A opção por uma nova usina nuclear pode até ser mais limpa que a por
termelétricas, só que é mais cara.
Era Atômica - Vista das usinas Angra 1 e 2.
O Brasil decidiu apostar
novamente na aventura nuclear sem divulgar exatamente quanto isso vai custar.
Na semana passada, o governo autorizou a retomada das obras da usina nuclear de
Angra 3, no litoral do Rio de Janeiro. O empreendimento foi aprovado na
segunda-feira pelo Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE). Segundo o
governo, Angra 3 custará R$ 7,2 bilhões. Técnicos do governo vêm afirmando que
o plano federal inclui a construção de oito novas usinas a serem inauguradas
até 2030. A empreitada esconde vários subsídios. Eles podem multiplicar o
investimento para valores que a sociedade ainda desconhece. Os valores
envolvidos e as incertezas despertam dúvidas sobre as razões da decisão. A
aprovação de Angra 3 levanta uma questão: será a via nuclear realmente uma
escolha energética apropriada para o Brasil?
Após o acidente de
Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, os países desenvolvidos cancelaram seus planos
para a construção de novas usinas. A indústria nuclear passou duas décadas no
ostracismo. A opção nuclear voltou à cena nos últimos anos como uma alternativa
energética para enfrentar as mudanças climáticas. A vantagem dos reatores é que
não emitem gás carbônico, o principal causador do aquecimento global. No
Brasil, porém, não está claro se essa é uma opção eficaz. Se a ideia é reduzir
as emissões de gás carbônico, pesquisadores afirmam que o caminho poderia ser
outro. “A prioridade é reduzir o desmatamento da Amazônia, nossa principal
fonte de emissão de gases de efeito estufa”, diz José Goldemberg, do Instituto
de Energia da Universidade de São Paulo. Seu argumento é que as usinas
nucleares podem ter outros impactos, ainda maiores, para o meio ambiente.
A primeira preocupação
em torno da energia nuclear é sua segurança. Países desenvolvidos, como os
Estados Unidos, a França, o Japão e a Alemanha, produzem há décadas energia de
algumas dúzias de usinas nucleares, sem grandes incidentes com vítimas. Mas há
indícios de que o cenário nuclear brasileiro não segue os critérios ideais. Um
estudo realizado no ano passado pela Câmara Federal em parceria com
especialistas constatou que o país não tem a estrutura adequada nem para
fiscalizar o setor nuclear nem para garantir a segurança da população. Para
começar, há um problema estrutural: o conflito de atribuições do Conselho
Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Ele é responsável tanto pela promoção
quanto pela fiscalização do setor nuclear no país. Mas a Convenção
Internacional de Segurança Nuclear, da qual o Brasil é signatário, proíbe que
as duas atividades sejam exercidas pelo mesmo órgão.
O resultado disso pode
ser verificado na forma como foi executado o plano de emergência de Angra. A
região tem cerca de 119 mil habitantes. Suas belas praias atraem até 1 milhão
de turistas por ano. Poucos moradores já foram informados sobre o que fazer no
caso de um acidente nuclear. Edson Jorge, chefe do serviço de emergência
nuclear da Defesa Civil Municipal, afirma que já foi feita uma campanha de
esclarecimento, com a distribuição de panfletos e calendários com instruções de
fuga. Mas diz que não se lembra quando. Sobre os turistas, Jorge informa que
não há orientação. “Não há esse direcionamento de informar ao turista. Não
diretamente”, diz Jorge. E se houver uma emergência? “Na hora a gente indica o
caminho que eles têm de seguir.” Analistas de segurança temem que a única
estrada pavimentada, normalmente congestionada nos fins de semana de sol, não
dê vazão para a população em fuga.
95% é quanto a energia
nuclear custa a mais que a gerada por termelétricas a gás, segundo o MIT.
Além da segurança, outra
questão não resolvida em relação à energia nuclear é sua viabilidade econômica.
De acordo com os cálculos da Agência Internacional de Energia, referência
mundial no tema, construir usinas nucleares é mais caro que optar por usinas
hidrelétricas e termelétricas a carvão ou gás. Outro levantamento, do
Departamento de Energia e Comércio, da Inglaterra, também aponta a energia
nuclear como mais cara que as outras. Há ainda uma comparação feita pelo
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA: a eletricidade dos
reatores é 95% mais cara que a das termelétricas a gás.
Um dos raros estudos que
colocam a energia nuclear como mais competitiva foi feito justamente pelo
Ministério de Minas e Energia brasileiro. Segundo o levantamento, divulgado em
maio deste ano, a eletricidade nuclear só perderia para a gerada pelas
hidrelétricas. “O custo divulgado é de um otimismo notável”, afirma Goldemberg.
“É um exercício de economista para mostrar que ela é competitiva, quando na
realidade não é.” Para Francisco de Carvalho, mestre em Energia Nuclear e
ex-diretor da Nuclen (atual Eletronuclear), “o valor só é baixo porque é
subsidiado pelo governo”.
Boa parte do custo
nuclear é paga pelo governo de forma obscura. Um exemplo é o custo de
destinação dos rejeitos radioativos. Nenhum país do mundo encontrou uma solução
definitiva para estocar esse material. Os EUA estão construindo um depósito nas
montanhas de Nevada, ao custo de US$ 5 bilhões. No Brasil, isso não foi nem
orçado. A Eletronuclear, empresa estatal responsável pelo setor, não divulga o
valor gasto com o armazenamento de rejeitos nucleares de Angra 1 e 2,
provisoriamente guardados no interior das próprias usinas, em piscinas de
contenção. Dentro de alguns anos, os rejeitos terão de ser remanejados para um
local mais seguro. O presidente da Eletronuclear, s Othon Pinheiro da Silva,
não tem informações exatas sobre como isso será feito. “Os depósitos de longa
duração estão sendo trabalhados. Só teremos de pensar nisso daqui a uns 20
anos”, afirma.
O país não tem um bom
histórico na previsão de gastos nucleares. O governo diz que a conclusão de
Angra 3 vai custar R$ 7,2 bilhões, equivalentes a US$ 3,6 bilhões. Em 2003, o
próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciava que a obra sairia por
US$ 1,8 bilhão. As projeções do MIT sugerem que uma usina com a mesma potência
de Angra 3 custa, no mercado internacional, 40% abaixo do que o governo diz que
pretende gastar. Mudanças de previsão de gastos são comuns na história nuclear
do país. A construção de Angra 2, orçada inicialmente em US$ 2 bilhões,
terminou custando o quíntuplo.
Operários vistoriam os
equipamentos já comprados para Angra 3. Será que vale a pena tirar o material
das caixas?
Parte do subsídio
oficial para a energia nuclear está embutida no seguro para acidentes. Isso é
uma prática internacional. Nos EUA, o Congresso limita o valor segurado para o
caso de acidentes a US$ 9 bilhões. “É uma fração do que custaria um acidente como
o de Chernobyl”, diz o engenheiro Vijay Vaitheswaran, especialista em energia
da revista inglesa The Economist.
No Brasil, não é diferente. De acordo com a Eletronuclear, o pagamento do
seguro em caso de acidente envolvendo Angra 1 e 2 é de US$ 500 milhões, para
cada uma das usinas. Esse valor, porém, não paga nem uma parcela da construção
das usinas nem indenizações a terceiros. O resto do prejuízo seria custeado
pelo governo. Tal privilégio pode ajudar na competitividade aparente da energia
nuclear. Outras indústrias, como a do petróleo, precisam embutir o preço dos
possíveis acidentes em suas operações. Pergunte à Petrobras. Em 2001, a empresa
perdeu sua maior plataforma, a P-36. O prejuízo de US$ 356 milhões foi
plenamente pago pela seguradora responsável.
Na Inglaterra, durante a
década de 1980, a então primeira-ministra, Margaret Thatcher, terceirizou todo
o sistema público de geração de energia, menos a parte nuclear, exatamente
porque o setor privado não vê vantagens no setor. Os empresários brasileiros
também pensam assim. “Existem várias energias economicamente mais viáveis,
especialmente no Brasil, com enorme potencial hidrelétrico”, diz Cláudio Sales,
presidente do Instituto Acende, que representa os investidores da área
energética no Brasil.
Em abril de 2005, a
então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, declarou que “não é hora de
fazer Angra 3, porque você tem outras alternativas renováveis mais baratas”.
Essa era a posição do governo quanto à política energética naquele momento.
Como então explicar, dois anos depois, uma mudança tão radical na opinião do
Planalto? O motivo parece ser a disputa entre o Ministério de Minas e Energia e
a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, que não autoriza a construção de
novas usinas hidrelétricas. “Estou sentindo um certo escapismo com o problema.
O governo precisa ter coragem de enfrentar a batalha das hidrelétricas”, diz o
engenheiro Luiz Pinguelli Rosa, da Coordenadoria de Pós-Graduação em Engenharia
da UFRJ (Coppe). Ou então o contribuinte poderá ter de pagar uma conta – não
necessariamente em dinheiro.
A herança radioativa
O Brasil sofreu um dos três
piores acidentes nucleares da História. O maior deles, em Chernobyl,
interrompeu a construção de novas usinas no mundo.
Goiânia, Brasil
Em 1987, catadores de
sucata pegaram cápsulas radioativas de césio de um equipamento médico
descartado sem cuidados. Quatro pessoas morreram e 800 foram contaminadas.
Chernobyl, Ucrânia
Um reator explodiu em
1987 na então república soviética, espalhando uma nuvem radioativa pela Europa.
Na ocasião, 56 pessoas morreram e até hoje milhares têm risco elevado de
câncer.
Three Miles Island, EUA.
Em 1979, por falhas
técnicas, o reator saiu de controle, com risco de explosão. Levou cinco dias
para ser controlado. Uma explosão – que não ocorreu – teria contaminado uma
área com milhões de habitantes. (globo)
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