Especialista
na área de veículos híbridos e elétricos questiona alguns paradigmas e acredita
que o Brasil deve criar seu próprio modelo.
Pressões
ambientais, sobretudo na Europa, têm movimentado a indústria automotiva na
direção do desenvolvimento de veículos menos poluentes. Lá fora, a questão
assumiu caráter mandatório: alguns países já estabeleceram datas-limite para
que não sejam mais comercializados automóveis com motores a combustão.
Enquanto
isso, nosso País ainda carece de uma legislação específica, de regras mais
claras e, principalmente, de um plano de ação para os próximos anos. Mas isso,
na opinião de Ricardo Takahira, vice coordenador da Comissão Técnica de
Veículos Elétricos e Híbridos da SAE Brasil, não é necessariamente uma
desvantagem. “O cenário pode parecer negativo, mas pode até ser positivo.
Nenhum país do mundo tem o privilégio de ter opções de biocombustíveis e de uma
matriz energética que, mesmo com as crises hídricas, é 70 a 90% gerada por
hidrelétricas – não temos necessidade de queimar carvão. Quem sabe um veículo
híbrido flex ou híbrido a etanol pode gerar a eletrificação com
biocombustível?”
Engenheiro
eletricista pela FEI, Takahira soma mais de 30 anos dedicados à indústria
automotiva, com passagens pela ABVE, Magneti Marelli, Continental, Visteon,
Ford e SENAI. Atualmente, presta consultoria e integra diversas comissões
técnicas, incluindo o grupo de trabalho em que atua junto ao Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e também é o chairman do
7º Simpósio de Veículos Híbridos Elétricos da SAE Brasil, programado para
novembro deste ano. Suas ideias e observações sobre o tema podem ser conferidas
na entrevista a seguir.
Como
anda a “corrida” pela mobilidade elétrica? Levando-se em conta as legislações
europeias que determinam menor emissão de poluentes.
É
exatamente como foi colocado na pergunta: a exigência é ambiental e o
atendimento às regras é da indústria. Ou seja, em conferências como a COP-21,
COP-22 ou como a Rio+20, são definidos limites e prazos e isso faz com que a
indústria tenha que se adequar para continuar vendendo produtos. Até 2030,
talvez 30% da frota do mundo tenha que ser zero ou baixa emissão – por “zero”,
entende-se elétrico, enquanto o “baixa” seria o híbrido.
Falando
do mundo, vários países já definiram uma data para não poder mais comercializar
veículos a combustão. Começou com a Noruega, que tem um percentual alto de sua
frota elétrica, mas não tem nenhuma montadora. Mas depois da Noruega, veio a
Alemanha, a França – e, ao todo, já são dez países. Os locais onde estão
localizados os centros de desenvolvimento das montadoras de primeira linha acabam
tendo que focar suas engenharias para atender as questões de mercado da
indústria. E tem algo ainda mais significativo e ambicioso que é não deixar
circular (veículos a combustão) e alguns países já estão tentando definir uma
data para isso.
Esta seria uma política industrial: primeiro se
exige um produto que atenda tecnicamente à exigência, que é o zero emissão e,
se fizer toda a “lição de casa”, ganha um “prêmio”, que seria a renovação de
toda a frota. Com isso, o volume vai amortizar todos os anos de investimento em
pesquisa e desenvolvimento.
Feira
de Veículos elétricos é atrativa aos que gostam de tecnologia, mobilidade
urbana e saber sobre o futuro.
Como
você classificaria o Brasil nesse contexto?
No
Brasil, ainda estamos em uma fase de definição, pois não temos uma política
específica. Em 2017 acabou o Inovar-Auto (Programa de Incentivo à Inovação
Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores), e ainda
não tivemos a publicação do Rota 2030, que seria a política industrial
seguinte. Nesse âmbito, foi criado um grupo de trabalho específico para
veículos híbridos e elétricos e, dentro dele, há alguns subgrupos para estudar
as questões da política pública, das baterias, da infraestrutura, da
capacitação da mão de obra, de regulamentação. O Brasil está atrasado, mas não
está de olhos fechados. A própria indústria, junto com especialistas, está
ajudando a desenhar essas novas políticas.
O
que é preciso para o País ficar bem posicionado frente a esta nova tendência?
Regras
claras e definição. Tem uma coisa bastante estratégica: se não fizermos nada,
corremos o risco de sermos um mercado consumidor de tecnologias ‘novas’
obsoletas. O que seria isso? Por exemplo, um veículo a combustão já tem data
para deixar de existir na Alemanha sem que seus custos de ferramental e
componentes tenham sido devidamente amortizados. Se o nosso País não tem uma
legislação clara, o que vai acontecer? Eles vão mandar esse veículo para cá,
porque eles ainda poderiam vender por aqui.
O
cenário pode parecer negativo, mas pode até ser positivo. Nenhum país do mundo
tem o privilégio de ter opções de biocombustíveis e de uma matriz energética
que nós temos. Mesmo com as crises hídricas, de 70 a 90% de nossa energia é
gerada por hidrelétricas – não temos necessidade de queimar carvão. Quem sabe
um veículo híbrido flex ou híbrido a etanol pode gerar a eletrificação com
biocombustível?
Não
temos que acompanhar o mundo, temos que entender qual a melhor solução para o
Brasil. Nossa extensão territorial e nossas condições climáticas são
diferentes. Para ficarmos bem posicionados, é preciso ter uma posição clara das
regras, mas também olhar para o umbigo e ver todas as possibilidades.
E
qual seria o melhor caminho, na sua opinião?
Esse
produto (carro elétrico) é muito dependente de infraestrutura. Como eu vou
recarregar meu carro se eu moro em um apartamento, por exemplo? Tem muita coisa
a ser trabalhada e talvez essa questão de consumo individual não seja a
prioridade.
Eu acredito bastante em transporte público, em ter
mais ônibus elétricos por meio de mecanismos de licitação: os operadores, para
continuarem, precisarão ter um percentual mínimo. O uso urbano é o que faz
sentido, por vários motivos: a eficiência na estrada do veículo elétrico ou
híbrido é muito baixa, o que acaba expondo a questão da autonomia. As
eficiências do carro elétrico aparecem quando roda em ciclo urbano porque, ao
frear, ele pode regenerar a energia térmica.
Salão
de Veículos elétricos é atrativa aos que gostam de tecnologia, mobilidade
urbana e saber sobre o futuro.
Como
as montadoras estão se preparando e quais os principais desafios?
No
Brasil, é importação. Não tem ninguém desenvolvendo um carro elétrico. Se for
para desenvolver um carro híbrido a etanol, pode ser que faça sentido. Por
isso, volto a falar dos biocombustíveis, que seriam uma condição a favor, pois
o carro elétrico depende de uma infraestrutura. Se eu fosse comprar um carro
elétrico, alguém teria que me dar energia e só pode comercializar alguém
autorizado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Nossa
cota ainda é muito pouco significativa: temos menos de 10 mil veículos, sendo
que 90% desse total é híbrido. Para o segmento de autopeças, por exemplo, 50
mil seria um volume mínimo para que pudéssemos pensar em localização (produção
local). Com esse baixo volume de importação, ficamos sujeitos ao câmbio. Além
disso, os veículos elétricos lá fora têm outros subsídios. Em São Paulo (SP),
por exemplo, o veículo híbrido é isento de rodízio e paga só 50% do IPVA, mas
isso ainda é muito pouco em relação aos incentivos que esses carros recebem lá
fora.
Até
pouco tempo, o Imposto de Importação era de 35%, agora baixou para zero no puro
elétrico e vai de 4 a 7% no híbrido, dependendo da eficiência energética. Agora
há uma discussão sobre o IPI, que hoje é de 25%. Então os baixos volumes não
são suficientes para que qualquer montadora aqui no Brasil pense sequer em
localização. É preciso chegar a outro patamar para que se possa fazer a
transição tecnológica.
Na
sua opinião, como será o cenário em termos de produção dos carros híbridos,
elétricos e autônomos? Haverá uma maior tendência por carros híbridos em um
primeiro momento?
Além
desses, eu acrescentaria uma categoria de veículos chamados ‘conectados’, que é
a mais importante. Mas, com certeza, haverá uma maior tendência para o híbrido
(não plug-in). Há o veículo elétrico a bateria (BEV, em inglês); o veículo
elétrico híbrido (HEV, em inglês) e o veículo elétrico híbrido plug-in (PHEV,
em inglês). Para que seja plug-in, é preciso ter infraestrutura. Se estiver na
rua e acabar a bateria, como faz? Mesmo que seja uma recarga super-rápida,
demora pelo menos uma meia hora.
No
Brasil, 90% dos carros são do tipo HEV, e eles nem têm tomada para recarregar.
Lá fora, há versões do tipo plug-in. Aqui, além de ser híbrido não plug-in,
quem sabe não teremos um híbrido flex. Há uma montadora que já anunciou que
trará esse veículo para o Brasil e já existe um protótipo com uma calibração
feita para o etanol. Haverá um rodando na USP, em São Paulo (SP), e outro na
UnB, em Brasília (DF).
E o
que seria o carro ‘conectado’? Há alguma relação com o autônomo?
O
carro conectado proporciona uma sinergia. No carro elétrico, é preciso saber
aonde você quer ir e, se não tiver bateria, saber onde estão os pontos para
você recarregar. Para isso, é necessário ter uma conectividade. Por exemplo, eu
não quero chegar em um ponto de recarga onde já há outro veículo sendo
abastecido, porque não leva o mesmo tempo que encher um tanque.
Aí
existe outra ideia que é a de se criar um local em que se possa fazer a troca
da bateria: deixar a que está sem carga e pegar uma totalmente carregada. Seria
o mesmo modelo de um botijão de gás. Isso talvez seja uma solução porque, até
pouco tempo, o custo da bateria era cerca de 60% do preço do veículo. Se
tivesse alguma forma de esse preço ser desvinculado do custo do carro, ainda
que com essa desconfiança de a bateria não durar tanto quanto o próprio
veículo, poderia ser vantajoso.
O
desejo do consumidor não é o carro elétrico ao preço que está, mas ele pagaria
mais caro por um carro autônomo e/ou conectado. E não estou me referindo ao que
‘dirige’ sozinho. Há diferentes graus de autonomia: o carro que estaciona
sozinho, por exemplo, tem autonomia nível 3. Há modelos disponíveis no Brasil
que podem ter o chamado “chaveirinho”.
Para
quem mora em apartamento e precisa estacionar em vagas super apertadas, basta
sair do carro, apertar o touch screen no chaveiro e ele ‘entra’ sozinho na vaga.
Por esse conforto e pela conectividade de ter o Waze em uma tela de 7
polegadas, o consumidor está disposto a pagar. Já para ter um carro elétrico,
apenas com o apelo da sustentabilidade, eu tenho minhas dúvidas.
Colheitadeiras
ainda não são 100% sustentáveis, mas de acordo com o Salão de Veículos
Elétricos, poderiam ser.
E
como os fornecedores da indústria automotiva convencional estão se preparando
para a crescente diminuição da demanda por produtos e serviços ligados a
motores de combustão interna?
Eu
não posso citar nomes, mas há dois tipos de indústrias: um que está perguntando
‘quanto tempo temos?’, no intuito de se preparar, e outro que está perguntando
‘quanto tempo vai demorar?’, pois já tem uma solução e só está esperando a hora
certa. O primeiro tem que mudar o portfólio, se não, estará “morto”. O segundo
tem uma solução lá fora, mas se transferir muito cedo, ele “mata” o feijão com
arroz que gera o faturamento atual e ainda não vai faturar com o novo
portfólio.
Então,
é super estratégico. Mas, sem uma definição clara de política, como fazer? Por
exemplo, se hoje eu faço um motor a combustão V8, eu posso me organizar e fazer
um motor de dois tempos a etanol e colocar em um carro elétrico em uma versão
que hoje se chama range extended, e que gera uma autonomia extra para a
bateria.
Quais
são as principais preocupações no que diz respeito aos usuários e às cidades?
Nós
não temos esse conceito de qualidade de mobilidade urbana. Para ônibus, não
depende da escolha do cidadão, mas de uma política pública do gestor de
transporte.
Por
exemplo, a SPTRANS (de São Paulo, SP) soltou uma licitação, que tinha prazo de
consulta pública até o último dia 25 de março. O texto não diz explicitamente
que é um veículo elétrico, mas que deveria atender à PL 300/2017 (Nota: o
Projeto de Lei propõe dez anos para que a frota seja substituída por uma com
combustível menos poluente). Não sei como os operadores irão responder. Mas
essa é uma das possibilidades e faz todo o sentido, a meu ver. Não é preciso mudar
todos os ônibus, mas a cada dez que estão em serviço, no primeiro ano, é
possível ter pelo menos um de ‘tecnologia limpa’. Esse ônibus custaria mais que
o dobro do que o movido a biodiesel, mas o impacto com relação às emissões, ao
ruído e também à recuperação de energia no “anda e para” do trânsito faz com
que seja mais interessante.
É
preciso contabilizar também outros ganhos que são intangíveis como o fato de
que, talvez, a população não vá tanto ao médico por problemas respiratórios ou
não fique com problemas de audição, sem contar as doenças profissionais que o
motorista deixaria de sofrer.
Outra questão são os aplicativos de transporte
privado (tais como Uber, Cabify e 99, entre outros). Pode ser que surja uma
regulamentação mais para frente que obrigue que tenham um carro de alta
eficiência e baixa emissão e, como o motorista não tem mais necessidade de ter
a posse do carro, pode ser que ele utilize o veículo de uma locadora. Essa
economia circular, compartilhada, é uma questão cultural. O brasileiro gosta
muito de carro, mas pode mudar de hábitos se houver um aumento do
congestionamento, por exemplo. Talvez ele deixe o carro para o fim de semana,
no uso com a família. Mas creio que não seja uma mudança para esta geração,
talvez para a próxima.
O
Renault Zoe estava disponível para test-drive durante o Salão de Veículos
Elétricos.
Em
termos de tecnologia, o que vem sendo produzido mundial e nacionalmente em
termos de eletrificação da mobilidade? Qual o status dessa tecnologia – pronta
para ser usada, ou muita coisa ainda em fase de testes?
Bateria
é uma dependência do mundo, não é um problema só do Brasil. Assim como a
eletrônica, que foi para a Ásia, e todo mundo perdeu o bonde. Agora eles são
tão competitivos que ninguém consegue tirar isso de lá. Motor, por exemplo, nós
temos a WEG aqui, em Jaraguá do Sul (SC) e eles estão produzindo motor para
ônibus, mas talvez não consigam entrar no lobby do carro leve. Já a fábrica da
MAN, em Resende (RJ), conseguiu fazer um caminhão elétrico, em parceria com a
WEG. Trata-se de uma inovação de primeiro mundo, feita no Brasil.
Então,
não estamos tão mal, pois temos engenharia e know-how. Talvez a gente não tenha
oportunidades e nem a segurança de fazer um investimento tão alto quando, na
verdade, não existe mercado ainda. Com relação à usinagem, existe um certo
receio também. Por exemplo: o alumínio é usinado, mas a fibra de carbono não é.
E como as baterias e os motores começam a pesar muito no carro, o aço começa a
ser substituído por materiais mais técnicos e mais leves. Isso quando a bateria
não acaba sendo parte do chassi.
A
Urbano apresentou o conceito de carro compartilhado no Salão de Veículos
Elétricos.
Em
sua opinião, o que precisa ser feito para que haja um impulso nesta produção?
Primeiro,
uma certeza de volume. Ninguém vai mexer um dedo, se não tiver forecast de
volume, mesmo a usinagem funciona desse jeito. As políticas públicas devem ser
definidas. Talvez uma data-limite para se atingir determinada eficiência
energética. É isso o que nós, enquanto grupo de trabalho (GP7) estamos buscando
para os veículos híbridos e elétricos. Ainda não há uma homologação específica
que diferencie o carro elétrico. E, com relação à política fiscal, talvez os
critérios mudem quando houver uma frota maior acumulada. (omundodausinagem)
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