O chuveiro elétrico é um dos vilões do consumo de energia nas
residências brasileiras. Como agravante, o seu uso coincide, principalmente,
com os horários de pico da utilização de eletricidade no país. Quatro pesquisas
conduzidas na graduação e pós-graduação da Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) da Unicamp têm resultado em um sistema energético para aquecimento de
água para banho que pode substituir o equipamento popularizado no Brasil na
década de 1930. A diferença é que o sistema projetado possui ótima eficiência
energética, além de ser ecologicamente correto e viável do ponto de vista
econômico.
Trata-se de uma bomba de calor para aquecer a água do banho,
desenvolvida com base em metodologia computacional. O sistema seria utilizado,
especialmente, em prédios, onde a aplicação da energia solar se torna inviável
devido à falta de espaço nos telhados para comportar a quantidade suficiente de
coletores para abastecer todos os moradores.
“A geladeira residencial é um exemplo típico de bomba de
calor, só que com efeito inverso ao que buscamos”, exemplifica o professor José
Ricardo Figueiredo, do Departamento de Energia da FEM. O docente coordena os
estudos, que são desenvolvidos na Unicamp no âmbito de linha da pesquisa
“Simulação de sistemas termo-fluido-mecânicos”. “O sistema permite a
transferência de calor de um espaço mais frio para outro mais aquecido,
necessitando apenas de um complemento energético na forma da eletricidade
consumida por um compressor. No caso da geladeira residencial, o espaço mais
frio é o interior do próprio eletrodoméstico, e o espaço mais quente é o
ambiente externo, que recebe calor através daquele conjunto de tubos pretos que
existem atrás do aparelho, denominado condensador. Na geladeira, interessa o
efeito de resfriamento. No nosso caso, interessa o efeito de aquecimento no
condensador”, explica.
Sob orientação do docente, o engenheiro Obed Alexander
Córdova Lobatón concluiu, em mestrado apresentado em fevereiro último, que a
bomba de calor aquece a água pela metade do custo de um chuveiro elétrico.
Enquanto o dispêndio do sistema proposto é de 0,145R$/kWh (reais/quilowatt
hora), o do chuveiro elétrico chega a 0,32R$/kWh. Obed Lobatón estimou para os
cálculos os custos de investimento inicial e de operação por um período de 15
anos, tempo estimado para a vida útil da bomba de calor projetada. O
pesquisador contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
“Por um lado temos uma redução do consumo de energia
elétrica, que é evidente. Mas, em contrapartida, o investimento inicial na
bomba de calor é maior. A dificuldade da popularização das bombas de calor é
justamente essa. O trabalho do Obed envolveu estudos sobre a parte técnica e
econômica. As equações da termodinâmica e da transferência de calor foram
acopladas às equações econômicas para definir o custo global do projeto – custo
inicial mais o custo de operação de 15 anos. A novidade foi tornar o projeto viável
não somente tecnicamente, mas também economicamente, para enfrentar o problema
da popularização da bomba de calor”, avaliou o docente.
Além disso, de acordo com Figueiredo, o sistema consome
cerca de quatro vezes menos energia do que o chuveiro elétrico, como demostrou
artigo do seu orientado na graduação, o aluno Bruno Fagundes Flora. O trabalho
de Flora foi publicado em 2010, em conferência internacional, durante evento da
Federação Internacional de Controle Automático, realizado em Portugal. O aluno
recebeu apoio financeiro por meio do Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à
Extensão (Faepex) da Unicamp.
Outra contribuição importante para o desenvolvimento do
sistema foi dada pelo também aluno de graduação Luís Sérgio Wilke Mühlen, que
iniciou o projeto detalhado de dois componentes fundamentais da bomba de calor:
o evaporador e o condensador (trocadores de calor). A partir deste estudo, o
engenheiro Obed Lobatón fez uma análise térmica e econômica, que permitiu
reduzir custos de investimento e de operação por meio do desenho e
dimensionamento de cada um dos trocadores. Foi utilizada a metodologia SQP
(Programação Quadrática Sequencial) por meio do software MatLab®.
Apesar de acessível, o chuveiro elétrico é um equipamento
com enorme irreversibilidade termodinâmica, implicando em um alto gasto
energético. Praticamente um kW elétrico é gasto para produzir um kW térmico. No
Brasil, cerca de 80% dos domicílios utilizam a energia elétrica como fonte de
aquecimento de água para banho, segundo dados do Sistema de Informação de
Posses e Hábitos de Uso de Aparelhos Elétricos (Sinpha), da Eletrobrás. O
aquecimento de água para banho e para uso doméstico corresponde a 10% de toda a
energia elétrica consumida no país, conforme os indicadores do Sinpha, utilizados
na pesquisa de Lobatón.
“Os sistemas de bombas de calor para aquecimento de água
tornam-se imperativos no momento em que os custos de energia continuam
crescendo no mercado mundial. É indispensável buscar, sistematicamente,
mecanismos sustentáveis, para fornecer às pessoas os serviços energéticos de
que necessitam a custos acessíveis”, defendeu, por e-mail, o engenheiro Obed
Lobatón, que após a defesa do mestrado na Unicamp, voltou ao Peru, sua terra
natal, para trabalhar em uma companhia energética do país.
Em certo momento, na década de 1990, a Companhia Paulista de
Luz e Força (CPFL) chegou a considerar a viabilidade das bombas de calor como
forma de reduzir o consumo residencial, lembrou o professor da FEM. “A CPFL ,
quando era estatal, chegou a pensar em financiar bombas de calor para as
pessoas reduzirem o consumo, porque um chuveiro elétrico consome muita energia.
E o custo inicial de você aumentar 5 kW na rede elétrica é muito alto. Mas a
ideia foi abandonada”, lamentou Figueiredo.
Princípio - Funcionando com base em um dos
fundamentos da termodinâmica, a bomba de calor é uma máquina que extrai calor
de uma fonte térmica e transfere esta energia para outra fonte, de maior
temperatura e em diferente proporção. Geladeiras, freezers, aparelhos de ar condicionados
são exemplos de bombas de calor presentes no dia a dia. O princípio de
funcionamento deste sistema provém do postulado do engenheiro francês Nicolas
Léonard Sadi Carnot (1796-1832) e da concepção teórica posterior de Lord Kelvin
(1824-1907). Conforme José Figueiredo, as tecnologias das bombas de calor são
amplamente utilizadas, principalmente para fins industriais, devido ao custo
dos equipamentos, que são importados.
Reservatório acoplado otimiza funcionamento - Os estudos
envolvendo a bomba de calor na FEM incluem também o desenvolvimento de um
reservatório acoplado para otimizar ainda mais o funcionamento do sistema. Este
reservatório está sendo elaborado pelo engenheiro Bruno Gimenez Fernandes. O
trabalho de Gimenez aprimora a simulação da bomba de calor desenvolvida por
Obed Lobatón, incluindo as perdas de carga internas à máquina.
O reservatório acoplado à bomba de calor permitirá, segundo
o orientador José Figueiredo, um armazenamento de calor, de modo que o sistema
possa trabalhar em horário distinto do de consumo. “Isso pode funcionar muito
bem, por exemplo, com os casos de tarifa elétrica diferenciada. Pode-se usar a
bomba de calor no momento de tarifa baixa e usar o calor gerado a qualquer
outro momento. Essa é uma alternativa para diminuir o pico de energia elétrica,
que para o chuveiro coincide fortemente com o pico de consumo no geral”,
propõe.
No futuro, as pesquisas devem ganhar um novo fôlego com a
modelação de uma bomba de duplo efeito, anima-se Figueiredo. “São quatro
pesquisas com possibilidade de continuação, quando incluirmos a bomba de duplo
efeito. Seria o uso de uma única máquina para produzir frio e calor. Em um
prédio residencial, você pode usar o calor para o chuveiro e o frio para o
condicionamento de ambiente. É uma questão de estudar e verificar a viabilidade
de uma máquina só ou duas. Temos que pesquisar, modelar, simular…”, suscita o
docente. (ambienteenergia)
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