Não há dúvidas de que o
desastre de Chernobyl, ocorrido em 1986, foi a maior catástrofe nuclear do
século 20. Por conta deste triste incidente, várias políticas internacionais
acerca das práticas nucleares precisaram ser revistas, e o desastre também teve
vários desdobramentos na área da preservação ambiental e na pauta de grupos
ativistas. Mas muito mais do que isso, a explosão em Pripyat, na Ucrânia,
deixou manchas e cicatrizes que não sumiram até hoje.
É difícil deixar de lembrar
que a explosão ocorreu muito por conta da negligência e da falta de protocolos
adequados de segurança, já que não estavam previstos procedimentos de
emergência para o caso de problemas desta natureza em Chernobyl. Além disso, os
funcionários do local não tinham o treinamento adequado para lidar com essas
situações. Ou seja, com tudo isso em mente, o desastre era apenas uma questão
de tempo.
Quanto um teste de segurança realizado no meio da noite deu errado, o Reator 4 de Chernobyl acabou se tornando totalmente incontrolável, fazendo com que uma poderosa explosão desse início a um incêndio. Dois trabalhadores morreram naquela noite, mas esse foi apenas o começo dos desdobramentos trágicos da explosão. Ao longo dos dias que se sucederam, 134 militares envolvidos com a limpeza em Pripyat e arredores precisaram ser hospitalizados, sendo que 28 morreram de síndrome de radiação aguda nas semanas seguintes, e 14 morreram de câncer induzido por radiação ao longo de 10 anos. Isso é claro, considerando aquilo que nós sabemos sobre os casos, já que a transparência da União Soviética não era algo a se invejar.
Em questão de poucos dias, um erro de cálculo nas medidas de segurança acabou se tornando o maior desastre nuclear da era moderna. Enquanto o mundo inteiro assistia horrorizado, centenas de pessoas sacrificaram suas vidas tentando recuperar o que fosse possível no Reator 4, ao mesmo tempo em que tentavam minimizar as consequências do incêndio. Mas ainda que mais de 35 anos tenham se passado, a radioatividade de Chernobyl ainda perdura.
O desastre ocorrido em Chernobyl fez com que grandes quantidades de isótopos radioativos se espalhassem na atmosfera, cobrindo uma grande parte da União Soviética, da Europa Oriental, da Escandinávia e do Reino Unido. Além disso, uma parte da costa leste americana também foi afetada. Mas é claro que as regiões mais próximas à Pripyat é que ficaram com os piores efeitos da explosão. Kiev, capital da Ucrânia, recebeu 60% das consequências diretas do acidente, enquanto uma parcela significativa do território russo também foi contaminada em níveis preocupantes. De acordo com a UNICEF, mais de 350 mil pessoas evacuaram suas casas em Pripyat entre 1986 e 2000, por conta dos efeitos duradouros da explosão de Chernobyl.
Só para se ter uma ideia, a usina nuclear de Chernobyl ficava a cerca de 100km ao norte de Kiev, capital ucraniana e cidade com maior população no país. E se as pessoas sofreram com os efeitos devastadores da radiação a uma distância de 100km, é fácil compreender o pesadelo que viveram os habitantes de Pripyat – uma cidade que foi fundada em 1970 justamente para abrigar a usina, e ganhou status oficial apenas nove anos depois. Hoje em dia, exceto pela resiliência da vida selvagem, que surpreende a todos nós, Pripyat é uma localidade fantasma no meio do território ucraniano, próximo à fronteira com a Bielorrússia. A proporção do acidente também é justificada pelo tamanho da usina. Afinal de contas, Chernobyl tinha quatro reatores, sendo que cada um era capaz de gerar 1000 megawatts de energia elétrica. Apenas para contextualizar, especialistas estimam que 1 megawatt é capaz de produzir eletricidade suficiente para a demanda de mil residências de uma só vez.
Problemas técnicos e negligência
Os quatro reatores de
Chernobyl eram diferentes daquilo que se via em outras usinas nucleares no
resto do mundo. O reator RBMK, projeto pelos soviéticos, era pressurizado a
água, e tinha o objetivo de produzir plutônio e energia elétrica. Para isso,
usava uma rara combinação de refrigeradores à base de água e moderadores de
grafite. Isso fazia com que eles fossem bastante instáveis em baixa potência.
Isto é, se os reatores perdessem água de resfriamento, eles diminuiriam
drasticamente a produção de energia, o que facilitaria as reações nucleares em
cadeia. Além disso, o projeto do RBMK não previa estruturas de contenção, que
normalmente consistem em cúpulas de concreto e aço com o objetivo de manter a
radiação dentro da usina, mesmo que o reator falhe, vaze ou exploda. Tudo isso,
somado ao fato de que os funcionários responsáveis pelos reatores não tinham o
treinamento adequado, fez com que tudo contribuísse para uma grande tragédia.
Alexander Akimov – Herói de
Chernobyl
Os efeitos da explosão de
Chernobyl foram assustadores, mas inacreditavelmente poderiam ter sido ainda
piores se não fosse pelo herói Alexander Akimov e sua corajosa equipe. Akimov
foi o primeiro engenheiro a declarar emergência na usina assim que o reator foi
desligado, embora naquela altura o dano já estivesse feito. Infelizmente ele
percebeu tarde demais a extensão do dano – o reator já havia explodido, e o
vazamento já estava em andamento. Em vez de evacuar a usina durante a explosão,
Akimo, junto com Valeri Bezpalov, Alex Ananeko e Boris Baranov entraram na
câmara do reator em águas radioativas na altura da cintura para tentar
controlar o problema. Bezpalov, Ananeko e Baranov compuseram um “Esquadrão
Suicida” que desceu ainda mais fundo na água para ligar as bombas de
alimentação de emergência, tentando inundar o reator e evitar a liberação de
mais materiais radioativos.
Eles bombearam manualmente a
água, sem nenhum equipamento de proteção. O trabalho dos engenheiros acabou
custando a vida deles, por conta do envenenamento pela radiação, mas eles
mudaram drasticamente o impacto do desastre, já que o sacrifício da equipe foi
crucial para diminuir os efeitos do incêndio.
Consequências do acidente
Embora seja difícil associar diretamente as doenças e complicações de saúde com o desastre em si, os esforços de curto e longo prazo para minimizar qualquer consequência foram substanciais. A explosão inicial resultou na morte de dois trabalhadores da usina, além 28 pessoas entre bombeiros e encarregados da limpeza. Outras 19 pessoas morreram dentro de três meses após a explosão. Aproximadamente mil funcionários do reator foram fortemente expostos a radiação de alto nível, bem como mais de 200 mil pessoas encarregadas nas missões de resgate e combate às chamas. As evacuações começaram 36 horas após o incidente, com as autoridades soviéticas tendo realocado com sucesso todos na zona de exclusão de 30 km em um mês. Cerca de 116 mil pessoas tiveram que pegar suas coisas e encontrar novas casas, muitas infelizmente acabaram morrendo por câncer e outras doenças que podem ser ligadas ao acidente. Mas um relatório das Nações Unidas, feito em 2005, sustenta que “o maior problema de saúde pública criado pelo acidente foi seu efeito sobre a saúde mental das 600 mil pessoas que vivem em áreas impactadas pelo evento”.
O Instituto de Energia Nuclear afirmou que o desastre de Chernobyl resultou em cerca de 4 mil casos de câncer de tireoide, com algumas mortes tendo ocorrido até 2004. Segundo a ONU, ainda, menos de 50 mortes podem ser confirmadas como resultado direto da exposição à radiação do evento. As crianças em áreas contaminadas receberam altas doses de medicamentos para a tiroide, tentando combater o aumento do radioiodo – um isótopo contaminante que se infiltrou no leite produzido naquela região. Este isótopo teve uma meia-vida de oito dias. Enquanto isso, descobriu-se que o solo continha césio-137, que tem uma meia-vida de 30 anos. Os esforços, porém, não foram tão bem sucedidos assim. Numerosos estudos apontam que o número de casos de câncer de tireoide em crianças com menos de 15 anos de idade na Bielorrússia, bem como na Rússia e na Ucrânia em geral, mostrou um pico preocupante. Muitas dessas crianças desenvolveram uma forma particular de câncer por beber o leite extraído de vacas que pastavam em solo contaminado.
Infelizmente, toda uma
geração de crianças cresceu com problemas relacionados ao desastre, que entrou
para a história como um dos piores de todos os tempos.
Como está o reator 4?
A melhor medida preventiva que Chernobyl poderia ter incluído em seu projeto era uma estrutura de contenção para evitar que a radiação escapasse no caso de uma falha estrutural. Após o acidente, em 1986, os soviéticos construíram uma espécie de “sarcófago” temporário para bloquear a liberação do material radioativo. No entanto, a estrutura de concreto foi construída como uma resposta de emergência, com severas restrições de tempo. Por isso, ele foi projetado e colocado em prática com várias falhas e problemas de estrutura. E a medida nunca foi concebida como uma solução final e permanente para a contenção da radiação. Mas isso fez com que a contaminação radioativa ficasse ainda mais confinada, permitindo que as autoridades monitorassem de perto as atividades do reator após a explosão. Por fim, a construção do Novo Confinamento Seguro/NSC foi finalmente concluída em novembro de 2016. Financiado pelo Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, o projeto custou US$ 1,6 bilhão, e atualmente envolve cerca de 3 mil trabalhadores no local. Cerca de 200 toneladas de material radioativo ainda permanecem sob o antigo sarcófago, com funcionários monitorando rotineiramente a exposição com equipamentos especializados. As autoridades estão convencidas, no entanto, de que a radioatividade é bastante baixa nos dias de hoje em torno de Pripyat, e representa pouco ou nenhum risco.
Prova disso é que pouco a pouco a vegetação do local vem tomando conta da região, mostrando uma resiliência incrível, que choca até mesmo alguns especialistas da área. Além disso, há várias localidades afetadas pela radiação que hoje em dia já vem sendo visitadas por turistas, durante passeios guiados. Nestas visitas, as pessoas conseguem conhecer de perto o palco desta tragédia que tirou a vida de tantas pessoas, e modificou para sempre a vida nesta área da antiga da União Soviética.
Resta-nos torcer para que as cicatrizes de Chernobyl que ainda estão abertas sirvam para ilustrar a importância dos cuidados e da prevenção que os funcionários devem ter ao lidar com materiais radioativos e outros produtos com um potencial destrutivo tão grande. (misteriosdomundo.org)
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