mil domicílios. Mais importante que isso, no
entanto, é que o projeto representa o primeiro passo para o desenvolvimento de
uma indústria bilionária que não para de crescer no mundo – no ano passado,
avançou 50%.
Só em Bom Jesus da Lapa, a
italiana Enel Green Power, dona do empreendimento, investiu US$ 175 milhões,
algo em torno de R$ 542 milhões. Em pouco mais de um ano, 500 mil painéis
solares passaram a cobrir uma área de 330 hectares, o equivalente a 462 campos
de futebol. Nesse período, a cidade sertaneja, acostumada com o vaivém dos
fiéis e com cifras bem mais modestas, passou a conviver com uma mistura de
idiomas.
Como a cadeia de produção no Brasil
ainda é incipiente, os equipamentos para montar o parque solar vieram de várias
partes do mundo. Os painéis que captam o calor do sol foram fabricados na
China; os conversores para transformar a energia solar na eletricidade que
chega à casa dos consumidores vieram da Itália; e a montagem da estrutura que
permite a movimentação dos painéis na direção do sol foi feita por espanhóis.
No auge da obra, foram contratados mais de mil trabalhadores para o empreendimento. Por estar ao lado da cidade, não houve necessidade de construir alojamentos, como ocorre em grandes projetos. Além disso, a estrutura de hotéis existente para os fiéis que visitam o santuário de Bom Jesus da Lapa ajudou muito na acomodação dos operários. Ainda assim, novos hotéis e restaurantes foram inaugurados para atender à demanda, que deverá continuar firme por mais algum tempo.
Desenvolvimento. O prefeito do
município, Eures Ribeiro (PSD), comemora a descoberta da região pelos grandes
investidores. Até a chegada do parque da Enel, a economia local era baseada na
produção de banana – o município é o maior produtor da fruta no Brasil – e no
comércio voltado aos fiéis. O entorno da gruta que abriga o santuário da cidade
e atrai milhares de romeiros é lotado de hotéis, lojas e barracas de
lembrancinhas, como chaveiros, camisetas e outros objetos.
A economia local, no entanto, não
é suficiente para absorver a mão de obra da cidade. Quase dois terços dos
moradores têm idade entre 15 e 59 anos e sofrem com o desemprego e a falta de
qualificação. Esse foi um dos temas trabalhados com a Enel como compensação
social pelo empreendimento. As comunidades quilombolas que ficam próximas do
projeto foram beneficiadas com cursos de pedreiro, eletricista e corte e
costura. “Também reivindicamos a construção de uma sede para a comunidade”,
afirma Amilton Vitorino Gonzaga, da comunidade Araçá-Volta, onde há 240
residências.
Quase todos da comunidade vivem
do Bolsa Família e da agricultura de subsistência. Mas, por causa da falta de
chuva, as plantações nem sempre sobrevivem. “O sol sempre foi sinônimo de
pobreza, que afastava a população da cidade para os grandes centros. Hoje é
sinônimo de riqueza e de desenvolvimento”, afirma o prefeito da cidade.
Pelas contas dele, há cerca de
dez empresas com projetos na cidade para começar logo. “Nossa expectativa é que
a arrecadação de ICMS (por causa da venda de energia) aumente 300% em cinco
anos.” Além da insolação, a atração dos investidores também tem contado com um
incentivo da prefeitura, que reduziu o Imposto sobre Serviços (ISS) do projeto.
O
presidente da Enel no Brasil, Carlo Zorzoli, diz que a vantagem do sertão
nordestino, além do sol forte, é a abundância de terras que não competem com o
agronegócio. Além do parque de Bom Jesus da Lapa, a empresa detém outros três
projetos na região: Ituverava (254 MW) e Horizonte (103 MW), na Bahia, e Nova
Olinda (292 MW), no Piauí. Os três entram em operação até o fim deste ano,
colocando a empresa na liderança da produção solar no País, com 807 MW instalados.
“Aqui tem espaço de sobra sem
precisar desmatar para construir as usinas”, diz o executivo. Mas, apesar de
área disponível, a construção dos parques já começa a inflacionar o preço da
terra na região. Em Bom Jesus da Lapa, o valor de um hectare de terra saiu de
R$ 2 mil para R$ 20 mil, diz o prefeito da cidade. Por isso, as empresas têm
procurado arrendar as áreas para os projetos, em vez de comprar. A medida traz
renda fixa para os proprietários durante, pelo menos, 20 anos. (jornaldebrasilia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário